PT PAGA O PREÇO PELA SUA ACOMODAÇÃO CONSERVADORA

Carlos Novaes, 30 de agosto de 2014

Em texto de 2008, e em várias manifestações nos últimos anos, inclusive na TV, tive oportunidade de apontar que ao se acomodar aos ganhos eleitorais por ter realizado políticas sociais que aliviaram os sofrimentos da vida dos brasileiros mais pobres, o PT deixava escapar o potencial desse segmento para integrar como sujeito uma transformação política no Brasil. Naquela altura, quando a opção de Lula por Dilma ainda suscitava controvérsia, eu perguntava e dizia o seguinte:

“Mas, se estavam claras a falta de trânsito de Dilma na máquina partidária, sua condição de oferecer, no máximo, mais do mesmo e a fragilidade política de sua investidura, o que teria impedido o PT de apresentar um ou mais nomes alternativos à preferência pessoal do presidente?
O que tolheu a direção do PT é sua acomodação ao retorno político que proporciona a desigualdade brasileira, fundada na ausência de habilitação educacional formal da imensa maioria do povo. Nessas condições, toda ação coletiva institucionalizante via recrutamento dos de baixo acaba por se tornar ela própria instrumento de ascensão social. A máquina vira instrumento para contornar as agruras impostas pela desigualdade. Fazer parte dela possibilita ganhos e salários que a simples “luta brava na cidade” não ofereceria, pela razão também simples de que a “cidade” está organizada para manter embaixo os de baixo. Pela acomodação, as possibilidades de avanço social generalizado ficam tão remotas, as perspectivas de transformação assumem talhe tão quimérico, que as melhores e mais aguerridas intenções têm soçobrado no jogo miúdo dos mandatos, contratos e nomeações que se teme perder ao enfrentar o dono da caneta respectiva. Como é próprio dos que se dão prazos largos para ocupação do poder (os 20 anos de Sérgio Mota e de Zé Dirceu), o PT vai se restringindo ao papel de instrumento a serviço de uma, e apenas uma, geração.

Dessa perspectiva, quando se olha não para as nomeações, mas para as políticas públicas em si, vê-se que o PT não está retirando dos programas sociais do governo, com relevo para o Bolsa-família, as conclusões políticas mais profícuas para uma esquerda que não abandonou pensar o longo prazo para além da biografia de quem pensa: esses programas sociais deveriam ser valorizados politicamente não só, nem principalmente, pelo bem-estar que geram (e geram!), mas sobretudo por abrir a possibilidade de se passar a contar com uma nova e positiva figura de cidadão insatisfeito.”

Pois bem, esse cidadão insatisfeito num novo patamar pode ser encontrado hoje entre os mais pobres e, sobretudo, na chamada nova classe C. Eles foram beneficiados pelos governos petistas, mas nem por isso estão impedidos de sonhar e de pensar, como a acomodação do PT poderia fazer acreditar. Como irão se conduzir esses segmentos nesta eleição de 2014?

Para responder a essa pergunta, voltemos um pouquinho no tempo. Análises orientadas pelas preferências de seus defensores viram na adesão dos mais pobres a Lula o surgimento de um lulismo, o que teria caracterizado um inédito realinhamento desse eleitorado. Um exame minimamente mais cuidadoso dos dados disponíveis mostra, porém, que as vitórias de Lula em 2002 e em 2006, assim como a de Dilma em 2010, não registraram realinhamento nenhum, sendo risível a insistência no “acerto” dessa abordagem ainda hoje: em 2002, embora tenha vencido a eleição, Lula perdeu para Serra entre os mais pobres beneficiados pelas políticas sociais de FHC; em 2006, já presidente, Lula venceu Alckmin nesse mesmo segmento e em 2010 Dilma, candidata do presidente, superou Serra aí. Ou seja, não houve realinhamento nenhum, pois os mais pobres continuaram, como sempre haviam feito, a votar no candidato do governo, num misto de gratidão e segurança: uma conduta conservadora – especialmente no Nordeste, onde a presença de dispositivos autônomos de construção da opinião pública tem presença residual.

A pesquisa DataFolha publicada hoje ajuda a enxergar que o tal lulismo nunca se configurou, sendo impertinente falar de “parte cativa da base lulista”, pois se os eleitores de até 2 salários mínimos de renda são cativos de alguma força, o são da força tentacular do governo que os beneficia, no caso, o governo Dilma, como antes o foram de FHC. A parte dos pobres que agora se desloca desse comportamento, indicada pelo DataFolha como a de renda entre 2 a 5 salários mínimos, está se conduzindo como seria de esperar daqueles que se libertam dos sofrimentos mais básicos e começam a levantar a cabeça, como indiquei naquele trecho do artigo de 2008 citado acima. Como o PT se acomodou à certeza insensata de que tinha aí um curral, batizado de lulismo, amarga agora a constatação de que suas últimas esperanças residem nas áreas mais atrasadas e pobres do Brasil, tal como o fizeram os coronéis de antanho. Não é por outra razão que na mesma pesquisa DataFolha o Nordeste aparece como refúgio de Dilma, única região populosa onde ela ainda aparece à frente de Marina, que por sua vez já a alcança e supera nas regiões Sul e Sudeste, onde é forte a presença de população escolarizada.

Em suma, Marina já decolou faz dias precisamente porque foi identificada como a alternativa transformadora por parte desses segmentos que sacodem a canga da necessidade, e será um erro se os dois candidatos conservadores passarem a atacá-la, especialmente se no ataque insistirem na sua presumida experiência contra uma suposta inexperiência dela. Só um erro da própria Marina pode arrefecer seu ímpeto para superar a etapa do primeiro turno. Havendo, como ainda é de supor que haja, um segundo turno, é que um combate mais cerrado com ela poderá funcionar, o qual não poderá deixar de ser visto pelo eleitor informado como um esforço contra a mudança.

2 pensou em “PT PAGA O PREÇO PELA SUA ACOMODAÇÃO CONSERVADORA

  1. Romualdo

    O problema do Governo Dilma é justamente ser refém daquilo do que se tem de mais atrasado na política Brasileira, que são os vários coronéis a qual ela se juntou. Exemplos não faltam; Maluf, Sarney, Renan e tantos outros que é difícil acreditar que o PT tenha tido coragem de fazê-lo.
    Aquele partido das portas de fabrica nos anos 80 já não existe mais, abandonou todos os movimentos sociais, que são perseguidos e ameaçados pelos senhores da “casagrande”, a corrupção corre a solta, a divida do governo aumentou pelo menos 3 vezes mais nos últimos 12 anos e na área ambiental, foi feito o seu maior desmonte, jamais visto em sua história, tudo para agradar a bancada ruralista e as Empreiteras.
    Por estes motivos, a administração Dilma, ficou dependente e não pode mudar a forma de fazer política neste País, espero estar enganado, mas para mim, a Presidente já perdeu estas eleições.

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  2. Alessandro

    Gostaria de poder votar na Marina, mas independência do BC, substituir a cooperação sul-sul por acordos bilaterais com EUA, deixar de lado a exploração do pré-sal depois do investimento monstruoso que foi feito? Esperava ver isso no progama do PSDB, não do dela.

    Você faz falta na tv, um abraço.

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