GRAÚDOS E MIÚDOS

Carlos Novaes, 20 de agosto de 2015

 

No rescaldo das ruas, qualquer um pode observar que, na contramão delas, a situação de Dilma não só parou de piorar, como melhorou. Nada surpreendente para quem acompanha este blog. Mas a ação das ruas não foi inócua, afinal, ela permitiu a toda gente avaliar o estofo dos profissionais políticos de que dispomos. À medida que a incerteza se espraiou e que o desfecho da “crise” se aproxima, não só os atores centrais mostram quem são, mas também os periféricos, que vinham fora do olho do vórtice, vão sendo arrastados a se posicionarem (ou reposicionarem). Foi assim que as manifestações de quatro dias atrás levaram Fernando Henrique — que não é um aventureiro e vinha se conduzindo de modo solene, sempre afinado com o hemisfério político que representa, o da prudência, desde que por prudência se entenda a condução responsável e consequente dos interesses do establishment –, as manifestações de rua, eu dizia, levaram FHC a mudar diametralmente de posição: em poucos dias , sem que tivesse havido qualquer alteração na situação jurídica de Dilma, ela passou de “honrada” a “ilegítima” e o sociólogo passou de “estadista” a dublê de golpista, sendo finalmente arrastado pela “direção”(!) do PSDB. Mandou às favas os escrúpulos com “nossa jovem democracia” e fez coro com os espertalhões que vem a tentar transformar um desarranjo político numa crise institucional, usando como pretexto a ira popular contra medidas impopulares, como se fosse crime de responsabilidade um governante adotar medidas que contrariam a opinião pública — se fosse assim, ele próprio deveria ter sido afastado do cargo em 1999, depois de ter desvalorizado o Real mal fechadas as urnas da reeleição em que prometera não fazê-lo, e em cuja campanha chamara de fracassomaníacos aqueles que apontavam os erros que a desvalorização veio comprovar.

Política é como programa de auditório, se der espaço, as aberrações se apresentam. Assim, uma vez abertas as comportas do oportunismo por FHC, figuras como Geddel Vieira Lima saem das sombras para dar entrevistas. Tal como em programas de auditório, também na política é pela baixaria que surge a verdade, como comprovam as declarações de Geddel que, em alto e bom som, disse o que pode ser resumido assim: a esculhambação em que vínhamos nos locupletando até aqui entrou em falência e precisamos encontrar um outro modo de operar. Desafio qualquer um a encontrar resumo mais apurado do que esse para a “crise” política brasileira que, como venho insistindo, é uma “crise” do modo de operar dos profissionais, por sua vez sobreposta ao desmanche do pacto do Real. Se não houver freio algum na Lava Jato, figurões do p-MDB, aliados de Geddel, se não o próprio (impossível não é) irão logo-logo aparecer entre os indiciados. Como foi dito aqui no dia 14, ainda antes das manifestações, Cunha já foi enquadrado, mas até por dificuldades de comando no p-MDB, ele vem tendo alguma margem para poses que lhe permitam uma saída “digna” do proscênio – talvez a Lava Jato não lhe dê tempo de completar a manobra. Vamos ver.

Por enquanto, as elites empresariais preferem conduzir o desmanche do arranjo falido mantendo Dilma na presidência. Veem na continuidade dela um prazo para uma outra solda. À prudência delas, que é orientada pelo fato de que são as senhoras do tempo, se opõem certos profissionais da política que, mais premidos pelo calendário, julgam poder tirar do fogo, aqui e agora, as castanhas que ambicionam, como Aécio e Serra. Se não surgir nada juridicamente consistente contra Dilma, o empresariado deve prevalecer. O acerto final, para o qual ninguém propriamente sentou à mesa, claro, mas em torno do qual todos se entenderam, parece ser, até aqui, o seguinte: Dilma fica; a indômita Lava Jato prossegue, deixando ao STF os lances de acerto para tentar livrar um ou outro;  o processo da Zelotes morrerá de inanição no âmbito administrativo; cada um dos partidos incorpora como puder os próprios prejuízos; e, jogo jogado, quem sobreviver volta em 2018 para dar mais uma volta no parafuso, quando, se imagina, a contração fiscal terá dado alguma folga. Em suma, o merecido estrago já alcançado, e ainda em curso, contra o PT e Lula parece estar em vias de satisfazer aos atores que contam. Querer ir além, removendo Dilma, é para afoitos que arriscam-se a colocar fogo na lona do circo.

Nesse jogo de gente grande, há também quem pretenda tirar as castanhas do fogo sem risco de pelar as mãos. A melhor representante dessa estirpe é Marina Silva, que, depois de quase nove meses “ouvindo”, embora dando a entender que era contrária ao impeachment, avaliou errado o lugar da rua nesse jogo de profissionais e reapresentou-se, aos 42 do segundo tempo, com a mais sinuosa das declarações. Por dever de ofício, li, sopesei cada palavra e garanto: quem não leu a longa e enfadonha peça nada perdeu. A vacuidade é total. Não há ali nenhuma reflexão. Não há ali qualquer ideia. Não há ali uma única proposta. Ao dizer que Dilma já foi “saída” da presidência, Marina saiu da moita para “aderir”, sem engajamento (é claro), a uma campanha de rua que fingia não endossar: o fora Dilma. Depois que seu guru FHC mudou de lado, Marina, firme como estaca no pântano, achou que podia ter seu dia de Ulisses Guimarães. Veja bem, leitor, não é que Marina Silva finalmente escolheu resolutamente um lado. Não. Ela apenas pôs o pé na rua, mas voltou rapidinho para a calçada (sempre a do lado conservador, claro). Foi uma saidinha rápida, dessas de porta de banco, apenas para se calçar, afinal, nunca se sabe — vai que a Dilma cai, não é mesmo?

2 pensou em “GRAÚDOS E MIÚDOS

  1. eder

    Nunca imaginei ver a globo satisfeita em cobrir os protestos dos movimentos sociais .Brizola disse que o que a globo é contra é bom pro país. Ele não tava errado. É que nesse caso ser a favor ou contra é ruim.Com Dilma é ruim , sem Dilma é pior.Muito triste essas .opções.Defender o ruim contra o pior e ainda ao lado da globo e dos tubarões que vão nos devorar um pouco mais justamente pra evitar o pior.A agenda Brasil dos tubarões é o preço a se pagar pra evitar o pior.Mas ,pior que isso só…o que mesmo?

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  2. Anderson Thadeu

    Novaes, a situação do Brasil é de chorar, mas ler você consola. Dou gargalhadas com suas ironias e com cada máscara desses bandidos da política, mídia e mundo corporativo brasileiro que você estilhaça. É o que resta, rir para não chorar. O tempo todo nós, o povo, somos os palhaços, os humilhados e os feito de trouxas. Se o que você escreve não catalisa um mudança mais rápida (fim da reeleição legislativa) de toda essa situação depravante, pelo menos podemos encostar a cabeça no travesseiro certos de que tudo o que se fala por aí, menos aqui, não vai nos enganar, apenas fazer rir – de angústia.
    Somos espectadores de uma tragicomédia, que é trágica para nós, e apenas mais uma encenação para aqueles atores. A quem caberá o Oscar?

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