Carlos Novaes, 18 de novembro de 2022
Em 03 de abril de 2018, o comandante do Exército publicou um tuite com o objetivo de impedir a candidatura de Lula à presidência da República; em 15 de novembro de 2022, o mesmo general, já reformado, publicou uma nota apoiando manifestações contrárias à posse de Lula na presidência da República. Na ativa, o general grunhiu autoritariamente para dentro do Estado, e obteve êxito; de pijama, o general foi democraticamente derrotado pela maioria da sociedade e choraminga dando voz à minoria inconformada. De um texto até o outro, o facciosismo estatal dos militares sofreu uma tremenda derrota para a sociedade, o que nos custou o preço de sofrer e transpor um “governo” de Bolsonaro. Não fosse a natureza facciosa da candidatura de Lula, seria o caso de vermos nessa trajetória uma nova oportunidade para avançarmos na direção de um Estado de Direito Democrático. Esmiuçemos.
Essas duas manifestações do mesmo general, “muito respeitado” na caserna, servem de balizas a escancarar que, ao contrário do que se diz na mídia convencional, no curso desses quase cinco anos os militares, embora tenham auferido vantagens, se enfraqueceram e se desgastaram diante da maioria da sociedade. Se enfraqueceram porque, ao imaginarem que poderiam tutelar Bolsonaro para aumentar o que já recebem do Estado de Direito Autoritário-EDA em que estão acomodados, acabaram por serem arrastados a explicitarem sua condição de meros agentes estatais facciosos em busca de poder para fazer dinheiro, repetindo o comportamento das facções rivais, que hipocritamente diziam repelir, como ficou demonstrado na convivência interesseira com o Centrão. E se desgastaram porque, inábeis, não souberam obter a melhoria da sua já confortável situação no EDA sem ter de entregar a contraproducente contrapartida de se enredarem nos blefes golpistas do chefe, a ponto de se emaranharem em infundados questionamentos às urnas eletrônicas, e se desmoralizarem.
Ao ficarem na contramão das duas maiorias fundamentais da sociedade brasileira, os militares chegam ao fim do governo Bolsonaro podendo ser caracterizados como expressão cabal do repelente facciosismo que caracteriza o Estado de Direito Autoritário em crise de legitimação: tanto a maioria do sentimento antissistema, quanto a maioria da preferência pela democracia chega ao limiar de 2023 podendo enxergar nos militares o que eles de fato são: um adversário na luta por um Estado de Direito Democrático.
Os facciosos líderes do Centrão se saíram muito melhor do que os militares, afinal, experientes na luta aberta entre facções, sabem não ter como evitar a corrupção e o fisiologismo que nutrem o sistema, mas — tirando proveito do jogo atrapalhado dos militares (cujo esperneio não temem) — não titubearam na hora de defender as urnas eletrônicas, cuja idoneidade é a garantia do próprio jogo faccioso, como vimos detalhadamente aqui.
Embora não queiram um golpe, nem, muito menos, fazer de Bolsonaro um ditador, como explicado neste vídeo aqui, os militares estão flertando irresponsavelmente com as manifestações contra a posse de Lula porque esse é o único apoio social que lhes restou depois das trapalhadas que fizeram no curso desse período entre as duas manifestações do general Villas-Boas (cujas mangas já estavam de fora muito antes, como discuti aqui) — agora, trata-se de um blefe dentro do blefe: blefe porque não almejam um golpe, até porque estão muito bem no EDA; blefe adicional porque ainda que o quisessem, agora estão mais fracos do que na época em que puderam impedir a candidatura de Lula. Mas precisam parecer hostis para, posando de “último recurso”, arrancarem de Lula concessões que impeçam a transformação da derrota sofrida em perdas materiais, perdas que dariam realce ao sentido negativo dos reveses simbólicos havidos.
Se não estivesse cego pela inócua tarefa regressiva de “defender a democracia”, Lula poderia fazer da chancela democrática da maioria da sociedade o ponto de partida para iniciar a construção de uma nova maioria, recobrindo a desmoralização dos militares com uma derrota real deles, isto é, uma derrota que trouxesse ganhos para a almejada consolidação da democracia: nomear uma mulher do mundo civil para chefiar o Ministério da Defesa, com todas as decorrências que uma escolha assim implicaria. Para tornar a situação especialmente difícil ao esperneio das facções militares contrariadas, o recomendável seria escolher uma mulher conservadora afeita às práticas de mando, especialmente na lida com homens que só o aceitam quando submetidos a padrões hierárquicos arcaicos, como é o caso na vida militar e… no agronegócio. Num cenário assim, o nome da fazendeira tradicionalista Simone Tebet emerge como ideal.