Carlos Novaes, 22 de fevereiro de 2025
Com acréscimo em Fica o Registro, a 03 de março de 2025
Estou surpreso com a extensão e a profundidade da desorientação que as medidas e declarações de Trump acerca da guerra da Ucrânia e da relação dos EUA com a Europa têm gerado — ao que parece, as pessoas estão confusas (é quase de dar pena da autointitulada esquerda brasileira apoiadora de Putin…) porque Trump a tudo desenha com um alinhamento quase perfeito com declarações e medidas de Putin acerca dos mesmos temas. Qual o motivo da surpresa, porém? Trump aspira ser o Putin dos EUA: poder total e incontrastável, apoiado em valores ultraconservadores, lastreados em religiosidade tacanha e traduzidos em prática política via procedimentos fascistas.
Trump está a se unir a Putin num projeto de política autoritária para impor ao planeta uma regressão conservadora e, de quebra, obter uma expansão territorial do EUA, como apontei aqui já faz algum tempo. Trump não está a se afastar da Europa, ele está a torpedear as democracias europeias, especialmente ali onde essas democracias ainda sustentam governos com orientação institucional republicana e dinâmica política democrática — daí ele assinar embaixo do discurso feito pelo seu Vice, J.D. Vance, que vociferou em Munique a favor do sucesso eleitoral dos partidos de ultradireita no velho continente.
Quer dizer, cada pais europeu que fizer a viragem para a ultradireita receberá, imediatamente, apoio de Trump e relações especialmente benéficas com os EUA (vai ser assim que os EUA irão manter a Europa longe da China). Trump estende aos governos europeus democráticos o que está a fazer contra os governadores democratas dos EUA: nos EUA, atropela o federalismo; na Europa, atropela a soberania.
Nessa linha de raciocínio, Trump acabará por ceder mais áreas de influência para Putin na Europa, a começar por Moldávia e Romênia, passando pelas três repúblicas bálticas e até mesmo a Hungria (que já está a meio caminho, com Orban prestes a virar outro Lukashenko).
Tudo isso deixará claro que a guerra contra a Ucrânia (que está para completar três anos) sempre foi uma ação de expansão territorial e anexação de população — a OTAN foi uma motivação, mas com sentido contrário ao alegado falsamente pelo autocrata russo: os russos sempre resistiram a que a Ucrânia entrasse na OTAN não por temerem as consequências ofensivas contra si desse ingresso (se fosse assim, jamais poderiam ter engolido a entrada recente da Finlândia e da Suécia!!), mas por saberem das consequências defensivas em favor da Ucrânia, pois, uma vez na OTAN, a Ucrânia jamais poderia ser invadida e acabariam os sonhos de reintegração daquelas terras e populações à Rússia (aspiração que não existe em ralação à Finlândia ou à Suécia, mas que está viva no que diz respeito a outros países europeus, como os citados mais acima).
Fica o registro:
Considero qualquer crítica às respostas que Zelensky foi encontrando no curso do desenrolar da emboscada que sofreu na Casa Branca um exercício de má-fé ou de intelectualismo tolo, afinal, ficou claro que com sua emboscada Trump pretendeu entregar a Putin, em uma entrevista, o que o ditador russo não conseguiu obter com uma guerra: a desistência de Zelensky e da Ucrânia. Para isso, ele e seu vice não hesitaram em fazer da “querida Sala Oval” uma câmara de torturas: torturaram Zelensky para fazê-lo desistir da obstinada resistência que opõe aos seus inimigos, resultado que levaria seus companheiros à morte. Um torturado, quando heroico, não pode ter comportamento diferente do adotado pelo presidente da Ucrânia.