TEORIA DA CONSPIRAÇÃO E MUDEZ NAS RUAS

Carlos Novaes, 13 de abril de 2017

Esse “acordo de sobrevivência”, que a mídia convencional vem noticiando como novidade, ficou claro faz tempo, pelo menos desde o gesto que poupou os direitos políticos de Dilma e de sua contrapartida logo depois, com os votos do PT para eleger Rodrigo Maia presidente da Câmara – depois disso, houve outros lances nessa linguagem cifrada dos políticos profissionais, sendo talvez o mais notório a visita de Temer a Lula quando da internação hospitalar de dona Marisa (gesto que não pode deixar de ter sido muuiito bem combinado), ao fim da qual o protagonista do golpe contra Dilma e o PT, tão bem recebido por Lula, louvou o encontro e declarou que estudava realizar conversas com ex-presidentes – Temer não poderia ter sido mais explícito no “resgate” público a um Lula enredado nas malfeitorias descobertas pela Lava Jato que a todos eles dizem respeito; Lula não poderia ter deixado mais clara sua disposição de jogar o “jogo-jogado”. Chega a dar preguiça de continuar este artigo.

O fato de só agora analistas com assento na mídia convencional reconhecerem essa movimentação, e a darem como novidade, resulta do pendor para olhar o mundo dos políticos profissionais como conspiração atribuível a sicrano e beltrano – embora sempre fazendo pouco caso da tal “teoria da conspiração”, o que sempre lhes permite darem a si mesmos ares de sabichões. Todos sabemos que os resultados da ação política, seja ela profissional ou não, são alcançados com base também em muitas conspirações de uns contra outros (sendo que, aqui, “uns” e “outros” não necessariamente opõem personagens de espectros ideológicos diferentes, coisa fora de moda para profissionais – são facções que se formam ao sabor dos mais variados interesses, frequentemente apartados do que interessaria aos seus representados: um país onde uma desigualdade tão expressiva não fosse o entrave que é à melhoria da qualidade de vida da imensa maioria) – voltemos.  Precisamente porque é ação que se faz com muitas conspirações, a política não pode ser explicada por uma conspiração geral, que a tudo abarcasse, ainda que todo resultado dela, da política, possa ter deixado vestígios de conspiração. Nenhuma teoria da conspiração se mantém precisamente porque as muitas ações conspiratórias efetivamente realizadas pelos políticos profissionais, a miríade de seus resultados esperados e, sobretudo, não-esperados, impedem que o resultado final corresponda ao desenho de uma conspiração geral que a tudo previamente houvesse abarcado.

Não há conspiração totalizante contra a Lava Jato, o que há é jogo convergente antigo, sempre retomado, realizado por sinais (inclusive de fumaça) no transcurso do tempo, tempo no qual cada um avalia suas possibilidades de escapar, enquanto fica de olho na situação do “adversário”. As aspas em adversário são para indicar que há simulacro nesse jogo amigo-inimigo, simulacro contra você, leitor – detalhemos isso com aquele que talvez seja o melhor exemplo desse jogo duplo: o golpe contra Dilma e a questão da impugnação da chapa Dilma-Temer pelo uso de caixa2. Lula, o PT e seus satélites não deixam de denunciar em seus comícios o golpe feito contra Dilma (o que é verdade), mas, ao mesmo tempo, nada, absolutamente nada fazem para derrubar Temer. Faz tempo que Lula-PT absorveram o golpe, entenderam os sinais de que há uma meta maior: salvar a política profissional para os profissionais da política. Se houvesse mesmo uma disposição anti-golpista, por que não empregar contra Temer a variante Thomaz Bastos, o ministro da Justiça que encontrou a saída menos danosa para os mensaleiros: assumir o caixa2? Por que a saída que valeu para salvar Delúbio&Cia não vale agora para derrubar Temer? Se o PT assumir que houve caixa2 na campanha Dilma-Temer o golpista deixa a presidência da República. Mas não, ao mundo dos políticos profissionais interessa que Temer continue precisamente porque ele é, a um só tempo, tanto o pino em torno do qual gira a atual articulação política (tal como Lula teria sido se houvesse chegado a ser ministro da Casa Civil de Dilma), como o espantalho indispensável ao circo eleitoral de 2018, quando os políticos profissionais voltarão a encenar suas “divergências inconciliáveis” pisando no solo firme da manutenção da desigualdade neste Estado de Direito Autoritário que eles chamam de democracia consolidada.

Enquanto isso, as ruas seguem em silêncio. De um lado, os barulhentos da polarização fajuta vêm encontrando dificuldades crescentes para arregimentar incautos precisamente porque, finalmente, está ao alcance de todos enxergar a fajutice da polarização entre quem, por traz do pano, está a “conspirar” pelo “bem do Brasil” — fizeram papel de trouxas. Uma geleia-geral tão explícita não há mesmo de deixar brecha por onde passar um manifestante que tenha noção de ridículo, siga ele o MBL ou Boulos . Por outro lado, o meio da rua permanece tão em silêncio como antes, e não há sinais de que vá mudar, basta olhar para a parança da eleição de 2016, sobre a qual ainda não encontrei motivação para escrever: quando não votou nos mesmos de sempre, o eleitorado buscou se certificar de que escolhia os novos que manteriam intacta a situação, daí “novidades” como Dória e Crivella. Não há transformação à vista – pelo contrário — mas não custa insistir nela.

2 pensou em “TEORIA DA CONSPIRAÇÃO E MUDEZ NAS RUAS

  1. william

    Caro Novaes,
    Muito bom tê-lo novamente escrevendo sobre a nossa política. Cheguei a ficar preocupado com a prolongada ausência dos seus acertados comentários. Espero q td esteja bem com vc e sua família. Continue nos brindando com suas análises formidáveis. Abraços.

    Responder

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.