FACES DA RUÍNA

Carlos Novaes, 13 de julho de 2017

É mais do que simbólico que tenham se dado juntas a condenação de Lula e a aprovação da derrubada da legislação trabalhista cujo cerne saíra da era Vargas. Vai além da simbologia porque o que abriu caminho à desfaçatez dos conservadores e à ida de Lula aos tribunais foi a leviandade do lulopetismo. Vista assim, a concatenação dos dois eventos não marca exatamente uma derrota do PT e de Lula (como poderia sugerir a revolta da bancada petista no Senado), mas antes mostra um desdobramento das escolhas que eles fizeram para alcançar êxitos efêmeros: infelizmente, estão a colher o que plantaram.

Em outras palavras, o revés sofrido pelos trabalhadores com a aprovação dessa nova legislação trabalhista danosa aos seus interesses só foi possível porque Lula e o PT – que fizeram da sua acomodação à ordem trabalhista conservadora que deveriam ter transformado um dispositivo a mais no seu extenso rol de acomodações oportunistas – levaram tão longe a teatralização de compromissos de “esquerda” há muito abandonados que quando o cenário ruiu a plateia foi junto. Em suma, eles foram tão danosamente falsos que fizeram da própria ruína a ruína dos trabalhadores,  a quem haviam confinado na condição de platéia para os seus “feitos”.

O mesmo mecanismo vai operar no caso de outras reformas, pois de reformas é que não pode escapar um Estado de Direito Autoritário em crise de legitimação. Tendo aderido a esse Estado, sendo parte no que dá causa à crise de legitimação, o lulopetismo ficou desautorizado para protagonizar reformas e, agora, tem de se re-fantasiar de radical para assumir a posição conservadora de quem defende o status quo atrasado que deveria ter transformado. Assim como Tolstoi disse na abertura do seu Ana Karenina que todas as famílias felizes se parecem, as infelizes o são cada uma à sua maneira, também devemos entender que se há uma onda conservadora a varrer o mundo, em nenhum país importante essa infelicidade colhe os mais fracos tão desprovidos de meios políticos de resistência como no Brasil.

O caráter singular da nossa infelicidade se deve ao PT liderado por Lula (embora não apenas a eles). Ao simular com tanta hipocrisia o compromisso com a mudança, eles atravancaram com falsas esperanças e interesses burocráticos o caminho por onde poderiam ter surgido forças transformadoras autênticas e, uma vez apanhados, abriram caminho a essa desfaçatez cínica dos mais fortes no manejo da força do Estado contra os mais fracos. É um nó de marinheiro, leitor!

Embora haja muito conteúdo repelente no ódio contra Lula e o PT — um ódio que, como não poderia deixar de ser, pelo que foi visto acima, se estendeu a toda a “esquerda” — o fato é que lá bem longe da boçalidade há uma decepção profunda que alimenta o desencanto e vai se tornando raiva naqueles que, sem jamais se terem identificado com o lulopetismo, haviam começado a rever preconceitos precisamente porque se permitiram ver qualidades no que antes repudiavam – a reversão dessa disposição de ir na direção de quem pensa diferente, e pela fraude, é um dos efeitos mais danosos que nos lega a ruína lulopetista, pois nenhuma transformação é possível sem a conquista de consciências recalcitrantes do outro lado. Essa reversão está nas classes médias e é mais funda entre os muito pobres — é aí, nas águas turvas desse desencanto, que irão pescar os gestores e os bolsonaros (“radical” por “radical”…).

Precisamos, mesmo, de um outro projeto — e me parece um desperdício de energia, um esforço vão e contraproducente, adicionar à luta por transformação a tarefa de salvar a “esquerda” — coisa muito fácil de entender quando observamos que boa parte dessa “esquerda”, infensa mesmo às autocríticas protocolares, está empenhada em passar por cima de sua própria contribuição aos problemas que nos trouxeram à situação atual, como faz Fernando Haddad em artigo que critiquei aqui.

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