PUTIN SONHOU COM IRAQUE E ACORDOU NO VIETNÃ — LULA DELIRA!

Carlos Novaes, 10 de fevereiro de 2023

O intrépido Lula a se voluntariar para mediar a guerra europeia entre Rússia e Ucrânia é o mesmo que o despachado dono da padaria da esquina se apresentar para mediar a desavença financeira entre as Americanas e os bancos credores.

Com acréscimos no título e na seção Fica o Registro, em 11/02

Os EUA foram derrotados na guerra contra o Vietnã por muitas razões, mas o principal erro deles foi subestimar a determinação da liderança vietnamita pela independência e autodeterminação, que era milenar. Décadas depois, os EUA de Bush mentiram sobre armas de destruição em massa no Iraque na pretensão de “justificar” uma guerra contra Saddam Hussein. Nos dois casos, o morticínio promovido pelos americanos contra os povos a quem cinicamente diziam pretender defender superou largamente qualquer sofrimento que lhes pudessem ser infringidos por seus líderes (inconsistência criminosa que se repete no bloqueio a Cuba, que prejudica mais o povo cubano do que a burocracia estatal que o oprime).

A Rússia de Putin iniciou a guerra de anexação contra a Ucrânia subestimando o apego dos ucranianos, de raízes não menos milenares, à sua independência e autonomia e com o pretexto cínico de que tratava de defender grupos eslavos supostamente ameaçados pela liderança ucraniana, numa agressão cuja falta de motivo ele pretendeu encobrir com a inconsistente alegação adicional de que a entrada da limítrofe Ucrânia na OTAN ameaçaria a segurança russa — e não sem, falsamente, acusar Zelensky de planejar o emprego de uma “bomba suja” (ou seja, municiada com restolho radioativo).

Depois de quase um ano de guerra, Putin — que já matou, feriu, desabrigou e baniu mais eslavos do que o teria feito qualquer governo ucraniano — teve de engolir a expansão da OTAN pela inclusão de novos países que lhe são limítrofes (Suécia e Finlândia) e está a aprender que Zelensky não é Saddam; pelo contrário: o presidente da Ucrânia mostrou-se um líder cuja sagacidade e tenacidade conduziram o nacionalismo ucraniano a revelar-se um oponente determinado e criativo como o foram os vietnamitas quando derrotaram os EUA.

Tendo em mente o que acaba de ser dito, não há como escapar da constatação de que a Rússia de Putin deve ser tão duramente criticada por essa guerra quanto o foram os EUA no Vietnã e no Iraque. Deveria ser evidente que o fato de os EUA estarem apoiando o país agredido nada retira da legitimidade do heroico esforço defensivo da Ucrânia contra uma agressão injustificada — e tão criminosa que de muito já ultrapassou a classificação de guerra suja.

O apoio do EUA está, é claro, lastreado em cálculos pouco defensáveis. Mas o fato de não compartilhar as motivações dos americanos não deveria contaminar a percepção básica de que Putin não pode sair vitorioso de uma guerra de conquista, pelo menos enquanto os ucranianos não disserem que aceitam perdas territoriais — e, tudo indica, isso não acontecerá, pois eles têm se mostrado determinados aos maiores sacrifícios. Essa obstinação tem levado à mudança de posição em aliados que pareciam reticentes: a Alemanha resolveu ceder tanques que antes embargava; Macron, que posava de negociador, acaba de declarar que “Putin não pode vencer”, e há indícios de que a Polônia vai ceder aviões da era soviética (aos quais os ucranianos já sabem pilotar) em troca de reposição por aviões britânicos para a sua frota.

Há quem veja como contraproducentemente tardias essas providências de apoio bélico, que deveriam ter ocorrido em estágios anteriores da guerra, justamente para impedir que ela chegasse ao ponto em que chegou. Outros, pelo contrário, justificam a demora com base nos riscos de uma escalada nuclear por parte de Putin. Na verdade, nem uma coisa, nem outra. Afinal, se qualquer dessas duas interpretações fosse correta, a alta inteligência política e militar dos países aliados, os mais ricos e desenvolvidos do planeta, teria de ser acusada de ingênua a ponto de ou subestimar a guerra, ou de levar a sério os blefes nucleares de Putin. Nada disso.

Quem sabe o que faz não tem Putin na cabeça. O interlocutor para a solução dessa guerra não é Putin, é a Rússia. O apoio bélico de larga monta à Ucrânia demora e se dá com senões e ziguezagues para mostrar aos russos que o chamado Ocidente não quer sufocar, nem muito menos agredir a Rússia. Os líderes da OTAN dão tempo aos russos para enxergarem o quanto Putin fantasia e mente acerca da guerra, à qual ele vem se esforçando para tornar uma guerra patriótica de vida ou morte. Ela é de vida ou morte para ele, não para a Rússia!

Em outras palavras, se Putin tomou decisões insensatas a ponto de colocar a Rússia na situação criminosa em que se encontra, não faria sentido tomar atitudes que pudessem levar os russos a de pronto se alinharem com as falsas alegações dele. Pelo contrário: é necessário cortejar a elite russa mostrando que não há disposição feral contra a Rússia. Esse é o sentido do jogo de senões dos líderes da OTAN, e seus custos, infelizmente, são pagos pela população ucraniana — e devem ser inteiramente debitados da conta de Putin. Por isso mesmo, não tem sentido fazer do terreno de guerra ora ocupado o ponto de partida para negociações de paz que só beneficiariam Putin e seu projeto totalitário de poder na Rússia.

