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EX-ELEITORES DE BOLSONARO SÃO PARTE DA SOLUÇÃO
Carlos Novaes, 26 de setembro de 2021
Para quem acompanha este blog, a entrevista que Bolsonaro concedeu à Veja e suas declarações públicas mais recentes nada trouxeram de novo: ele está tentando consolidar uma nova fase, centrada no objetivo de construir uma candidatura viável à reeleição (ainda que sem abandonar de todo o objetivo delirante de um dia ser um ditador, e o objetivo mais próximo, de salvar da cadeia a si e aos seus, como detalhei aqui). Para desapontamento da minoria paisana mais autoritária da sua base minoritária (minoria dentro da minoria), ele desistiu até da propaganda do “voto impresso”, e mais: para fazer esse novo recuo, o besta se apoiou no ministro Barroso, presidente do TSE, a quem acusava de ter influenciado indevidamente o Congresso…
Agora, Bolsonaro elogia Barroso pela iniciativa de ampliar a transparência do processo eleitoral, o que equivale a reconhecer a idoneidade da urna eletrônica. Somado ao telefonema para Moraes, esse elogio é o arremate da sujeição do besta ao velho normal. Se juntarmos essa sujeição à discussão que fizemos nos períodos pré e pós 7 de setembro, temos a extensão do equívoco dos que insistem em prever que Bolsonaro, “fera ferida”, “não vai parar” e logo voltará a atacar “nossas instituições democráticas” e a fazer “ameaças à democracia”. São essas fantasias que orientam o contínuo, e inútil, esforço pela construção da frente.
Felizmente, há pesquisas que nos ajudam a explorar esse cipoal aparente. Já vimos aqui alguns dos números da última pesquisa DataFolha. Neste domingo, a Folha de S.Paulo trouxe novos números.
O mais interessante nesses números é que eles permitem ilustrar de maneira nova a relação entre “preferência pela democracia”, “temor de golpe/ditadura”, “ameaças à democracia” , “confiança no que Bolsonaro diz” e “desempenho de Bolsonaro como presidente”. Embora a matéria sonegue o percentual dos que declaram ter votado em Bolsonaro no segundo turno de 2018, omitindo uma informação fundamental para a análise dos dados, ela nos mostra como essa parte do eleitorado se posiciona nas questões acima e permite comparar suas respostas com as do eleitorado em geral.
Na tabela a seguir, dispus os dados para comparação e fiz comentários aos blocos de temas. Julgue por si mesmo, leitor (para ampliar, clique na tabela e, então, clique novamente sobre a imagem dela):
Diante do contraste interessante e perfeitamente compreensível entre, de um lado, a avaliação majoritária dos eleitores de Bolsonaro de que não há chance de ele dar um golpe (68%) e, por outro lado, o desapontamento da base paisana autoritária dele com os recuos do chefe depois do dia 7, a jornalista que apresentou os números do DataFolha na matéria avaliou que
De forma contraditória, os que votaram em Bolsonaro dizem, em sua maioria, não haver chance de que ele dê um golpe de Estado —mas, ao mesmo, tempo, a base bolsonarista ficou desapontada quando ele recuou por meio de uma carta feita com a ajuda do ex-presidente Michel Temer (MDB).
Embora compreensível, esse juízo equivocado é muito ilustrativo do equívoco mais geral sobre o que se passa, afinal, não há contradição alguma: a base paisana autoritária de Bolsonaro não representa a maioria que deu a vitória a Bolsonaro no segundo turno de 2018. Pelo contrário: a maioria daquela maioria prefere a democracia e jamais endossou os delírios autoritários do besta (sabem-no um blefador), delírios estes apoiados apenas por quem incorporou o delírio ao pé da letra. A maioria dos ex-eleitores de Bolsonaro está como a maioria dos demais: espera, sem muita clareza, uma alternativa democrática antissistema, sempre que por “sistema” entendermos o Estado de Direito Autoritário, que está em crise de legitimação.
Professor Carlos Novaes, qual seu entendimento a respeito do PL 2.505/2021 que altera significativamente a Lei de Improbidade Administrativa? Além do PL ter sido relatado por um deputado do PT, o partido fechou questão em relação à mudança na lei juntamente com os partidos aliados ao governo. Dos partidos de esquerda, apenas o PSOL foi contrário, exceção feita ao frentista Marcelo Freixo, que votou sim.
Esse conluio não demonstra, mais uma vez, o quanto as facções político-partidárias estão de costas para a maioria da sociedade, como você tanto salienta em seus textos?
Por outro lado, por que as facções do Judiciário/MP, que durante a Lava Jato se comportavam como paladinos da moralidade combatendo a corrupção, não ofereceram alguma resistência a tal projeto?
Você tem razão, Alex, ao enxergar essas escolhas como exemplo de facciosismo (as facções estatais se protegendo em suas práticas contra a maioria da sociedade). Observo apenas que as facções não são “facções “dos poderes”. Elas são transversais aos poderes e estão em constante redesenho. Assim, não é que há facções específicas do Judiciário, há formações facciosas no Judiciário, que podem estar associadas num mesmo interesse faccioso com formações facciosas no Legislativo, por exemplo. Essas combinações são dinâmicas: ora Lula e Gilmar podem estar atuando na mesma direção, ora em direções contrárias, mas sempre no mesmo sentido: proteger o privilégio para o exercício faccioso dos poderes institucionais.