LOUCURA E VIOLÊNCIA SÃO CONSTRUÇÕES SOCIAIS

Carlos Novaes, 08 de setembro de 2018

[com acréscimo em 09/09, em Fica o Registro]

A essa altura, toda pessoa sensata já terá descartado qualquer dimensão conspiratória ao ataque contra Bolsonaro — a facada foi o golpe de um indivíduo maluco emocionalmente motivado.

Não se deve, porém, supor que a motivação individual de um maluco seja resultado apenas de um distúrbio orgânico no cérebro do indivíduo perturbado, um cérebro com dificuldades para, entre outras limitações, dar conta da tarefa complexa de harmonizar memórias usinadas em áreas e dispositivos dedicados às emoções com as memórias usinadas em áreas e dispositivos voltados à produção de ideias e à comunicação.

Sendo o homem um animal político, emoções e comunicação ordenada são feixes de relações sociais. O distúrbio, quando ocorre, é individual e tem na base uma dimensão orgânica, por assim dizer cerebral, mas sua origem, a matéria que o alimenta e a produção que resulta dela são sociais.

Não devemos tratar a ação do agressor como um caso isolado, ou limitar sua natureza coletiva aos desdobramentos eleitorais do gesto, como se o problema tivesse florescido do nada na cabeça dele, ou como se o seu desdobramento mais importante fosse o de trazer vantagens/prejuízos políticos a essa ou àquela candidatura.

Violência e loucura são fenômenos sociais, latentes como a eletricidade, que está por toda parte, mas só ganha sentido e direção quando encontra um fio condutor. Se a política motiva violência e loucura, sempre haverá violentos e loucos interessados nela. A violência latente de que Bolsonaro se fez um cabo de alta tensão atraiu a loucura latente de que Bispo se tornou um fio desencapado — o curto-circuito foi a facada.

Enquanto houver quem prega a eliminação de quem pensa diferente, sejam “30 mil” ou um, haverá a possibilidade real de que lobos solitários ou linchadores acabem por se motivar para a realização da tarefa. Por isso, o fato de Bolsonaro estar convalescendo de um ferimento a faca não o torna merecedor de nenhuma trégua no combate ao que ele prega e representa; antes pelo contrário: é hora de mostrar para onde nos levam o belicismo e a intolerância dele.

Desconsiderando os mais ferrenhos adeptos de Bolsonaro, a compreensão de que ele, infelizmente, colheu o que plantou está ao alcance de qualquer um que venha prestando alguma atenção, se não à vida política, pelo menos à campanha eleitoral do candidato — desde que não tenha sucumbido ao bom-mocismo dos que confundem empatia humana com ética política, como fazem certos blogueiros.

Se os adversários recuarem do combate à violência de Bolsonaro nesse resto de campanha será uma capitulação muito reveladora: primeiro, porque já não restará dúvidas de que eles não entendem o que está em jogo; segundo, porque se explicitará a natureza oportunista dessas candidaturas, sempre prontas a se moldarem ao que julgam eleitoralmente mais rentável (fazendo, no caso, um cálculo errado); terceiro, e mais importante, porque terão deixado passar uma oportunidade de ouro para fazer aflorar às consciências o que a realidade está a ulular: a saída da crise de legitimação do Estado de Direito Autoritário não está na volta à predação autoritária, mas em buscar partilhadamente o caminho que nos leve para cada vez mais longe do autoritarismo — ele sim o grande dano à democracia que pode sair da lâmina de Bispo.

[em 09/09] Fica o Registro:

O general Villas-Boas voltou a falar. A entrevista, intrinsecamente autoritária, explicita o seguinte:

  1. Os militares vinham acreditando em, e torcendo por, uma vitória de Bolsonaro.
  2. Agora, como não são bobos, ao invés de acreditarem no jogo do bom-mocismo, temem que o atentado tenha explicitado a inadequação de Bolsonaro para a tarefa que a maioria da sociedade brasileira imagina para o próximo presidente — e isso porque está a se alastrar a percepção de que ele “colheu o que plantou”.
  3. Villas-Boas buscou estabelecer um marco de questionamento para essa derrota que se anuncia, dando sustentação a um possível argumento de Bolsonaro contra a legitimidade de uma derrota sua: “prejudicaram a campanha” — como se campanhas não fossem processos em que precisamente “se prejudica” tanto quanto “se promove” a campanha dos candidatos. Além do que, se a loucura de Bispo é social, a ação de Bispo não pode ser generalizada para quem é contra Bolsonaro se não for, também, generalizada para quem defende, junto com Bolsonaro, as ideias dele — curto-circuito é curto-circuito.
  4. Bem espremida, a entrevista repete a forma do blefe feito contra o STF no caso de Lula, de que tratei aqui: “não aceitamos nada menos do que a vitória de Bolsonaro”.

Ao contrário do STF, a maioria de nós vai ter de pagar para ver.

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