Um debate esclarecedor

Carlos Novaes, 01 de setembro de 2014

Ao se ocuparem de temas relevantes e não fugirem do embate, os candidatos a presidente da República fizeram um debate esclarecedor no SBT, que permitiu ver suas qualidades e debilidades e cuja dinâmica de confrontos refletiu o clima das ruas e os resultados das pesquisas mais recentes: Marina e Dilma como protagonistas, vindo depois os demais. Ruim para Aécio, que afetando serenidade na hora errada (a situação mudou) ficou no lugar de quem já não conta na disputa e não apresentou uma estratégia adequada de atuação: esgrimiu com Dilma de modo convencional, sendo eficazmente desmentido por ela no que se refere aos investimentos federais em MG; e tentou desqualificar Marina com o surrado e desacreditado discurso conservador da experiência e da segurança, que foi dissolvido pela postura direta e clara da candidata do PSB.

A pressão decorrente do êxito parece ter feito bem a Marina, que se saiu muito melhor hoje do que no debate anterior: deixou mais claras suas propostas, se mostrou ágil e combativa, indo sempre ao ponto — falou para o eleitor/telespectador e foi quem se saiu melhor no debate. Ao assumir a ideia de regulamentar em lei a chamada autonomia do Banco Central, do modo como o fez, enfatizando que trata-se mesmo de retirar do presidente da República o poder para interferir na política monetária sob a gerência da instituição, Marina explicitou um viés conservador de sua candidatura, ofereceu garantia cabal aos interesses dos agentes financeiros e deu a senha programática para que os tucanos e o DEM adiram à sua campanha. Uma lástima. Esse passo na direção conservadora não chegou a ser compensado por nenhuma ideia ou proposta arrojada de transformação, pois mesmo Dilma tendo aberto a discussão da origem dos recursos para os gastos sociais prometidos por Marina, ela nada disse sobre desigualdade, distribuição de renda, justiça tributária (já não digo progressividade…), combate à sonegação e cobrança aos grandes devedores de tributos – nada. Ao enfrentar a questão da geração de energia saiu-se melhor do que Dilma porque a presidenta está nas cordas nesse tema, seja pela visão tacanha de seu governo, seja pela situação da Petrobrás, seja pelo pouco que fez no cargo numa área em que seus áulicos supunham que ela brilharia – mas Marina não foi além do feijão-com-arroz genérico, embora tenha feito um esclarecimento correto sobre a exploração do pré-sal.

Dilma parecia perdida, irritada, nervosa. Mais olhou para papéis do que para a câmera, e chegou a confessar “nervosismo” com o debate. A presidenta deu sinais claros de que a grande pressão a que está submetida impôs seus efeitos: apresentou raciocínios desconexos, disse frases um tanto a esmo, gesticulou de modo inconformado e fez muita cara feia, tudo acompanhado de números que, a essa altura, só os mais motivados por ela ainda querem ouvir – foi incapaz de apresentar um rumo novo, impedida que se vê de criticar a si mesma, limitação que Marina voltou a explorar de modo oportuno.

Eduardo Jorge, com o senso de justiça que o caracteriza, se saiu bem, mas errou ao repisar a ênfase nos temas que o haviam distinguido do debate anterior – não levou em conta que aquela chancela recebida requeria não insistir na centralidade do problema das drogas e do aborto, mas mostrar-se capaz de tratar dos outros temas da campanha. A despeito de ter ficado devendo uma maior abertura temática, porém, o candidato do PV saiu-se muito bem quando explicitou uma proposta de enfrentamento dos grandes interesses financeiros, retomando o tema antigo, mas sempre relevante, de que os encargos que todos assumimos quando o governo se empenha na proteção aos interesses dos banqueiros geram obstáculos ao desenvolvimento, o que inclui entre os prejudicados a indústria e o comércio.

Luciana Genro, considerando que ela não tem em mente se eleger presidente, se saiu muito bem, foi a melhor depois de Marina. Com clareza e objetividade combativa ela fez críticas pertinentes ao status quo, apontou de maneira parcialmente acertada as limitações de Marina, combateu o neo-conservadorismo de Dilma e o reacionarismo de Aécio e, se não chegou a apresentar propostas, ofereceu bandeiras de luta afinadas com o entendimento simplório que tem dos desafios do nosso tempo, pautando-se pelo combate ao “sistema” e, claro, segundo o que entende por luta de classes.

O Pastor Everaldo revelou-se um despreparado candidato monotemático, pregando a convertidos de maneira repetitiva, que sugere decoreba de opiniões que deveria dominar, dada a predileção que tem por elas. Sem sequer variar frases ou vocabulário, voltou a insistir em sua visão bíblica dos problemas contemporâneos, sendo que dessa vez juntou a família com a segurança para nos falar de “maridos a quem os bandidos não deixam sair de casa para trabalhar”, esquecido, coitado, que mais de 50% da população economicamente ativa do Brasil, a PEA, é composta por mulheres.

Levi Fidelix, injustiçado por um jornalista inconsequente, protagonizou um momento de dignidade, até por ter explicitado sua indignação de modo desabrido, que atrapalhou seu desempenho, mas deu estatura ao papel que vem procurando desempenhar na eleição. A pergunta foi uma ofensa porque não houve NADA até aqui que sugira que a candidatura de Fidelix esteja a serviço de alguém senão dele mesmo, de sua vontade de se fazer ouvir. Se a contribuição dele é pequena, e é, não é decente nem sugere coragem tratá-lo como se ele não merecesse o respeito que toda pessoa merece.

 

 

 

3 pensou em “Um debate esclarecedor

  1. Soraia Kuya

    Ops, cometi uma desinformação aqui em cima: numa pesquisa rápida na internet, vi q Marina ficou por 23 anos no PT (e não 30 como disse – embora esses 23 ainda me pareçam uma boda de diamante! rs). e Eduardo Jorge ficou 20 a. no PT; mesmo assim ele parece menos atrelado q ela, então pode ter degenerado, espero!

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  2. Soraia Kuya

    eita, q tá cada vez mais ‘se ficar o bicho pega, se correr o bicho come’.. então a melhor candidata, neste debate, e ao q parece com mais chances de levar, Marina, já ‘deu pra trás’ com o bco central? (me desculpem a expressão, da qual nem sei a origem, mas se for grosseira tbm – quem se importa com isso em tempos tão sujos?)
    minha opção cada vez mais convicta conforme fui me informando aqui, e no q acredito é Eduardo Jorge, embora meu cunhado me ‘tire’ assim: ‘ah, ele ñ tem a mínima chance..’; pois Marina pra mim está cada vez mais se saindo como o partido do qual fez parte por 30 anos, ‘neoconservadora’.
    e ‘quem sai aos seus ñ degenera’.. ou seria, não se recupera, nesse caso?

    grata por esse blog, pelas análises do Novaes sempre claras como o dia; embora minhas interpretações possam ser simplórias e até obscurantistas.

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  3. Rodrigo

    Eu era eleitor de Aécio Neves até que Marina Silva despontou como uma real possibilidade de mudança. Eu não sou de esquerda, mas me sinto à vontade para sufragar o nome da senadora na eleição que se avizinha. Até porque Marina também tem seu lado conservador, com o qual eu também me sinto à vontade. Por que não apostar nela? Ganhou meu voto.

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