Carlos Novaes, 30 de agosto de 2014
A julgar pelas informações ralas do que se passa nas campanhas de Dilma e Aécio, as reações dos concorrentes do status quo à crescente preferência do eleitor por Marina poderão ajudá-la a crescer ainda mais: ambos parecem pretender demover o eleitor da intenção de voto em Marina invocando a falta de experiência dela e enaltecendo a própria experiência – erro duplo: a vitória e o desempenho não desastroso de Lula na presidência, para dizer o mínimo, já soterraram essa ideia de que governar é coisa complicadíssima, reservada a seres especiais; e o aprendizado do eleitorado de que as mazelas da vida política brasileira (em gestão e representação) estão atados precisamente ao altíssimo profissionalismo de nossos políticos, já tornou problema, não credencial, a autopropaganda de uma presumida expertise.
Como não houve alteração na preferência por Dilma, e Aécio caiu de forma acentuada, fica claro que Marina vai concentrando em si, a passos largos, o eleitor que quer mudança: depois de avançar sobre eleitores que ainda não tinham candidato, Marina começa a trazer para si os eleitores de Aécio e de outros candidatos de oposição, pois Eduardo Jorge e Zé Maria não pontuaram e o Pastor Everaldo perdeu boa parte da atração que exercia sobre o eleitor evangélico. Em outras palavras, o comportamento do eleitor não dá sinal algum de que esteja havendo um fenômeno desordenado, irracional, emocional ou surpreendente; pelo contrário, no âmbito das informações disponíveis, o eleitor vai construindo uma alternativa para si que está desenhada pelo menos desde 2009, com o fim da era Lula: uma cunha para abrir o status quo, cindindo o clinche improdutivo que o caracteriza, símbolo que é do que há de inaceitável e infértil na política brasileira, isto é, a polarização fajuta entre PT e PSDB.
A questão agora é saber o que vai acontecer com o eleitor que até aqui manifestou preferência por Dilma. Há uma parte dele que é “petista”, no sentido de que está convencida, com essa ou aquela intensidade, de que por tudo (os mais gratos, porque mais pobres ou muito ricos), ou apesar de tudo (os mais ideológicos ou burocraticamente concernidos) o melhor para o país ainda é o caminho proposto pelo PT – esses não irão abandonar Dilma, ou, em parte, só a abandonarão diante de um vetor pela mudança que desmoralize Dilma como liderança do projeto a que se apegaram. Lula vai ter papel importante aqui: se ele ficar firme com Dilma mesmo diante de sinais claros de derrota, ela se aguenta; mas se ele entender que precisa se proteger da derrota e tirar o pé, ela certamente perderá para Marina parte desse “petismo” que acabo de descrever. Nesse último caso, Lula já poderia estar a calcular a posição a adotar, junto com seu PT (o partido pode rachar), diante de um provável governo Marina.
Quanto ao eleitorado de Dilma não imantado pelo petismo, que está com ela pelo pendor governista, os muito ricos não terão dificuldade para trocar a preferência segundo o que lhes indique o oportunismo, e os muito pobres irão, em parte, ficar com ela até o fim, seja por segurança, seja por gratidão, e, em parte, podem deixa-la pela força de arrasto que advirá da mudança de posição do eleitor petista descrito acima, notadamente aquele que se decepcionou com a liderança de Dilma. Talvez, repito, talvez, essa decepção já esteja em curso nas camadas médias, o que explicaria que a avaliação do governo melhora, mas isso não se reflete na preferência do eleitor por Dilma.
Para avançar mais, Marina vai precisar de um maior engajamento entusiasmado do eleitor. Esse engajamento poderá vir de dois vetores principais: do eleitor mudancista a quem o volume da onda Marina convide a surfar, e do eleitor transformador (minoritário, mas importante), a quem a proposta da terceira via venha a convencer. A julgar pelas últimas notícias, Marina vai avançar ainda mais entre os mudancistas. Quanto aos transformadores, entre os quais me incluo, só uma leitura mais detida do seu programa de governo, que ainda não consegui fazer, poderá desviar do pessimismo que começa a se instalar.
Tudo somado, embora já não seja estapafúrdio imaginar uma vitória de Marina no primeiro turno, o mais provável ainda é que Marina precise de um segundo turno para vencer, coisa que poderá fazer mesmo sem os transformadores: somos poucos e não haveremos de cansar de ver as forças do dinheiro desviarem até mesmo o curso daqueles rios subterrâneos cujo ímpeto e sentido vínhamos julgando necessários. Perseveremos.