BRASIL ACÉFALO — É HORA DE ELEIÇÕES CONSTITUINTES

Carlos Novaes, 18 de maio de 2017

Há muito falo aqui do divórcio entre o mundo político profissional e a sociedade, insistindo em que a verdadeira polarização é esta: nós contra eles. Esse “nós” “reúne” a maioria da sociedade brasileira, que sofre, em graus desiguais, com a desigualdade; o “eles” “agrupa” os políticos profissionais e aqueles agentes do “Mercado” a quem eles representam, facções que tiram vantagens, em nacos diferentes, da desigualdade. Como essa polarização real chegou ao ponto de arrastar o país para uma crise generalizada, que põe em risco o pouco de civilização que construímos, propus aqui, em mais de um texto, que negássemos a eles a nossa governabilidade, através de uma resoluta desobediência civil, exigindo, na rua, eleições federais diretas.

Nas últimas horas, o divórcio entre nós e eles ficou evidente como nunca antes. E isso não exatamente porque tenham aparecido evidências contra Aécio (oh, que surpresa…) ou contra Temer (não me diga…). Não. O que escancara a existência dos dois mundos, o nosso e o deles, é o fato de políticos experientes como Aécio e Temer terem continuado a se movimentar criminosamente mesmo depois que o teatro de operações da Lava Jato (ao abrigar a luta entre suas múltiplas facções) havia dado evidências de que as investigações não poderiam ser manejadas por vontades unilaterais e que havia gente se precavendo para obter provas barganháveis em delações futuras.

Aécio e Temer continuaram a delinquir por uma única razão: o modo de fazer política que eles conhecem é apenas o desse mundo político à parte, no qual nasceram e se criaram. Como esse mundo ruiu, eles, que não conseguem alcançar a extensão da ruína precisamente porque não estão do lado de cá, tentam insistir mesmo quando já não há caminho plausível. Em outras palavras, o divórcio entre nós e eles é de tal ordem que todas as possibilidades de uma “saída política” se mostraram inviáveis (a “política” deles, bem entendido: Lula primeiro-ministro; acertos Temer-FHC-Lula, etc) e eles não puderam deixar de buscar saídas criminosas para si mesmos e, pior, acreditando que poderia dar certo.

Nós, do lado de cá, estamos a viver essa ruína, mas ainda não atinamos para a extensão do que está a ruir. O que está a ruir, leitor, não são apenas, nem principalmente, o governo golpista de Temer; ou as estruturas corruptas de PT, PSDB e p-MDB, com seus respectivos chefes de quadrilhas. Tudo isso é passado. O que está a ruir é o Estado de Direito Autoritário que nos infelicita. E é o modo de ele vir abaixo que decide o nosso futuro. pois abrem-se para nós duas alternativas: ou a regressão a formas autoritárias, sem Estado de Direito;  ou a demarcação de um terreno propício à construção de um Estado de Direito Democrático.

Faz tempo que as forças da desigualdade e do autoritarismo viram na crise uma oportunidade, e não param de avançar, seja propondo reformas estruturais (previdência e trabalho), seja avançando sobre direitos dos mais fracos (pobres, índios, quilombolas), seja na predação hostil ao que diz respeito ao futuro de todos nós (reservas ambientais, legislação regulatória das áreas ocupáveis por alguma produção). A face eleitoral dessa marcha macabra é uma saída a la Dória, ainda que para isso tenham de fingir que o perigo é Bolsonaro na presidência da República. Não. O perigo é a eleição de um “gestor” para a gestão do que é público. A gestão pública, leitor, tem de ser política, não empresarial; assim como a representação tem de ser política, não profissional.

Por isso mesmo, não basta realizar uma eleição federal às pressas, para apenas preencher cargos. Seria uma outra forma de “estancar a sangria”, o que abriria caminho para saídas autoritárias, para decisões irrefletidas, tomadas com base no frenesi da polarização fajuta que até bem pouco tempo inflamou gente insciente ou oportunista nas ruas (aliás, já estamos a ver os oportunistas do VemPráRua e assemelhados abandonando o barco em que navegavam no mar de lama).

A hora é de ação, mas com reflexão. Caindo Temer (e não consigo ver como ele não cairia, se as fitas existirem), que se faça a escolha do sucessor atrelada ao calendário eleitoral, mas prevendo a eleição de um Congresso Constituinte, para o qual proponho que não se vote em ninguém que já tenha tido mandato de representação parlamentar. Como quer que seja, abrir-se-á, então, um intervalo para que todos nos engajemos na discussão do país que queremos.

Fica o Registro:

No depoimento de Lula a Moro ficaram claras pelo menos duas coisas: é implausível que Lula seja inocente no caso do triplex que o MP-PR não consegue provar que é dele; e Moro, com sua politiqueira preferência mesquinha anti-Lula, apequena a grandeza alcançada pelo que ele próprio ajudou a colocar em movimento. Lula foi inconvincente como réu inocente; Moro foi inconvincente como juiz imparcial.

 

 

1 pensou em “BRASIL ACÉFALO — É HORA DE ELEIÇÕES CONSTITUINTES

  1. Rodolpho

    Brilhante como spre! Tbm acredito q haja várias facções da Lava-Jato, sendo a paranaense claramente antipetista e q procura aliviar pros outros partidos. Ñ sou petista nem nunca fui mas tbm ñ sou cego, foi uma opção política investigar com tudo os petistas e aliados pra forçar a derrubada do gov impopular de Dilma, as gravações dela com o Lula sem autorização do Supremo e sua divulgação no msm dia pra uma emissora de TV q consegue tds os furos mostram bem isso. Dps o veto as pgtas embaraçosas do Cunha para o excelentíssimo pres ñ eleito, acusando-o ainda de estar chantageando o Temer. Qto ao Doria acho ele realmente um perigo maior do q o Bolsonaro. Nossa elite, o dinheiro gde e imprensa jtas querem embalar um novo Collor, idêntico no discurso autoritário e ultra liberal economicamente. Bolsonaro é até folclórico, seu discurso extremista e preconceituoso numa eleição pro Executivo acho q ñ cola, vai espantar o campo conservador pro colo do Dória.

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