Carlos Novaes, 03 de fevereiro de 2023
Ao analisar o desempenho de Moraes e de Lula&Cia diante da arruaça do dia 08 de janeiro salientamos o protagonismo absoluto de Moraes e a timidez do time de Lula, e atribuímos a desenvoltura do ministro ao fato de ele ter percebido há tempos que o golpe era um blefe reiterado que, por isso mesmo, abrira uma oportunidade única para quem soubesse explorar o contraste abissal entre, de um lado, a preferência da imensa maioria da sociedade pela democracia e, de outro, a reunião do jogo de cena faccioso dos milicos com as fantasias da minoria histérica da base bolsonarista golpista, a quem os milicos iludiram com manobras diversionistas na tentativa de aumentarem o próprio cacife no jogo das facções estatais.
Hoje, Moraes deu prova literal de que há tempos sabia “o quão ridículo” era o suposto golpe com que a mídia e seus ilustres colunistas passaram anos assustando o país. Mas a ladainha não cessa. Há quem insista em supor que o golpe só não deu certo no dia 8 porque foi mal organizado! Sim, tem gente que acha que os militares queriam o golpe, mas teriam sido inábeis!!
Note bem, leitor: é evidente que havia um montão de otários supondo que participava de um golpe. Mas, como já explicado, o blefe é uma forma que se impõe por sobre as intensões conscientes dos agentes em situações assim, isto é, quando o desejo de um punhado não tem a menor viabilidade diante da realidade do tecido social e institucional que repele o desejo como pura fantasia.
Agora, supor que o general Arruda, ao colocar dois blindados entre os acampados e a PM, estava tentando um golpe é o mesmo que levar a sério que o Capitólio precisou ser “defendido a tiros” no 6 de janeiro dos EUA. Lá como cá, o golpismo nunca teve chance alguma. O que o general Arruda fez foi aumentar a aposta no meio do blefe, acreditando que o facciosismo militar sairia fortalecido por ele ter feito Lula&Cia engolirem a afronta. E quase deu certo! Tanto que Lula não o exonerou por aquela insubordinação, mas pela proteção que o comandante do Exército pretendeu dar ao coronel Cid, fiel escudeiro de Bolsonaro. A surpresa de Arruda diante da exoneração se deu justamente porque ele já contabilizara a “vitória” facciosa obtida com o blefe dos blindados na noite do dia 8. Lula&Cia levaram mais de 20 dias para enjambrar a versão de que o presidente fora consultado sobre deixar as prisões no acampamento para depois do nascer do dia.
Mesmo com a tibieza do novo governo, a coisa toda não salvou os militares da derrota que já fora vista e que só não foi maior porque, assim como os outros paisanos, Lula&Cia estão sempre empenhados em fazer acertos entre as facções estatais, não em levar o país a uma transformação. Note bem, leitor: o que permitiu escancarar a derrota da facção estatal militar não foi a conduta de Lula%Cia, pelo contrário, foi o comportamento da parcela mais inconformada da “sociedade civil” bolsonarista — eles partiram para a arruaça e, sem o querer, explicitaram a impotência dos milicos golpistas.
No campo faccioso paisano a estrela da semana foi Arthur Lira, com a acachapante votação recebida na recondução à presidência da Câmara. No discurso da vitória Lira não poderia ter sido mais faccioso: afinadíssimo com o discurso de Lula em “defesa da política”, Lira atacou a Lava Jato como “criminalização da política”, como se os crimes de Moro e Dallagnol contra Lula pudessem encobrir a vastíssima corrupção na política profissional que a Lava Jato flagrou e escancarou. As declarações reiteradas de Liras e Lulas mostram como as facções estão empenhadíssimas em nos fazer crer que a Política se reduz ao facciosismo dos profissionais que nos infelicitam com suas manobras, com base nas quais acabaram com o combate à corrupção e já soltaram até o Cabral!
Também em seu discurso, Lira se mostrou um ardoroso defensor da democracia e do direito de voto (já vimos o que isso vale quando discutimos aqui Lira e o voto impresso). Fazendo dueto, Lula insiste na importância de defender a democracia ao declarar que o golpismo está vivo e, claro, já começa a falar em reeleição… Com esse ocioso antigolpismo (o suposto golpe seria a negação da política) Lula busca justificar as dobradinhas facciosas com Liras e Pachecos (como se com eles se pudesse fazer a grande política) — e isso depois de ter nomeado ministros tão questionáveis que lhes precisou assegurar que não vai deixar ninguém para trás. Estamos no vórtice do looping das facções, mas tem gente que acha que, agora, vai!