Carlos Novaes, 26 de maio de 2017
Nas atuais circunstâncias, o establishment deu duas incumbências à presidência da República, seja quem for o presidente: primeiro, fazer as reformas que garantam o funcionamento do Estado de modo que atenda, como sempre, aos interesses do Mercado; segundo, que ponha toda a força do cargo na defesa do sistema político que a Lava Jato feriu de morte, mas que os políticos profissionais insistem em manter de pé. Como o tempo é de desordem e, por isso mesmo, abriram-se fendas entre o Mercado e os seus políticos, as duas incumbências acima geram certo conflito entre o Mercado e os políticos profissionais. Não tendo vocação suicida, o Mercado, sempre oportunista, não morre de amores por um sistema político moribundo, e até preferiria seguir sem ele se, ainda assim, pudesse fazer as reformas que lhe interessam. Já o sistema político tenta sobreviver mostrando-se o único que pode conduzir as tais reformas. Ao ser apanhado em malfeitos, Temer, do p-MDB, é o presidente que encarna essa situação em estado puro, daí sua saída ou permanência (como se fosse possível) estar mesmerizando o país.
Temer faz a crise conhecer novo estágio, pois seu destino abre dissenções entre os próprios players do Mercado: enquanto a Globo parece ter se convencido de que o sistema político liderado pelo p-MDB não tem salvação, e aposte suas fichas na escolha de um novo presidente para liderar a aprovação das reformas; outros pesos-pesados do Mercado ainda buscam saídas para Temer – não deve jogar peso pequeno aqui o fato de que a Globo não deve ter falcatruas em dinheiro no seu indiscutível papel de quem ajudou a sustentar o sistema político (ela o fez oferecendo tela e microfone, não dinheiro); diferentemente dos demais grandes empresários, que tiveram que comparecer com a sua parte em dinheiro… Ou seja, a Globo teme menos do que outros players as delações dos políticos profissionais que veem seu mundo ruir. (Deve vir daí o sucesso de Silvio Santos como o apresentador-empresário: ao distribuir arbitrariamente microfone e dinheiro no palco dos domingos, encarnou, no entretenimento, as duas faces da forma da dominação autoritária de rotina no Brasil — talvez venha daí uma futura aposta da Globo no Huck, um populista eletrônico que já trará, porém, a marca de sua origem autoritária).
Seja como for, essas dissenções vieram à luz através dessa novíssima polarização que opõe a Globo à Folha de S.Paulo em torno de Temer e da atuação da PGR. Enquanto a Globo, fazendo-se de “escrava da verdade”, deu tela e microfone à ação da PGR contra o sistema político (isto é, contra Temer, do p-MDB), a Folha, fazendo-se de “fiel ao Brasil” (qual deles?), tirou do armário a batina surrada dos “interesses nacionais” e está a pregar contra a facção da Lava Jato que atua para por fim ao sistema político do qual a Globo parece ter desistido.
Enquanto a Globo atua pragmaticamente em prol de seus próprios interesses num momento em que o futuro está a ficar incerto em razão da imprevisibilidade que a luta de facções adquiriu; a Folha disfarça seus interesses fazendo sermões normativos que só podem enfraquecer a única facção do Estado de Direito Autoritário cujo poder de fazer estragos vem trazendo benefícios à maioria da sociedade. A Globo busca ocupar a vanguarda do Mercado em um novo ciclo da política brasileira, a Folha arrisca sua merecida credibilidade ao alinhar-se com aqueles que querem prolongar a vida de um ciclo moribundo.
A Globo entendeu que a ordem real ruiu pela ação dos atores nela implicados; a Folha acredita que invocar uma ordem conceitual imaginária irá submeter os atores que a subverteram. Sejam quais forem os desdobramentos de curto e médio prazo, nem é preciso ser muito esperto para saber que a Globo vai sair disso em posição melhor do que a Folha, nem se pode deixar de lamentar que em tempos de polarização fajuta a primeira polarização do alvorecer de um novo ciclo seja justamente essa!
Na verdade o partido colorado governou durante 6 decadas, so lugo o derrotou e este foi derrotado com a ajuda do partido liberal que era vice.
Novaes podemos fazer uma relaçao com o caso paraguaio em que uma direita liberal se alternava no poder com uma direita conservadora? Pensando tbm no impeachment de lugo, que alias tinha um liberal como vice