LULA DOBROU SUA APOSTA NA LUTA DE FACÇÕES

Carlos Novaes, 07 de abril de 2018 — 10:37h

[com acréscimos em Fica o Registro]

A estupidez do TRF-4 e de Moro abriu uma oportunidade para que Lula deixasse de lado a luta de facções e tivesse uma atitude compatível com as contradições da hora presente. Ele ameaçou fazê-lo ao não se entregar como Moro determinara, mas acabou por recuar, tendo até mesmo desistido de se dirigir à sociedade brasileira, ao mesmo tempo em que recebia as manifestações de apoio que chegaram de Temer, Sarney, Renan & Cia.

Ao se entregar, ao invés de se fazer prender, Lula diluiu em um melancólico gesto de adiamento a “resistência” que esboçara, conferindo à situação um jeitão de infecunda medição de forças entre ele e o juiz paranaense, como se essa disputa já não tivesse sido decidida há tempos. A disputa agora era outra, mas Lula abriu mão de qualquer desafio real à ordem ilegítima e acabou por emprestar legitimidade ao Estado de Direito Autoritário.

Ao abrir mão de reavivar o que resta da sua liderança, Lula mais uma vez fez uso do apoio que tem na sociedade não para ajuda-la a compreender a crise de legitimação de que ela é protagonista insciente, mas para dobrar sua aposta pessoal na luta de facções no âmbito do Estado e, por isso, ontem mesmo tentou escolher Marco Aurélio, ministro de facção “amiga” no Supremo, para julgar seu mais novo pedido de HC (como se o problema ainda fosse esse…). Coerentemente, Lula escolheu ficar no mesmo patamar de Aécio e Temer, que sequer vão poder espernear, pois nos casos deles as provas abundam.

Talvez Lula já tenha se fechado em si mesmo e a escolha dele tenha sido ditada pelo realismo de quem conhece a própria situação melhor do que ninguém, pois embora condenado sem provas no caso do triplex, ele responde a outros processos, sendo que naquele referente ao sítio de Atibaia há sinais de que as provas são consistentes. Enfim, Lula não fez nada que não poderia ter previsto um observador que pensando apenas na situação individual de Lula como líder decaído, tenha razões ou preferências que o levem a desprezar o potencial transformador que podem ter acidentes de percurso como este que nos foi oferecido pela Lava Jato.

Ontem, olhando a mesma situação, o professor Boris Fausto declarou:

“É gravíssimo e lamentável que um ex-presidente seja preso, mas, se ele foi condenado por unanimidade em segunda instância, é necessário que se cumpra [a prisão]”. […] Toda vez que tememos uma explosão social nestes tempos atrapalhados, ela não veio.”

Talvez não seja acidental que um juízo assim seguro sobre a docilidade do nosso povo venha de alguém que despreze o fato de que essa condenação do Lula foi unanimemente decidida sem provas e, por isso mesmo, não enxerga os sinais de que essa condenação espúria se deu no bojo de uma crise de legitimação do Estado.

Na mesma linha de Fausto vai o prof. Rubens Ricúpero:

“Vejo com muita preocupação o destino do sistema político brasileiro. Está cada vez mais disfuncional e nos encaminha para um impasse. […] Se a Constituição, mesmo quando interpretada literalmente, conduz à impunidade, qual é a conclusão? A conclusão é que não vai haver possibilidade de punir. […] Quer dizer, a aplicação da Constituição não torna possível punir em certos casos. É um negócio complicado, uma situação em que o sistema esteja se esgotando.”

Ou seja, mesmo diante da própria constatação de que nem a “interpretação literal da Constituição” resolve, Ricúpero se recusa a enxergar a crise de legitimação do Estado e prefere se refugiar em tornar hipótese algo que já se deu: o “esgotamento do sistema político”. Por isso mesmo, nem passa pela cabeça dele encarar que a benéfica Lava Jato esta a cometer arbitrariedades antidemocráticas. Tudo é tomado em bloco, pois para esse pessoal se trata de defender um inexistente Estado democrático de direito.

Como já deve ter ficado claro para quem acompanha este blog, entendo que o sistema político já se esgotou faz tempo e que esse esgotamento, tal como uma implosão que não deu certo, levou-o a se engaiolar numa guerra de facções que explicitou e agrava uma crise de legitimação do Estado de Direito Autoritário, Estado este que Fausto e Ricúpero, ao lado de Lula e FHC, ajudaram a construir.

Enquanto eles parecem ansiar por uma solução no âmbito do Estado, estou entre aqueles que põem suas esperanças na sociedade e, por isso mesmo, não abandonei a ideia de que a reorientação de grandes crises pode ter origem em injustiças pontuais, em eventos aparentemente infecundos. Não foi dessa vez.

Fica o Registro:

  • Começam a surgir na imprensa avaliações de especialistas de que a ministra Rosa Weber já não pode ser dada como voto certo na alteração da jurisprudência que consagrou, contra o voto dela, a possibilidade de prisão com base em condenação de segunda instância. Isso não só não me surpreende, como é bem o caso de registrar que a se confirmar essa expectativa, Weber estará indo na direção oposta de Gilmar também no que se refere ao caráter democrático da mudança, juízo que desenvolvi claramente dias atrás, aqui.
  • O UOL traz uma série de manifestações de brazilianistas sobre a situação brasileira. Nada que já não tenhamos lido na lavra dos próprios analistas brasileiros convencionais: pregam “fé nas regras do jogo”, sem levar em conta que são as regras que estão questionadas; insistem que a democracia está firme, quando o que importa é discutir a legitimidade do Estado de Direito Autoritário; e, claro, dizem tudo isso recorrendo a safa-onças como “é possível argumentar que a Justiça se concentrou sobre Lula, entretanto, e que a acusação talvez não fosse suficiente para prender um ex-presidente enquanto há outros corruptos envolvidos em desvios maiores que continuam soltos”! Passar olimpicamente sobre esse “pequeno detalhe” não é algo que destoe do que temos lido em liberais brasileiros, não?
  • 12:13 — Finalmente, depois de acertar que vai se entregar, Lula resolveu falar e, claro, faz um discurso eleitoral sem maior interesse. Em sua melancolia, parece a cerimônia fúnebre de um sonho antigo.

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