Carlos Novaes, 20 de janeiro de 2023
Liberdade é sempre a liberdade de quem pensa diferente
Rosa Luxemburgo
O princípio enunciado por Rosa Luxemburgo é o que há de mais sólido para dar início a uma discussão sobre a noção de liberdade. Para enxergar o alcance do postulado é necessário transpor a interpretação trivial dele, pela qual, sob o registro da tolerância, estar-se-ia a reconhecer o direito de expressão de quem pensa diferente, tal como o faz o liberalismo.
Essa perspectiva acanhada torna a defesa da liberdade cômoda, pois deixa a cada um o direito de defender a própria liberdade em concorrência tolerante com quem pensa de modo diferente. Mas não se trata disso. Pelo contrário: a força do enunciado da pensadora polonesa está em que ele resgata a liberdade do cárcere do direito individual e a liberta no espaço social das relações entre indivíduos.
Em sua radicalidade, o postulado de Rosa deve ser entendido como uma baliza a orientar a defesa da liberdade: um agente só está a defender a liberdade se e quando falar nela, e/ou agir por ela, exclusivamente para dizer e garantir o direito de expressão de quem pensa diferente dele — note bem: a pensadora disse sempre, não também. Em outras palavras: não se está a defender, nem, muito menos, a se exercer a liberdade, quando se está a defender, ou a exercer, o próprio direito de expressão.
Esteja atuando sob regime democrático ou desafiando regime ditatorial, isto é, esteja ou não amparado pela ordem vigente, todo agente (individual ou coletivo) que defende e expressa seus interesses, inclusive o direito à própria liberdade, está fazendo política legitimamente, mas, por mais necessária que se mostre essa sua ação, ele não está a defender a Liberdade. A defesa da liberdade requer um olhar para além dos próprios interesses e direitos de expressão e manifestação, por mais legítimos e necessários que sejam; ela requer um olhar que abarque o sentido último da vida política democrática.
Dessa perspectiva, a liberdade como princípio é fundamento silencioso da vida política democrática, não expressão da luta barulhenta entre os interessados nos benefícios dela para si. Quando o assunto é a liberdade, o silêncio só pode ser rompido para defender a liberdade de expressão de outrem. A liberdade não é senão degradada quando tornada bandeira política manejada segundo os interesses facciosos dos próprios defensores e, por isso mesmo — a valer o postulado de Rosa —, se a ninguém é dado dizer que defende a liberdade quando a reclama para si, ainda menos subsistirá como legítimo o uso da liberdade de expressão para reivindicar a supressão da ordem política democrática, garantidora do fundamento de que liberdade é sempre a liberdade de quem pensa diferente.
Com base nesse entendimento, analisemos a cena política brasileira atual.