TEMER SE COBRE DE UM RIDÍCULO REVELADOR

Carlos Novaes, 06 de julho de 2017

[Com acréscimo às 20:21h]

Tentando aparentar normalidade, sob aplausos protocolares de cúmplices seus, Temer fez hoje um discurso cujo efeito é o oposto do pretendido, especialmente para quem acompanha este blog. Disse o golpista corrupto:

“As pessoas, muitas vezes, pensam no seu interesse pessoal, ou no seu interesse funcional… Ou às vezes, até, entram numa disputa — sem embargo da Constituição determinar a harmonia entre os Poderes; o que mais se verifica é a tentativa de desarmonizar os Poderes do Estado. Isso é um crime contra o Estado democrático de direito. Isso só passa pela cabeça daqueles que, na verdade, acham que são autoridades iluminados por uma centelha divina e não autoridades emanadas do único dono do poder do Estado, que é o povo. Nós somos todos autoridades transitórias”.

Nem sob encomenda Temer teria feito uma declaração tão sob medida para iluminar o que venho perseguindo. É fácil enxergar que nesse parágrafo tudo é falso. Falsidade que escancara não apenas, nem principalmente, a precariedade da situação de Temer, mas sobretudo a fragilidade de nossa ordem institucional como tal.

Primeiro, a situação é de tal desordem que o próprio presidente da República explicita num discurso solene a luta de facções que engolfou o Estado de Direito Autoritário brasileiro. Observe, leitor, que, em razão do emparedamento em que se encontra, Temer é mais um que não pode reconhecer a crise de legitimidade do Estado e, então, vem invocar a preservação  da harmonia constitucional entre os poderes, como se o que houvesse fossem tentativas de criar conflito entre eles. Não.

Como todos temos acompanhado, cada um dos poderes está, ele mesmo, dividido entre facções rivais, que se aliam transversalmente com facções de interesses semelhantes no poder adjacente. Logo, o que há não é o risco de um poder entrar em desarmonia com outro, como quer Temer – a desarmonia já é muito mais profunda — o que há é uma crise de Estado, no âmbito da qual se fazem alianças oportunistas, numa avacalhação tal que os facciosos já têm de lutar à vista de todos, não obstante teatralizem cinicamente o respeito ao protocolo, como quando Fachin resolveu contornar a facção da segunda turma e foi direto ao pleno do STF para impedir a soltura de Palocci, ou quando a PF deu prazo exíguo para Temer responder 82 perguntas, ou quando o magistrado Mendes recebe o investigado Temer para jantar na noite anterior ao anúncio do sucessor de Janot na PGR; ou quando Aécio tem a carreira política elogiada por Marco Aurélio quando este decide negar a sua prisão, prisão que fora solicitada pela PGR precisamente porque essa mesma carreira está sub judice.

Segundo, qualquer estudante de direito sabe que não há crime sem vítima. Logo, não pode haver crime contra o “Estado democrático de direito”, pois a sociedade brasileira não conta com um. Aliás, estivéssemos sob um Estado de Direito Democrático, jamais estaríamos a ver uma desordem dessas, saída precisamente das entranhas do Estado que nos foi legado pela ditadura paisano-militar. Em outras palavras, o Estado brasileiro não conta com mecanismos para debelar essa crise precisamente porque ele não é democrático, precisamente porque os agentes do Estado, divididos em facções, não respeitam a Constituição – e não a respeitam porque simplesmente não podem respeitá-la, uma vez que respeitá-la significaria a derrota da própria facção que o fizer, fragilizando-se na luta contra as outras. É por isso que são ridículos todos os graves apelos e salamaleques a reclamar na mídia convencional o respeito à Constituição. Ela foi rasgada e precisamos de outra – menos para termos outra Constituição, embora dela precisemos, e mais para passarmos por um novo processo constituinte, do qual necessitamos desesperadamente.

Terceiro, Temer finge respeito litúrgico à transitoriedade do seu poder para, a contrapelo, pavonear-se com plumagem tucana, como se essas penas imundas pudessem substituir o manto de que não dispõe: a vontade do povo. Temer não é transitório por vontade do povo; ele é transitório por ser um golpista e um indigno, até do próprio golpe, e, por isso mesmo, sob seus pés se agita a revolta do povo — infelizmente ainda recolhida, porque sem rumo claro a seguir.

Fica o Registro:

– Horas depois do discurso de Temer, a PF fez o anúncio da desmobilização de seus efetivos na Lava Jato lá no Paraná. Enfim, o ministro da justiça de Temer fez o que Lula pediu, em vão, ao Ministro da Justiça de Dilma. Certamente, diante desse golpe contra a Lava Jato, não teremos senão silêncio dos “republicanos” parceiros de José Eduardo Cardozo no PT. E ainda há quem veja o PT como alternativa a todo esse absurdo! Até quando?

Acréscimo das 20:21h:

– Tasso Jereissati, que preside interinamente o PSDB, fez declarações quase espantosas no fim desta tarde: primeiro, que se o parecer do relator na Câmara for desfavorável a Temer, é o fim (ora, então o PSDB precisa desse parecer do p-MDB para aceitar a gravidade dos fatos?! — por muito menos deram o golpe em Dilma); segundo, sem sequer ter saído do governo Temer, o PSDB já está aderindo a um governo Rodrigo Maia; terceiro, Jereissati defende que se faça “qualquer tipo de acordo”, de modo a alcançar uma estabilidade “mínima” até 2018; coisa que, segundo ele, “não é difícil” de obter… — como é que é?!

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