Infelizmente, Lula, repetindo sua predileção por outros autocratas (Nicarágua, Venezuela, Cuba) escolheu colocar o Brasil nessa posição repelente, que não só é ridícula diante do direito internacional, mas inconsistente à luz da geopolítica e do comércio mundiais. Ridícula porque não cabe chamar de “erro” a ação criminosa de Putin, como Lula a classificou quando repetiu diante de um perplexo primeiro-ministro alemão a bobagem simplista de que “quando um não quer dois não brigam”, como se a Ucrânia pudesse ser recriminada por estar a se defender com o que tem à mão da agressão não provocada de um vizinho muito mais forte. E inconsistente porque em suas pretensões de negociador Lula aparece ecoando Putin justamente contra as declarações e atitudes das lideranças das maiores nações europeias em favor da Ucrânia, nações estas com cujos mercados Lula vem se esforçando para estreitar laços e para cuja União a Ucrânia acabará por entrar.

11/02

Fica o Registro:

– Lula está a se lançar no cenário internacional com o mesmo figurino fajuto com o qual paramentou seu personagem nacional: o pacificador. Lá como aqui haverá a hora fatídica em que alguém gritará “o rei está nu!” (basta olhar para o que está a se passar na guerra de invasão territorial e genocida dos Garimpeiros contra os Yanomamis – que pacificação pode haver ali?).

– Em sua viagem aos EUA Lula defendeu seus devaneios de paz na Ucrânia às custas das terras dos ucranianos e do sangue já derramado, e fez o enunciado “é preciso parar de atirar, se não, não tem solução”. Esse enunciado só não é de todo ridículo porque um cessar-fogo temporário (tático) retardaria iminente ofensiva russa e daria mais tempo à Ucrânia para receber e treinar seu pessoal no manejo das novas armas que está a receber, especialmente os tanques provenientes dos EUA e da Alemanha. Mas a ideia de parar de atirar para negociar a paz (estratégia) é ridícula porque isso é justamente o que Putin almeja: a proposta de Lula permite que se tome como fato consumado a ocupação precária que a Rússia de Putin faz hoje de terras na Ucrânia, dando ao déspota russo meios para definir o que retém e o que não retém do território e da população alheios.

– Mesmo que negociações pudessem levar Putin a desocupar as áreas que ora ocupa além da Criméia e do Donbass, ainda assim ele teria a vitória como prêmio pelos seus crimes (que Lula chama de “erros”), pois desde sempre o que Putin pretendeu foi acrescentar à Criméia (tomada em 2014) a área do Donbass, onde desde aquela época ele fomenta guerrilha separatista. Negociar a paz, agora, implicaria dar a Putin o que ele sempre desejou. É por isso que Lavrov, expoente internacional do cinismo russo, se apressa em visitar o Brasil, onde teria uma recepção de legitimação por parte de um Lula tão inflado de pretensões quanto insciente acerca do que está em jogo hoje no mundo.

– Depois de, ao longo de meses, ter posado em vão como “negociador”, Macron anunciou há cerca de quatro dias que “Putin não pode vencer”. Hoje, via redes sociais, Macron usou os devaneios da pretensão de Lula para, como todo oportunista, retomar o figurino que parecia ter abandonado, só para poder jogar nas duas pontas da solução para a guerra.

– Mas, pavoneando-se no palco internacional engolido por personagem que já está em farrapos no cenário interno, Lula insiste em reunir em seu comitê de “pacificadores” apenas países “não envolvidos no conflito”, como se uma guerra na Europa pudesse ser discutida sem os principais países europeus e sem o mais poderoso aliado deles, os EUA. Delírio puro! E, como se não bastasse, o intrépido Lula ainda integra a China ao seu comitezinho, pretendendo que se engula a bobagem de que o país de Xi não é parte do que se armou, quando se sabe que Putin jamais teria invadido a Ucrânia se naquela reunião que teve com Xi pouco antes da invasão ele não tivesse recebido algum tipo de “tudo bem”. Nessa marcha, se e quando a China fizer a guerra a Taiwan, Lula também dirá que “quando um não quer dois não brigam”, e irá querer se pavonear de pacificador na suposta liderança de países “não envolvidos no conflito”. E chovem aplausos ufanistas a todo esse ridículo!

– Destoando desses delírios pacifistas, Marina Silva vem acertando no cenário internacional ao arregimentar forças e apoios para, mesmo que não o diga, escolher lado e fazer a guerra de defesa da Amazônia. Faz muitos anos que defendi, detalhada e extensamente, a centralidade da questão ambiental para o futuro do Brasil, num projeto que, naquela altura, Marina, na prática, abandonou, como discuti aqui e em outros posts deste blog — aquela deserção em 2009 foi determinante para a paulatina marcha de Marina para a irrelevância segundo os descaminhos do apoio dela ao golpe contra Dilma, à defesa da independência do BC e à sustentação sem crítica da Lava Jato; até que a vida, em suas muitas voltas, lhe desse essa nova chance em sua longa estrada. Que faça bom uso e tenha êxito.

– Na contramão de Marina vai o ministro da Defesa, que contemporizou com os milicos e golpistas e deu no que deu, como vimos aqui e em outros posts. No caso do combate ao garimpo ilegal na Terra Yanomami, Múcio, mais realista do que o rei, mete a colher para contemporizar mais uma vez: mesmo diante da resistência dos bandidos, diz não querer “prejudicar inocentes”, já que, segundo ele, “têm pessoas que trabalham no garimpo para se sustentar” — por essa lógica, teríamos que ser tolerantes com quem, na visão dele, “trabalha” assaltando, sequestrando e roubando em busca do próprio sustento!

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