FALCATRUAS DE BOLSONARO AJUDAM JOGO DE LULA

Carlos Novaes, 11 de agosto de 2023

É sugestivo acompanhar o alarido atual da nossa autointitulada esquerda, que em passado recente desdenhava como moralismo vulgar a justa indignação contra a corrupção grossa havida na Petrobrás sob responsabilidade de governos lulopetistas e, agora, faz esse escarcéu moralista com as falcatruas do bolsonarismo com joias, ajudando a encobrir o jogo das facções voltado a estabilizar a acomodação do Centrão no governo (ou a acomodação do governo ao Centrão).

A acomodação do Centrão ganhou rumo firme faz pouco mais de dois meses, com a bem-sucedida ação de advertência da PF contra alvos próximos a Arthur Lira em Alagoas (vista aqui, no último parágrafo), e se encerrou hoje, com Gilmar Mendes tomando a decisão monocrática (mas nada pessoal) de anular todo o inquérito que investigava aquela relação de Lira com a corrupção envolvendo dinheiro federal enviado ao seu estado. Olhada com cuidado, essa acomodação marca a fase final do longo looping das facções para retornar à situação pré-golpe contra Dilma, como já vimos até em vídeo.

Gilmar havia encaminhado a decisão do caso de Lira para o pleno do STF, mas, na última hora, apoiado na ensaiada recomendação da bolsonarista que ocupa o segundo posto da PGR, ele voltou atrás e decidiu pela anulação de todo o trabalho realizado pela PF — Gilmar deve ter feito as contas e concluído que seu protegido corria o risco de perder, pois, além do seu, só poderia contar como certos em favor de Lira os votos de Toffoli, Moraes e Zanin, que estão, por diferentes razões, mais diretamente afinados com o faccioso jogo Lula-Centrão. Mendonça e Cássio poderiam entender que para atrapalhar o jogo de Lula o melhor seria punir Lira. Barroso, Fachin, Weber e Carmen Lúcia provavelmente votariam contra a anulação das provas, e Fux é, nesse caso, uma incógnita.

Enquanto isso, e afinado com isso, Lula continua a jogar para a plateia, embora fique cada vez mais difícil, uma vez que a plateia está farta do sistema e as mágicas de Lula estão cada vez mais manjadas. Em discurso recente, ele realizou o malabarismo canhestro de se mostrar indignado com mais um assassinato de um jovem negro pela PM e, ao mesmo tempo, sob aplausos, isentar o governador do Rio e sua polícia de qualquer responsabilidade! — além de nada dizer contra os desmandos assassinos da PM da Bahia. Isso é parte do cerne populista do Estado de Direito Autoritário-EDA: se diz alinhado aos pobres e passa pano para o autoritarismo que os mantém sob terror.

Em outro discurso, dessa vez no lançamento do novo PAC, Lula foi mais longe do que jamais havia ido na defesa do status quo, no alinhamento com o sistema-EDA, no apequenamento da política, confinando-a aos acertos entre profissionais: primeiro, prescreveu à militância a mesma cordialidade hipócrita com que conduz suas negociatas políticas; segundo, mostrou-se preocupado com a reputação dos políticos corruptos (aos montes à sua volta na festa) e chamou de “denuncismo” a revelação diária das falcatruas que ocorrem Brasil afora; terceiro, mencionando Lira, declarou que “o Congresso não precisa do governo, mas o governo precisa do Congresso”, como se Lira não precisasse do dinheiro que cobra pelos votos que Lula mendiga — Lula prefere encobrir a realidade com uma fala despolitizada e desmobilizadora, repetindo mais uma vez “deixem comigo”. Isso também é parte do cerne do Estado de Direito Autoritário: defende a democracia como mero azeite politiqueiro para o jogo de facções que comanda o EDA.

No cenário internacional, o pessoal começa a dar sinais de enfado com o malabarismo retórico de Lula: em recente cimeira sul-americana em Belém do Pará, o presidente da Colômbia constrangeu Lula publicamente ao vetar a exploração de petróleo na Amazônia. Do outro lado do Atlântico, o presidente da Ucrânia desnudou o alinhamento do governo brasileiro com a Rússia, mostrando (como já vimos em Fica o Registro, há mais de dois meses) que Lula e Amorin repetem o discurso mentiroso de Putin.

Enfim, cada vez há menos estímulo para se gastar tempo com a fastidiosa e facciosa política brasileira.

4 pensou em “FALCATRUAS DE BOLSONARO AJUDAM JOGO DE LULA

  1. stela Maris Grisotti

    Caro Novaes, muito obrigada por continuar postando tuas análises sobre o cenário político brasileiro. Está cada vez mais difícil e deprimente acompanhar o noticiário através da medíocre mídia “tradicional”.
    Acabei de ler uma matéria inacreditável na Folha de São Paulo :
    https://www1.folha.uol.com.br/colunas/painel/2023/08/lula-se-queixa-de-dormencia-dos-movimentos-sociais-durante-o-seu-governo.shtml
    É muito cinismo e arrogância da turma do EAD.

    Abraços

    Stela

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    1. Carlos Novaes Autor do post

      Pois é… Você viu bem o cinismo, Stela. E o Lula não se cansa do ridículo. Agora alinhou ainda mais o Brasil aos piores do mundo no BRICS, para onde arrastou a pobre Argentina (foi o consolo que deram a ele em troca de enfiarem mais autocracias (e religiosas!) — mas para o Lula, esse negócio de massacrar mulher e assassinar opositores é “assunto interno” de cada país, cada qual com seus problemas, não é mesmo?! E tem gente que acha esse cara um estadista!! Ele cada vez mais se afasta do que ainda há de civilizado no mundo como se fosse um exercício contra a heteronomia, mas visa, entre outras coisas, permitir que o petróleo emporcalhe a foz do Amazonas.

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    2. Vinicius

      Oi, Novaes!
      Sinto falta dos seus textos. Eu te acompanho há algum tempo e não encontro uma voz lúcida na imprensa brasileira, que abraça o EDA. Como você tem visto o conflito recente entre Israel e o Hamas? Há um rearranjo das forças mundiais? A humanidade caminha em ciclos?
      Abraço

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      1. Carlos Novaes Autor do post

        Olá. Tenho estado tão ocupado com outras coisas que não tenho escrito aqui no Blog, nem feito vídeos para o canal Lavoura Política, no YouTube. Sobre o sionismo que controla a máquina estatal de Israel e o Hamas que exerce a dominação política na Faixa de Gaza tenho acompanhado e não acho que vá haver um rearranjo mundial. Talvez os palestinos voltem a pagar mais uma fatura inaceitável apenas para poderem não ter seus sofrimentos esquecidos. A única solução ali seria uma força que obrigasse Israel a para de matá-los e aceitar um Estado palestino que tivesse sob seu controle terras já anexadas ilegal e brutalmente por Israel. Ou seja, não há perspectiva realista para o fim desse absurdo, pois a solução é simples (impor a Israel não mais massacrar palestinos, devolvendo a eles o que roubou), mas não é fácil.

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