Carlos Novaes, 20 de março de 2016 — 20:17
[com acréscimo em 21/03 – 12:17]
Tentando seguir o andamento vertiginoso da conjuntura política do país, e perseverando no esforço de dar conexão seriada aos seis artigos mais recentes deste blog (cuja leitura julgo indispensável para um bom entendimento das linhas a seguir), tento aqui isolar e discutir o que me parece ser o centro de gravidade da hora presente da política brasileira: a decisão a ser tomada pelo plenário do Supremo Tribunal Federal-STF acerca da investidura de Lula como ministro da Casa Civil da presidência da República.
O STF terá de decidir sobre essa questão porque o ministro Gilmar Mendes — muito bem caracterizado como figura suspeita e parcial em artigo de hoje na Folha de S. Paulo — acolheu, dessa vez acertadamente (ainda que tenha se excedido na sua exposição de motivos – para não fazê-lo teria de não ser quem é), representação contra a nomeação dirigida à corte por partidos de oposição à presidente Dilma. Digo que a decisão do suspeito Mendes foi acertada porque depois da divulgação da conversa de Dilma com Lula não há, mesmo, condições de o ex-presidente ser empossado nas novas funções sem que o STF decida sobre a constitucionalidade do ato da presidente (mesmo que se possa questionar a divulgação da conversa — e, deixo claro: eu não questiono a divulgação desta conversa, pois entendo que ela foi necessária ao correto ajuizamento pelo público do que se passa no país), pois este ato diz respeito ao que é central ao desafio que está posto para o povo brasileiro e às suas instituições: a legitimidade constitucional do curso do governo em meio a investigações de corrupção que o comprometem e nas quais o nomeado é figura central. Nesse âmbito,a palavra do STF é fundamental, como bem caracterizou Oscar Vilhena Vieira em artigo também na Folha de hoje.
O desafio para o STF não é pequeno, e não o é precisamente porque a decisão não pode ser “apenas” legal, ou, dizendo de outro modo, porque não há decisão baseada exclusivamente na letra da lei. Não. Cada juiz do Supremo vai decidir sobre a posse de Lula segundo a combinação muito pessoal de quatro variáveis: a lei, a jurisprudência, seu douto entendimento pessoal e sua avaliação sobre as consequências político-institucionais dessa decisão para o país. No caso desta última variável, os juízes terão de levar em conta o que é melhor para a consolidação da democracia no Brasil, consolidação esta que os fatos agora vividos nos mostram estar ainda longe de ter sido alcançada.
Não sendo jurista, vou concentrar minha atenção na discussão desta quarta variável.
Nossa democracia ainda não se consolidou porque o jogo institucional em que essa almejada consolidação se assentaria se dá segundo um vício fundamental: ele está marcado por uma desigualdade social e econômica cuja manutenção requer uma assimetria muito acentuada no âmbito da representação eleitoral e do tratamento dos interesses dos cidadãos no plano institucional. Como a distância entre os poucos muito ricos e o restante da população é muito expressiva, os primeiros criaram para si canais de mando e de garantia de interesses que fazem da democracia antes um ritual eleitoral do que um modo de organização real do estado de direito. Por isso mesmo, não faz sentido defender que a solução da crise que hoje vivemos requer que o conflito saia das ruas para as instituições. Esse só seria o caso justamente se a democracia estivesse consolidada e a crise se desse em razão de ataques bandidos externos a instituições hígidas. Mas sabemos que nossas democracia não está consolidada exatamente porque somos capazes de enxergar que suas instituições são manipuladas ao sabor de grupos de interesse poderosos, atuando na articulação institucional das esferas do voto e do mercado. Ou seja, fortalecer nossas instituições tal como estão é remar contra a consolidação da democracia. Precisamos pressionar, também nas ruas (por que não?) pela transformação de nossas instituições e, assim, consolidarmos a democracia.
Vejamos a coisa por outro ângulo: a crise política que vivemos não é crise porque os políticos não se entendem e levaram o Judiciário a agir. Não. Essa é a definição da falsa “crise”. A crise verdadeira se dá porque eles não nos representam, e é por isso que estamos indignados. Nós não queremos que os políticos se entendam sobre como nos controlar — nós queremos representantes que nos representem. Mais uma vez, portanto, não se trata de consolidar as instituições no modo como elas estão sob a prática deles, mas de forjar práticas novas. Por isso, não podemos ter esperanças de que o Congresso vá nos oferecer uma saída verdadeira para a crise política. Eles vão, no máximo, arranjar uma saída para si mesmos e nos fazer engoli-la como uma saída para o país; e pior: soltando fogos midiáticos porque estaríamos consolidando a nossa democracia quando mais uma vez a estaremos moldando aos caprichos deles.
