CRISE DE LEGITIMAÇÃO E ELEIÇÃO PRESIDENCIAL – 4 DE 4

BOLSONARO VOLTA AO POSTO DE CAPITÃO, O CAPITÃO NASCIMENTO

Carlos Novaes, 03 de outubro de 2018 — 04:37h

 

Em 11 de setembro de 2010 fiz palestra em Seminário realizado para os alunos do curso de cinema da FAAP, na qual analisei o sucesso de público dos filmes Dois Filhos de Francisco e Tropa de Elite (participava da mesa comigo Mara Kotscho, roteirista de Dois Filhos, estando na platéia o roteirista do Tropa). Desenvolvi minha análise a partir do que já via como central para o sucesso de cada um dos filmes: Dois Filhos de Francisco dialoga, a contrapelo, com a figura do pai-ausente, tão comum nos extratos populares; Tropa de Elite dialoga com a ânsia por um princípio de ordem em meio à esculhambação e à balbúrdia — o sucesso dos dois filmes convergia para uma afeição autoritária, em favor do pai arbitral e rompedor de caminhos.

Os anos se passaram, vim desenvolvendo o diagnóstico da crise de legitimação do Estado de Direito Autoritário e chegamos às eleições de 2018, com os debates na TV entre os candidatos à presidência. Dos até aqui realizados, achei o mais recente, o da Record, perturbador. É que notei, entre os demais candidatos presentes, um desconforto generalizado diante da atuação do Cabo Daciolo; foi como se ninguém tivesse resposta para a verdade profunda que ele trazia à tona.

Os dias vieram passando e foi ficando cada vez mais difícil enquadrar aquela atuação do Cabo Daciolo sob o mero registro do folclore, ou melhor, constatei que ela só pode ser vista como folclórica num sentido muito profundo do que é o folclore: ela vai se revelando profética. O policial militar evangélico, com a Bíblia na mão, fez a síntese do momento histórico e anunciou os novos tempos: todos os outros candidatos ali presentes representam o status quo e estão aquém das tarefas exigidas pelos sofrimentos da maioria da sociedade.

A crise de legitimação do Estado de Direito Autoritário finalmente veio a furo, e da pior maneira: favorecendo uma variante ainda mais autoritária, precisamente porque amputada da revolta contra a desigualdade, ainda que essa nova variante autoritária esteja a crescer precisamente porque passou a receber o apoio das emoções mais autênticas de quem mais sofre a desigualdade, como mostram os números da pesquisa DataFolha mais recente, nos quais, entre outras movimentações, se vê as mulheres pobres evangélicas sendo engolfadas pela onda Bolsonaro — mais uma vez, a desigualdade vai sendo posta a serviço da própria continuação.

Não vai faltar quem veja nessa onda uma revolta antilulista e/ou antipetista, como se uma movimentação tectônica pudesse ser explicada pelos ventos que varrem a superfície do fenômeno. Uma revolta por ordem contra uma ordem em crise sempre precisa de um fio condutor. Assim como a ascensão do nazismo não se deveu ao antissemitismo; também a ascensão do capitão Nascimento não pode ser explicada pelo antipetismo. Lula entra nessa história como o Judas indispensável a essas situações.

Em 16 de setembro de 2016, escrevi neste blog o artigo Consolidação do Autoritarismono qual, entre outras coisas, perguntava se o leitor poderia conceber coisa pior do que assistir a uma ascensão de Alckmin à testa de

um retrocesso no marco legal da vida político-social (com a correspondente gestão reacionária e fraudulenta dos recursos do Estado) e com a intensificação do arbítrio policial (com o apoio da religiosidade reacionária), tudo amarrado numa nova solda eleitoral do entulho autoritário (p-MDB + PM, com o beneplácito garantidor das Forças Armadas, cada vez mais “prestigiadas”).

Estamos a ver que nada é tão ruim que não possa se fazer pior.

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