NEM DELEGATÁRIOS, NEM ABNEGADOS

Carlos Novaes, janeiro de 2012

 

Seja no parlamento francês, no Congresso americano, na Câmara da Patagônia, nas assembleias municipais inglesas, na Assembléia do Rio de Janeiro, ou nas Vilarias espanholas, o cenário é um só: os políticos estão de costas para os cidadãos.

Contra esse estado de coisas posicionam-se dois vetores de opinião mais salientes: de um lado, os que valorizam a representação, mas para quem todo o mal se resume à má conduta da maioria dos políticos; de outro lado, os que enxergam na prática abjeta deles evidências suficientes para defender a substituição do instituto da representação pela democracia participativa. Os primeiros vão buscar no paiol dos participacionistas instrumentos complementares à representação, como a convocação esporádica da consulta direta ao eleitor (plebiscitos, referendos, etc), pensando com eles se contrapor ao exclusivismo dos profissionais, mas sem livrar-se deles, até porque querem conservar os tido como bons profissionais; os segundos, partindo de que há uma abrangente energia potencial mobilizável, a seu ver indevidamente contida pelos mecanismos da representação, apregoam a ação direta contínua, em que as maiorias se ocupem permanentemente da coisa pública. Uns são reformistas demais; outros, revolucionários de menos e ambos não se dão conta de que estão a combater uma quimera com soluções ilusórias.

Quando os reformistas buscam preservar os políticos tidos como bons e se esforçam para oferecer estacas participacionistas aos mecanismos da representação existente, deixam escapar o essencial: o problema não está na prática dos políticos, a ser melhorada pela consulta direta esporádica ao eleitor, mas sim no arranjo representacional tal como o conhecemos e, pior, tomamos como sendo a representação.

Ora, o modelo político de que dispomos nas democracias atuais, baseado em políticos profissionais, que se esmeram em fazer carreira,  não é representação. Antes é a negação dela. Esse corpo de delegatários aos quais descuidadamente se deixou a possibilidade de eternização nos cargos eleitorais é hoje o principal obstáculo à representação dos interesses e preferências dos cidadãos no firmamento político. Dispondo do tempo, das conexões e dos recursos que permitem a qualquer um a busca e a defesa dos próprios interesses, esses delegatários voltaram as costas para os eleitores e há muito deixaram de representá-los, ocupados que estão com a própria reeleição e a consequente conservação dos benefícios que a condição desfrutada traz.

Contrapor a esse modelo, porém, a chamada democracia direta, como o fazem os participacionistas, é contraproducente. Ao fazê-lo, os bem intencionados reforçam os argumentos “realistas” contrários, pois é mesmo muito difícil convencer o eleitor médio de que a solução para uma política melhor é ele se incumbir das tarefas políticas no mundo contemporâneo — simplesmente não há essa imaginada demanda reprimida por participação, uma vez que, entre outras coisas, a vida de grande parte das pessoas adultas está repleta de obrigações e preferências, ambiente em que dedicadas atividades políticas cotidianas não têm lugar. Levá-las ao engajamento político equivaleria a exigir que trocassem sua vida por outra — o gasto e infértil projeto do homem novo.

Esse pré-requisito do homem novo é infértil e contraproducente. Infértil porque desloca as energias da busca do que as pessoas podem realmente fazer na esfera pública para aquilo que elas deveriam se tornar na vida privada. Contraproducente porque abre caminho para a entronização dos militantes abnegados da causa, já agora sacrificial  (“deixamos tudo para trás”, “somos soldados da causa”, etc), nos lugares de representação que as exigências de mediação jamais deixarão de impor aos movimentos de mudança, por mais calor que eles tenham produzido em seu momento de ápice. A todo pináculo de participação segue-se a acomodação, acomodação que requer alguma representação. Sem ter sido pensada e valorizada, a representação adquire dinâmica inercial, que é a pior, porque escoada do cansaço das maiorias abnegadas e sequiosa de hierarquia nova, saída das ruínas da hierarquia antiga e que acabará por ser ocupada pelos abnegados militantes sacrificiais…

A impossibilidade de reconduzir os poucos que são bons é o preço a pagar pela não recondução dos muitos que são ruins. Não é caro, especialmente se considerarmos que mesmo fora dos cargos de representação os bons sempre encontrarão meios de continuar na luta pelo bem comum.

Sejamos radicais, peçamos o que o homem médio pode pedir conosco: o fim da política como profissão! Com isso, teremos uma verdadeira representação, pois a troca permanente dos representantes, aliada às consultas diretas, permitirá uma dinâmica participativa que não procurará repudiar, mas antes se alimentará, das assimetrias nos graus de engajamento na esfera pública.

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