Para impedir esse desfecho precisamos romper a unilateralidade da Lava Jato, fazê-la desembuchar toda a lama que represa, pois o lulopetismo é apenas um vertedouro de controle, por mais caudaloso que se tenha mostrado. A era PT não inventou a corrupção, assim como não foi o PT que inventou a desigualdade e a representação fajuta. Tudo isso vem de longe e o PT apenas preferiu aderir a esse estado de coisas, ao invés da trabalheira de combate-lo.
Juntemos, agora, as quatro pontas: a decisão do STF sobre a posse de Lula, a crise política, a unilateralidade da Lava Jato e a consolidação da democracia.
Como já disse aqui, a posse de Lula no ministério é uma manobra institucional na tentativa de se safarem da “crise” e da crise, mas impedi-lo de assumir será uma violência institucional contra a consolidação da democracia. Se tomar essa decisão o STF estará decidindo a “crise” dos políticos, não a crise política, e pior: terá decidido em favor de um dos lados que hoje disputam o privilégio de exercer contra nós o mando governamental nessa democracia não-consolidada. Será o triunfo total do unilateralismo da Lava Jato, pois não dar posse a Lula indicará a decisão de derrubar Dilma, sendo apenas uma questão de tempo a separação dos dois eventos. Nesse caso, a Lava Jato será imediatamente sufocada, queira Moro ou não, e, assim, terá ficado no meio do caminho, teremos, mais uma vez, feito apenas metade do serviço, tal como no impeachment de Collor, que deu sobrevida até aqui a este sistema político, que naquela altura já estava podre.
A Lava jato prestou um grande serviço ao desbaratar a quadrilha incrustada no lulopetismo, mas se ficar nisso ela nada terá significado para a consolidação da democracia, pois sua unilateralidade receberá a chancela triunfal de forças tão ruins ou piores do que o lulopetismo, que agora já não terão sequer que se dar ao trabalho de lidar com um adversário eleitoral que usa os mesmos métodos. Com a posse de Lula em meio à controvérsia que ela própria suscitou o jogo permanece indecidido por mais algum tempo, tempo que teremos de empregar na busca de um caminho para resolver a crise em nosso favor, esclarecendo, organizando e pressionando na direção da ordem institucional que queremos para uma democracia consolidada.
Bem sei, como disse aqui, que Lula também vai operar para sufocar a Lava Jato. Mas a operação dele é, agora, mais difícil de dar certo, enquanto os seus adversários de mando, mas não de métodos, o farão mais rapidamente, em meio ao júbilo contraproducente que a derrubada unilateral do lulopetismo provocará. Em outras palavras, a posse de Lula, exatamente por se dar em meio a tantas e tão justificadas controvérsias, nos dá tempo de luta pela democracia que queremos consolidar. Sem Lula no ministério o outro lado passará a patrol sobre todos nós; com Lula servindo ao inepto governo Dilma a sociedade tem uma chance de tensionar a Lava Jato e passar a patrol sobre todos eles, sobre Lula inclusive. Enfim, não é hora de comemorar, nem chorar nada. Não é hora de dar as costas aos problemas. Nossas tarefas apenas começam: temos de nos livrar dos corruptos da Petrobrás e do Metrô, das urnas e de Furnas, de portos e de aeroportos. É na rua que vamos transformar nossas instituições e consolidar nossa democracia.
21/03 – Fica o Registro:
1- As censuras à condução dada por Moro ao caso das gravações com as conversas privadas de Lula feitas pelo ministro Teori Zavascki, a quem cabe conduzir no Supremo os casos da Lava Jato em que os acusados tem foro privilegiado, são um elemento para a formação da opinião interna acerca da constitucionalidade da posse de Lula como ministro da Casa Civil.
2- Como eu já disse aqui, se Lula virar ministro, mais do que o fôro privilegiado passa a ter o lugar de interlocutor privilegiado das tratativas entre os três poderes em busca de uma saída para o sistema político podre. Se a posse de Lula for negada pelo STF, Lula fica obrigado a atuar na rua para se salvar de Moro, alimentando a irracionalidade através da polarização falsa. Em outras palavras: Lula solto na rua é peça fora do bloco de poder; Lula ministro é uma via de solda para o bloco de poder. Ou seja, a decisão do Supremo acerca da posse de Lula é uma decisão entre duas alternativas: se der posse a Lula, o STF avoca para si a Lava Jato, trazendo Lula para a órbita institucional; se negar a posse a Lula, o STF estará decidindo deixar Lula na rua, e na chuva.
