BOBO DA CORTE NÃO DÁ GOLPE. POLARIZAÇÃO É O OPOSTO DE PACIFICAÇÃO NACIONAL

Carlos Novaes, 25 de agosto de 2022

Lula só não esteve perfeito no Jornal Nacional por três razões: primeiro, não conseguiu conter a exasperação que tem marcado suas manifestações públicas — a falta de serenidade incomoda, talvez atrapalhe o diálogo com os indecisos; segundo, foi impreciso em algumas afirmações, o que vai gerar desmentidos desgastantes. Terceiro, ficou preso à ideia da volta ao que já foi, ainda que dizendo querer fazer mais – o que é implausível, não apenas porque as condições econômicas são piores, mas também porque o arco de concessões para a vitória terá sido maior do que em 2002 e 2006.

De uma maneira geral, porém, a impressão é a de que ele não apenas se saiu melhor do que Bolsonaro e Ciro, mas que, dos três, é o único que pode ter tirado vantagem eleitoral da entrevista. Evidentemente, esse resultado recebeu ajuda do despreparo de Bonner e Renata, que não conseguem extrapolar os limites que o debate eleitoral já sedimentou e, a cada candidato, repetem abordagens manjadas.

No mais, Lula mostrou a agilidade cognitiva, a valentia e a lealdade política que sempre o caracterizaram, dando respostas rápidas e até desconcertantes, enfrentando o debate sobre corrupção (ainda que a mim, politicamente, não convença) e não hesitando em defender Dilma e o MST. No caso de Dilma, ele jamais irá reconhecer seus dois erros monumentais: primeiro, tê-la preferido a Tarso Genro quando da candidatura em 2010; segundo, não ter disputado a presidência no lugar dela em 2014. Quanto ao MST, é fato que a imprensa em geral fala do movimento com base em preconceitos antigos, sem conhecer as grandes transformações ocorridas ao longo do tempo.

Mas o mais importante foi a espontaneidade com que Lula desfez os dois argumentos básicos dos frentistas que o apoiam: primeiro, ao comparar Bolsonaro a um “bobo da corte”, ele deixou ver que não avalia Bolsonaro com força para ameaçar a democracia; segundo, em lugar de defender a “pacificação nacional”, Lula salientou a importância da polarização entre divergentes como um aspecto central da política democrática — e ainda aproveitou para fazer crítica eleitoralmente proveitosa à falta de alternância em Cuba e na China.

Em suma, Lula se mostrou um democrata e, ao mesmo tempo, se distanciou do frentismo (ainda que não tenha como compatibilizar essa, digamos, intuição, com a realidade do arco heterogêneo de forças que o apoia — se vencer, essa será a grande dificuldade para a caracterização política do mandato que, por isso mesmo, estará a serviço do Estado de Direito Autoritário que nos infelicita).

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