O “DE DIREITO & AUTORITÁRIO” EM ESTADO PURO

Carlos Novaes, 24 de outubro de 2022

A recepção a ações de um Estado de Direito AutoritárioEDA sempre impõe a adoção de algum cinismo: é que cada um de nós é levado a avaliar uma decisão “de Direito” pela régua do autoritarismo necessariamente embutido nela. É por isso que, para mim, por exemplo, prender o Silveira de modo arbitrário foi aceitável, mas não o foi fazê-lo com Lula. Em outras palavras: o dano autoritário contra Lula foi inaceitável porque atingiu o que me parece fundamental; enquanto o dano autoritário contra Silveira pareceu parte do jogo, sendo algo menor no âmbito do que realmente importava naquele momento. Ora, esse é um raciocínio político que não pode deixar de conter certa dose de cinismo, uma vez que é indefensável do ponto de vista de quem almeja uma vida realmente democrática, ou seja, de quem almeja um Estado de Direito Democrático.

Explicando melhor. Assim como é verdade que num Estado de Direito Democrático, Moro não poderia ter condenado Lula e, depois, ainda menos, poderia ter obtido apoio de instâncias superiores, também é verdade que (i) a ministra Carmen Lúcia tampouco poderia fazer censura prévia, (ii) Tóffoli não poderia ter aberto processos motu proprio, (iii) Moraes não poderia ter mandado prender Silveira (ainda iremos sentir contra nós esse autoritarismo do Moraes, a quem a autointitulada esquerda vem fortalecendo…). Quer dizer, sempre fui contra a condenação arbitrária de Lula, mas nenhuma dessas outras três medidas mencionadas me entristeceu… Entretanto, todas quatro têm a mesma natureza (ou o mesmo caráter) facciosa(o), isto é, são medidas típicas de um Estado de Direito Autoritário, cujo controle está sendo disputado por facções.

De modo que, os medonhos acontecimentos que estão a moldar o “caso Roberto Jefferson” ilustram o EDA de modo perfeito. Nada do que se passa em torno de Jefferson no âmbito propriamente institucional seria necessário num Estado ditatorial — o “terrorista” seria simplesmente eliminado; e nada disso teria lugar num Estado de Direito Democrático — o delinquente jamais teria chegado a reunir condições de reagir como reagiu a uma arbitrariedade que tampouco se daria. Quer dizer, esses acontecimentos mostram que não vivemos sob um Estado democrático de direito que devêssemos defender, como querem os teóricos do frentismo que reuniu a autointitulada esquerda e os “progressistas” nessa equivocada, porém necessária, candidatura de Lula.

Ao derrotar Bolsonaro, se derrotarmos, estaremos arrancando das mãos de um facínora os poderes simbólicos e materiais que o Estado de Direito Autoritário confere a quem ocupa a presidência da República. Isso significa que a almejada vitória de Lula contra Bolsonaro deveria ser recebida não como um triunfo da democracia, mas como o ponto de partida para a construção de um Estado de Direito Democrático, em cujo caminho teremos de transpor Lula, Alckmin e Cia, todos agarrados como mariscos ao Estado que, tendo recebido deles, Bolsonaro pôde manejar como manejou — é precisamente porque estamos navegando em meio à treva que não deveríamos escolher fechar os olhos…

Fica o Registro:

– A atitude de Roberto Jefferson deu vazão real e, por isso mesmo, inócua, aos blefes de Bolsonaro. BobJeff jamais entendeu o “estelionato ideológico” como prática política continuada de Bolsonaro. BobJeff acreditou que seria possível aplicar no Brasil de 2022 o “foquismo” dos anos 50/60, “teoria” que pregava a revolução por meio da criação de focos de revolta armada, os quais catalisariam o descontentamento das massas. Ele já havia tentado no 7 de Setembro passado, quando estimulou a resistência à proibição do tráfego na Esplanada dos Ministérios. Como expliquei detalhadamente neste vídeo, qualquer ação arruaceira saída da base bolsonarista não controlada por Bolsonaro (como BobJeff) seria facilmente contida e acabaria na cadeia. Um golpe nunca foi viável e, se perder, Bolsonaro terá de, mais uma vez, dar as costas aos seus radicais e ir para casa, ainda que possa haver alguma arruaça, como no caso Trump.

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