Companheiro, nem democracia e nem outro tipo de governo de vocês prestam. E só maldade. Deixem os índios, os animais, os pássaros, os peixes, as florestas, etc , viverem como a natureza ensinou. Saiam da frente com estas instituições assassinas de vocês e deixem a gente viver em paz.
Novaes, o que você pensa da delação da Odebrecht, se realmente for confirmada, é um sinal da quebra da unilateralidade da Lava Jato?
Novaes,recomendo um artigo do Azenha no viomundo.
Nao, nao é chapa branca petista.Parece até escrito por você. Interessante.
Intitulado
Moro acredita que salvadores da patria devem fazer reforma politica; na falta de provas, condenaçao ao ostracismo publico.Vale a pena
Certo. O que não pode é as ruas servirem apenas para expressar descontentamento com o governo, ou servirem para a defesa de um governo indefensável.
Noves, deixar o STF decidir os rumos de nossa democracia? A instituição mais anti-democrática que temos é justamente o judiciário, e esta mesma instituição apoiou a ditadura militar. Seu texto me deixou mais preocupada ainda.
Ariane, leia novamente… pois não sei de onde você tirou que defendo “deixar” ao Supremo “decidir os rumos da nossa democracia”. Os rumos da “crise” e da CRISE serão, em parte, e inescapavelmente, decididos pelo STF, quer você queira, quer não. É a ele que cabe arbitrar a matéria constitucional em questão.
Eu defendo que a RUA pressione na direção de mais democracia, isto é, pressione na direção de práticas institucionais menos desfavoráveis à luta contra a desigualdade.
Não vejo como escolher “a instituição mais anti-democrática que temos”, afinal, nosso Congresso atual foi moldado no bipartidarismo da ditadura paisano–militar e nele tem papel central o p-MDB, partido criado pela ditadura (leia minha série de artigos DESIGUALDADE, MUDANCISMO E VOTO). Não fique preocupada: pense e lute.
Ops, escrevi Noves ao invés de Novaes, desculpe.
Obrigada por responder.
Fico sempre pensando que o judiciário é um poder sem voto popular, mais por isso.
Eu entendi que você defendeu a rua como saída, concordo plenamente.
Para mim não ficou claro pq o Lula não seria capaz de fazer o “remendo” no velho sistema político caso assumisse. Alguns dias atrás você escreveu sobre ele ser o primeiro ministro dos sonhos dos Tucanos. O que mudou de lá para cá?
Abraço.
Eu não disse que ele não seria capaz, mas de que é, agora, mais difícil. E mais difícil porque, depois da publicação da conversa com Dilma, e dos fatos que se sucederam, sua investidura na Casa Civil foi ferozmente contestada de público por figuras importantes para o acordão e condenada por grande parte da opinião pública. O que tornou mais difícil o desempenho de Lula como interlocutor desse acordão. Mais difícil, não impossível. Veja um acréscimo que ainda vou escrever ao artigo de ontem.
Mas devemos estar em qual lado da rua?
Hoje ela está dividida entre o bem total contra o mal total.
Bem e mal de acordo com a cor que se veste.
Pressão anti establishment é o protesto de 13 de março
Deveriamos estar lá?
Caso dilma caia e temer assuma
Deveremos ir na passeata como a do dia 18?
Jamais iria no dia 13
Se pudesse teria ido no dia 18
Tem que aparecer uma terceira via de passeata?
Que elemento social e politico tem força pra puxá– la? Não vejo ninguem com vontade.
Marina? Psol?Ciro gomes? Tarso?
Não devemos escolher lado. Temos de ir para o meio da rua em cujas laterais desfilam as irracionalidades de petistas e anti-petistas. Vejo Tarso, Marina e Psol como agentes para sairmos da polarização. A força que vai liderar um novo processo de mudança ainda está por ser criada e só surgirá no desenrolar do pós-Lava Jato, como quer que ela acabe.
Novaes, hoje li uma notícia (segundo o colunista Lauro Jardim, do jornal O Globo) que diz que investigadores da Lava Jato querem transformar o Aécio, agora, no principal alvo da operação, a partir da delação do Delcídio. Espero que sim, mas espero que os investigadores não parem só na “cabeça” de um líder oposicionista , dando uma falsa impressão de espraiamento da operação, mas ampliem o leque de investigação para todo o sistema político.
Exatamente, Thiago.