PENSANDO MELHOR…

Carlos Novaes, 18 de setembro de 2014

 

Em post anterior afirmei que “o fato de Marina ter resistido a tudo isso mostra que sua candidatura já atingiu uma solidez de preferência que só pode crescer”. Embora tivesse em mente o primeiro turno, pois vejo que os problemas não deixarão de aparecer no frente-a-frente igualitário do segundo turno, reconheço que mesmo para o primeiro turno essa minha afirmação foi uma precipitação. Embora seja difícil, Aécio pode se beneficiar já no primeiro turno do que há de reacionário no programa de governo de Marina, e não apenas porque esse reacionarismo diminuiu muito a disposição de voto nela por parte dos transformadores.

Marina propõe uma terceira via que não se empenharia em sepultar PT e PSDB, mas sim a dar sentido novo ao que enxerga de virtuoso nessas duas forças, libertando-as não só do que há de atraso nelas, mas também daqueles em que elas se apoiam para combater uma à outra. Essa é uma pretensão sofisticada, cuja fundamentação não é fácil de apresentar, pois exige que o eleitor descontente separe o joio do trigo em meio à palha esvoaçante do celeiro eleitoral e, mais, que veja qualidades em opções com as quais ele não tem exatamente boa vontade. No mínimo, uma terceira via proposta nesses termos tem de chegar ao eleitor como uma alternativa de mudança para adiante, sendo mortal para ela qualquer uma de duas leituras: uma volta ao passado (em que não há “progresso”) ; ou mais do mesmo (em que não há “mudança”).

Ao propor a autonomia legal do Banco Central, a prorrogação de mandatos para chegar a um calendário eleitoral unificado em mandatos de cinco longos anos e a continuidade de políticas sociais compensatórias como forma de combater muito incrementalmente uma desigualdade inaceitável, que pede ações politicamente mais drásticas, Marina deu elementos não apenas para que os transformadores duvidem do potencial transformador da sua terceira via como também para que seus adversários desconstruam essa mesma terceira via: Dilma pode, com razão, dizer que Marina propõe uma volta ao passado e Aécio pode, com não menos razão, dizer que Marina significa mais do mesmo. Volta ao passado porque, por exemplo, mandatos coincidentes de cinco anos remetem às invencionices do período ditatorial e são o oposto de uma “nova política”, e mais do mesmo porque o petismo difuso de Marina não pode ser convincentemente negado sem que ela rompa com o acomodatício incrementalismo conservador do PT diante da desigualdade.

Ou seja, com suas propostas reacionárias e continuístas Marina se colocou de maneira perigosamente contraproducente no centro de um fogo cruzado: enquanto se combatem mutuamente, as campanhas de PT e PSDB dão também combate a Marina, cada uma dizendo o quanto ela se parece com o outro – Aécio diz que Dilma é um presente ruim que precisa ser deixado para trás e Dilma diz que Aécio é um passado que já foi ultrapassado e não se pode permitir voltar, embrulho no qual Marina vai sendo remetida ao endereço da inconsistência e, com isso, enseja a que os eleitores que atraiu de cada um dos dois lados refluam para o tronco de origem. Num cenário assim, seu vice ruralista não ajuda muito quando declara que “ninguém governa sem o PMDB” (!) ou quando acena aos seus pares com uma revisão da bandeira do desmatamento zero, o que já é descaracterizar a própria identidade política da candidata.

A única maneira de Marina aparecer inequivocamente como um vetor virtuoso dessa porfia inglória seria apresentar um programa de governo que a pusesse adiante de ambos. Não foi o que ela fez e, assim, não dialogou como devia, e podia, com o hemisfério racional do eleitor, o que a deixa na dependência de escolhas emocionais, que não costumam prevalecer em fim de campanha. Como o lugar estrutural para uma terceira via está muito consolidado, o mais provável é que dê tempo de transpor com êxito o primeiro turno, mas no segundo…

 

7 pensou em “PENSANDO MELHOR…

  1. Soraia Kuya

    … ai, não dá pra colar a fonte (?), q é do greenpeace/notícia: “Nuclear em baixa, solar em dúvida”, de 18/set/2014.

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  2. Soraia Kuya

    Caros, Novaes, Claudia, e meu pai do céu, tamos ferrados! com esse comentário acima s/ Marina ñ ter propostas transformadoras ficando claro como o dia, achei q Novaes nos fez o ‘desafio do gelo’ sobre a Marina da ‘onda’/3ª via (meio morta, meio triste, + pra crucis, sinto) e seus ventríloquos, seca-pimenteiras, abutres sempre pairando – brrrrr..

