Carlos Novaes, 17 de outubro de 2022
Na ausência de pesquisas bem feitas, não passam de querelas inúteis as discussões sobre quem, aos olhos do eleitor, terá ganho o debate de ontem entre Lula e Bolsonaro. Além dessa ausência de parâmetros confiáveis, ainda há a prática generalizada de a avaliação ser orientada não por um juízo criterioso sobre o debate, mas, pelo contrário, segundo a preferência eleitoral de cada um. Não contem comigo para esse tipo de propaganda despolitizada.
Já apresentei neste blog, e no meu canal de YouTube, Lavoura Política, razões pelas quais devemos preferir a vitória de Lula sobre este imbecil que ocupa a presidência da República. Entretanto, essa preferência não me impede de enxergar e expor as limitações da campanha que Lula vem protagonizando, a começar pela proposta inócua de “defesa da democracia”, um guarda-chuva cujo cabo é o apego ao passado que orienta o conservadorismo das alianças, das práticas e dos discursos de Lula — entendo que esse conservadorismo é contraproducente a ponto de nos ter impedido de vencer no primeiro turno, e terá tido papel central se viermos a ser derrotados.
A defesa da democracia é tão inócua, está tão descolada da realidade sofrida do eleitorado, que o próprio Lula, mesmo dispondo de tempo, e tendo Bolsonaro na sua frente, cara-a-cara no debate de ontem, não questionou o fanfarrão autoritário sobre o tema — o silêncio de Lula mostra que ele próprio, lá no fundo, não sente como séria essa história de “democracia ameaçada”. Não obstante, Lula tampouco pode orientar a luta contra Bolsonaro no caminho certo, isto é, mostrando que este imbecil é perigoso e nocivo não pelo que diz contra a “democracia”, mas pelo que fez e faz contra a maioria da sociedade valendo-se dos poderes do Estado que, infelizmente, herdou de tucanos e petistas.
Orientado para o passado, cercado por correligionários e apoiadores a repetir essa nada mobilizadora “defesa da democracia”, Lula tem sido incapaz de apresentar ao eleitor que ainda não está com ele já não digo um projeto, mas uma simples ideia que aponte para o futuro. Lula não cessa de repetir o discurso surrado em que faz elogios aos seus governos anteriores, como se ele próprio ainda não estivesse convencido do que diz. No debate de ontem, depois de um início promissor, em que obrigou Bolsonaro a encarar os crimes que cometeu na pandemia, Lula se perdeu.
A desorientação é real, pois Lula não dispõe de uma resposta cabal à roubalheira na Petrobrás. Afinal, uma coisa é ser inocente no aspecto estritamente pessoal, como ficou assentado nas decisões judiciais que lhe foram amplamente favoráveis; outra coisa é pretender inocência política, como se ele não pudesse ser responsabilizado politicamente pelas nomeações realizadas em troca de apoio congressual. Ora, a única maneira de enfrentar esse aspecto espinhoso da questão é assumir que os métodos precisam mudar e, principalmente, apresentar um projeto novo para essa empresa, que terá papel central em qualquer programa enérgico que o país for desenvolver. Só que não. Lula ficou repetindo desculpas que, esfarrapadas ou não, já estão surradas. Mesmo diante da oportunidade de discutir o papel propriamente estatal da Petrobrás, pondo seu adversário em apuros, Lula se limitou a, laconicamente, esbravejar que é contra sua privatização, sem oferecer nenhum argumento, que dirá projeto que tenha para a empresa. Foi um tremendo desrespeito com o eleitorado, especialmente com os indecisos.
Além desse erro no conteúdo propriamente temático do debate, Lula ainda cometeu erros formais que comprometeram seu desempenho: parecendo não ter compreendido as regras do certame e suas decorrências, não dirigiu questionamentos a Bolsonaro, fazendo silêncios (dando a impressão de que não havia o que dizer) e até colocando-se numa posição arrogante de quem não indaga ao rival. Pura tolice, pois o adversário não cessou de questioná-lo, poupando o próprio tempo e o obrigando a gastar o seu em altercações desconexas, sem fio que conduzisse cognitivamente o telespectador, chegando ao cúmulo de falar em “orgulho da revolução sandinista” para voltar a driblar um questionamento sobre essa figura monstruosa que é o ditador da Nicarágua, Daniel Ortega. A arrogância de Lula apareceu também no tom com que insistiu em gargantear “vou ganhar a eleição”, quando o debate é justamente uma oportunidade para o eleitor avaliar quem merece seu voto e, por meio dele, a vitória. Horrível.
Naturalmente, como já dito, não tenho elementos para avaliar o efeito dessa performance lamentável sobre a motivação do eleitor para o voto, embora suspeite que seja pequeno, seja pela audiência, seja porque Bolsonaro foi ainda pior. O problema é que o debate expôs de forma gritante, e no comportamento do próprio Lula, as limitações de que padece a campanha, reiteradas e amplificadas no modo como ele vem interagindo com o eleitorado nas oportunidades proporcionadas pelo dia-a-dia da disputa — é preocupante.
Fica o Registro:
– A campanha de Haddad, a quem também apoio, vai no mesmo rumo contraproducente, só que com resultados piores, pois ele já está atrás na disputa. Para que se tenha uma ideia da bobajada em curso, indico que assistam ao vídeo em que Haddad recusa Catchup na pizza, como se isso fosse um argumento contra o “forasteiro” Tarcísio. Além de despolitizada e horrivelmente xenófoba, essa linha de campanha, especialmente quando encarnada no próprio candidato, joga água no moinho do adversário, pois o que, em sua desorientação, a maioria do eleitorado paulista fez no primeiro turno foi justamente escolher “sangue novo” contra o que entende como candidatos do “sistema”, tanto para o Senado como para Governador — escolhas essas que indicam o caminho para que se compreenda como Bolsonaro acabou à frente de Lula em SP.