UM LEGO DE NATAL PARA MONTAR NO ANO NOVO

Carlos Novaes, 25 de dezembro de 2021

Incautos consideram o jogo-de-montar Lego como um desafio inteligente, havendo até quem o recomende para o desenvolvimento cognitivo e criativo da criança, quando é justo o contrário, pois quem se entretém com montagens de Lego o faz porque o jogo traz resolvido de antemão o principal desafio: encontrar conexões que permitam unir peças de massa e/ou formato diferentes. O segredo do sucesso do Lego-de-montar está não em estimular o cérebro propondo-lhe desafios, mas no conforto de premiá-lo por qualquer esforço que faça, pois aquele que seria o principal desafio de qualquer montagem vem resolvido de fábrica: toda peça já está equipada com os sempre iguais pinos e cavidades para encaixe — a conexão não varia com a forma da peça.

Sequestrada pelas facções, a política brasileira sob Estado de Direito AutoritárioEDA se tornou um Lego político: por mais intrincadas que por vezes ainda se mostrem as suas montagens, as conexões são invariantes: os pinos e cavidades do dinheiro, dos favores, dos privilégios, das arbitrariedades, enfim, o exercício faccioso dos poderes institucionais, sempre permitem o encaixe das peças, por mais diferentes que elas pareçam em forma e/ou tamanho. A diferença fundamental entre o jogo de montar e o jogo das facções está em que no Lego-de-montar as peças não se deformam depois da conexão e mantém suas diferenças; ao passo que no Lego-das-facções as conexões acabam por tornar indiscerníveis as peças que se conectaram — o que faz o nosso jogo político ainda mais impropriamente reificado do que o jogo de montar, pois sua vicária plasticidade está a serviço da mesmice.

O segredo do insucesso de Bolsonaro está em que, depois de ter pretendido (e ainda sonhar…) substituir o Lego político pela estupidez de uma inviável volta à ditadura, acabou por se render às facções para fazer um governo tão desumano e pernicioso que o tornou peça descartável do jogo. E o segredo da revitalização política de Lula está em que, depois de prematuramente descartado por facções rivais, ele acabou por se mostrar peça imprescindível ao jogo, revelando-se um mestre do Lego-das-facções, premiando o cérebro dos incautos e acomodados com o conforto de que irá promover os sempre mesmos encaixes em prol do bem comum, quando é justo o contrário: se vencer, Lula dará sobrevida ao EDA, em novo adiamento para o início da construção de um Estado de Direito Democrático.

2 pensou em “UM LEGO DE NATAL PARA MONTAR NO ANO NOVO

  1. Rodrigo

    Primeiramente gostaria de desejar um feliz ano novo Novaes! Que esse ano seja repleto de conquistas, sucessos, saúde e felicidades para todos nós!

    Uma pergunta, o senhor ainda tem esperanças de que um dia o Brasil vai dar certo? O que precisamos fazer para isso mudar?

    Confesso que eleição após eleição perco as esperanças. É muito triste tomar aquela decisão de escolher o menos pior!

    Um forte abraço!

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    1. Carlos Novaes Autor do post

      O Brasil só irá melhorar de maneira consistente se entrar numa dinâmica política orientada para a construção de um Estado de Direito Democrático, o que depende de uma força político-social majoritária voltada ao combate à desigualdade pelo enfrentamento das nossas duas urgências: a urgência social e a urgência por ordem. No plano propriamente institucional, o ponto de partida é a transformação do Congresso, de modo a impedir que ele continue a ser o que tem sido desde o fim ditadura paisano-militar: uma casamata contra a mudança. Organizados em facções, os políticos profissionais fizeram do Congresso um instrumento das suas próprias preferências, não uma instância de representação da sociedade e dos estados federados.

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