    e sobre o debate da CNBB de 16/09, alguma luz? segundo o Greenpeace, Dilma não anda nem desanda com energia (acho q deve tá + preocupada com dinossauros: pré-sal/petrobrás), e só falou besteira pq não descartou angra 3, mesmo não vendo o ‘nuclear’ como necessário/estratégico (então por q?); Dilma ainda mostrou resistência ao solar por não crer que haja potencial no país.. (ai, meu santo pai! no q essa mulher crê? dinos?) “(…)contra toda evidência científica disponível, e do planejamento feito pela própria Empresa de Pesquisa Energética (EPE), órgão do seu próprio governo (Dilma), segundo o qual até 2050 nossa matriz contará com 118 GW de energia solar. (…) A história, pelo visto, se repete: há alguns anos o governo também não valorizava o potencial da energia eólica, que hoje já compete em custo com hidrelétricas e cresce a passos largos. (…)”

    queria ver comentário/análise desse debate da CNBB/16/09 — q por aqui sim! tenho fé.

    grata, abraços!

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  3. Carlos Novaes

    Cláudia, você não está misturando nada. Foram os políticos profissionais que misturaram tudo, ou quase tudo, e suas preocupações são as minhas e as de muitos outros. Logo depois da queda do avião Marina surgiu como uma alternativa para o eleitor mais exigente, que não estava gostando das opções existentes (nulos, brancos e indecisos) – nesse caso, ela recebeu uma adesão racional, que, depois, ganhou corpo até se estabilizar nesse patamar em torno dos 30%. Para ganhar mais eleitores seria necessário que as suas propostas ficassem claras e convergissem com a vontade de mudança dos que fazem a crítica à política dos profissionais (a turma da rua e seus simpatizantes, que são milhões) – em outras palavras, Marina tinha de oferecer propostas transformadoras. Atacada pelos adversários, frequentemente de maneira baixa, sua campanha se refugiou num apelo emocional que, ao se prolongar, a fragilizou, pois nessa fase da campanha o eleitor faz exigências racionais para o voto. Ao mesmo tempo, foi ficando claro que ela NÃO TEM propostas transformadoras: na economia, autonomia legal do Banco Central (o paraíso para o sistema financeiro); na política, prorrogação de mandatos para um calendário de eleições de cinco em cinco longos anos (o paraíso para políticos profissionais e NADA de nova política); na desigualdade, as mesmas políticas compensatórias já existentes (paraíso para quem confortavelmente encara a desigualdade como um problema de exclusão); no mundo do trabalho, perda de conquistas com uma ideia de “terceirização” (paraíso para os mesmos que já enriquecem se beneficiando da ordem que engendra a desigualdade). Para não deixar dúvidas: nunca foi contra trangênicos, não defende a revisão da lei da Anistia, recua na criminalização da homofobia, deixa que o vice ruralista fale impunemente que “não se governa sem o PMDB” e acene com o hasteamento a meio-pau da bandeira do “desmatamento zero”. De fato, é de alarmar.

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  4. CLaudia Esteves

    Na verdade estou no vácuo eleitoral…. penso que o governo da Marina pode ter uma grande guinada à direita, mesmo com todo esse discurso de “banco de reserva” de PT e PSDB. O PSDB vai apoiar a Marina no 2º turno e a partir daí novos feudos serão divididos, aí teremos o PMDB que é um parasita conhecido, além, logicamente da bancada evangèlica (não sei se toda, mas isso não importa), além de outros partidos. Esse rearranjo me assusta… domingo o Gianotti (filósofo José Arthur Gianotti – http://estadao.br.msn.com/ultimas-noticias/eleicoes/story.aspx?cp-documentid=265189563) em entrevista ao Estadão, disse que o PSDB vai se configurar assim: Alkmin mais à direita e Serra mais à esquerda, dentro do universo conservador do PSDB. Fiquei pensando como será a composição para que as coisas andem. O PSB está na chapa do Alkmin e ao mesmo tempo ela fala de banco de reserva …. Enfim, com todas essas mudanças acenadas: autonomia do Banco Central; mudanças na CLT, a questão do casamento gay…. Como juntar o “melhor” de cada um e ao mesmo tempo defender tantos temas que são problemáticos? Em que sentido podemos falar ainda de 3ª via? Que rearranjos são possíveis para que não tenhamos uma guinada à direita efetivamente nesse país? não sei se estou misturando coisas, mas confesso que estou preocupada….

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  5. Carlos NOVAES

    Você tem, em parte, razão. Mas não levo em conta essas manobras espúrias dos adversários, tal como apontar semelhanças falsas entre Marina e Collor/Jânio. Me atenho apenas aos reparos que podem ser feitos ao projeto dela tal como ele se apresenta.

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  6. Flávio Pezzi

    Outra fragilidade é que a candidata está permitindo que colem nela o rótulo de evangélica, bandeira que ela nunca empunhou, mas que personagens como Silas Malafaia vem surfando na onda Marina e dando a entender aos que votam na bancada evangélica que a onda é fruto de seus esforços, sentimento reforçado pela capa da revista Época, e que até o segundo turno vai afastar muitos eleitores que prezam por um Estado laico.

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