Carlos Novaes, 25 de outubro de 2014
Tão certo como no fim haverá um vencedor, toda eleição também tem uma espécie de estrada real para a vitória. Mas é cada vez mais raro que o vencedor seja aquele que percorreu essa estrada. Vitórias eleitorais são cada vez mais resultado de uma marcha pelas trilhas manjadas do gosto médio. Só que esse gosto médio não está no eleitor de antemão, como se fosse ele o medíocre por definição. Não. O eleitor é empurrado ao gosto médio pelas campanhas, que não vão além daquele cardápio básico que não ultrapassa os limites do que os políticos, cada vez mais avessos ao risco, julgam rentável. Dilma e Aécio não ficaram parecidos no final; eles são iguais desde sempre. Supostas “análises” enfatizam uma presumida tendência do eleitor ao centro para explicar a mesmice que, não obstante, querem acreditar que não existe, razão esquizofrênica ignorante do fato simples de que não há exercício de gosto alternativo possível àquele a quem se ofereceu apenas sal e açúcar: a única opção é fazer o soro da sobrevivência, com as variações se restringindo à dosagem de um e outro dos dois limitados ingredientes.
Mesmo sendo o último evento da campanha, o debate de ontem na Globo permitiu que se enxergasse essa assimetria entre demanda da sociedade e oferta dos políticos. Tomemos como exemplo a pergunta da economista, que entende estar desempregada em razão de uma barreira imposta pelo mercado às pessoas maduras. Dilma e Aécio pareceram não ter ouvido a pergunta, pois ambos usaram a angústia da economista desempregada para falar ou de cursos do SENAI (a eleitora tem curso superior!), ou da necessidade de o país crescer (como se a economista não soubesse). Em suma, ela pedia um projeto que enfrentasse a questão de uma alternativa para os mais velhos trabalharem, se dizendo já preparada para isso e, por isso mesmo, apontando uma incongruência no mercado de trabalho, que, ao mesmo tempo, reclama de falta de mão-de-obra qualificada e dispensa mão-de-obra qualificada. Naturalmente, os cursinhos de marketing intensivos das campanhas não permitem ter resposta para uma “novidade” dessas e, então, o que se viu foi candidata e candidato exibindo a reunião de falta de sensibilidade com limitação de repertório.
A estrada real para a vitória nessa eleição provavelmente esteve desenhada pela aspiração popular por uma transformação, mas faltou quem a propusesse. Prisioneiros do cabo de guerra do pacto incrementalista conservador instituído pelo Real, Dilma e Aécio não tinham sequer como elevar os olhos da corda a que se agarram para, então, buscar outros caminhos: ambos pregaram a mudança, mas um prometendo fazer exatamente o que o outro afiançava que faria.
Já Marina fez como o caminhante noturno de Schopenhauer: tomando por um rio caudaloso a estrada clara que divisou à sua frente, evitou-a escrupulosamente, contente por vez ou outra no curso da noite divisá-la ao longe, assegurando-se de que ia segura, enquanto ao evitá-la não fazia mais do que distanciar-se do próprio passado, regozijando-se por seguir o caminho lamacento em que lentamente escorregou para a irrelevância. Foi uma grande perda, com um legado danosamente compatível, que é essa nefasta reforma contra a mudança, pela qual a burocracia da representação profissional se assenhoreia ainda mais do mando político: prorrogação de mandatos para alcançar uma coincidência de calendário eleitoral com eleições somente a cada cindo longos anos — difícil imaginar algo mais perverso como resultado de junho de 2013. Colocar-se contra essa proposta vai acabar dando ao PT alguma bandeira para empunhar.
Vença quem vencer, nenhum de nós poderá dizer que não foi bem informado sobre a presidente ou o presidente que teremos: arrastará atrás de si esquemas de corrupção pesada, continuará o Bolsa Família, o Minha Casa Minha Vida e a recuperação “responsável” do valor do salário mínimo, contrapartidas da não menos continuísta política de assegurar aos rentistas a intocabilidade dos seus patrimônios e do modelo que assegura a sua multiplicação, e sem nada alterar no projeto crescimentista que estimula o endividamento familiar para o consumo de bens fabricados como se os recursos do planeta não fossem finitos, e celebra um agronegócio baseado na depredação ambiental pelo desmatamento e no uso intensivo de pesticidas e agrotóxicos. Ou seja, a desigualdade e o caráter insustentável do esquemão vão seguir firmes, tendo como pano de fundo a ideia de que o sucesso, individual (por certo), depende fundamentalmente ou da bem-aventurança do berço ou do exercício obstinado da falta de escrúpulos — quando não de ambos. Prisioneiras dessa carapaça de interesses, as energias da nossa gente continuarão a ser gastas na mera reprodução de uma vida sofrida ou sofrível em nossas cidades tristes, condenada a inventar alguma alegria no simples fato de deixar para trás mais uma eleição em que as propagandas eleitorais permitiram ver parte do muito que poderia ser feito não fosse o que é desviado para satisfazer aos interesses imediatos e estratégicos de quem pagou a produção das belas imagens.
Igualmente comprometidos. E as torcidas de PT e PSDB acreditando na superioridade de seus respectivos candidatos. Que isso mude um dia.
Obrigada Novaes por suas palavras que expressam algo para além da dualidade entre Dilma e Aécio. Faz muita falta políticos que realmente representem as pessoas de uma nação e que efetivamente se dediquem ao que é público.