VILEZA DA GLOBO INCENDEIA CIRCO RIVAL E O VITIMIZA

Carlos Novaes, 19 de março de 2016 — 15:18

A Globo e seus satélites parecem determinados a explorar ao máximo a unilateralidade da Lava Jato (discuti essa unilateralidade nos três artigos imediatamente anteriores deste blog), no fito de manter a política brasileira dócil aos seus interesses, só que amputada do lulopetismo, braço político da corrupção que não presta vassalagem a ela (rebeldia que não basta para credenciá-lo). Desde a perseguição contra Brizola, que não era nenhum revolucionário, os proprietários da Globo vêm deixando claro que pretendem dispor de um poder político que não permita óbices aos seus desejos. Se a Globo fosse uma rede norte-americana e tivesse nos EUA o poder de fogo de que dispõe no Brasil, a lógica da sua atuação aqui nos leva a imaginar que lá os filhos de Roberto Marinho estariam não apenas alinhados com Donald Trump, como empenhados em banir da cena política o partido democrata.

Tal como na manipulação eleitoral de 1989, quando acirrou preconceitos contra Lula em favor de Collor, a Globo vem manipulando o vazamento imoral de escutas telefônicas legais com propósitos ilegítimos, expondo Lula e seus familiares de modo a incitar a execração pública contra eles, desviando a ira popular do objeto principal: o sistema político corrupto que a a Globo não prima por combater e do qual o lulopetismo é apenas a variante mais recente. Como na imensa maioria das conversas cujo vazamento agenciou não há prova da prática de ilegalidades, a Globo vem buscando canalizar contra os interlocutores dessas conversas privadas frustrações e ressentimentos públicos que sempre buscam válvulas de escape em situações de crise, e isso com base quase tão somente no linguajar empregado pelos interlocutores ao expressarem sua inconformidade com a situação a que foram conduzidos, diga-se passagem, por suas próprias escolhas.

Ao insistir em explorar como se fossem crimes políticos os palavrões que aparecem nas conversas pessoais de Lula com os seus, nas quais ele emitiu juízos desfavoráveis a um funcionamento institucional que também está em xeque nesta crise, a Globo distribui material para piadas dos boçais que integram seu circo ou nele se divertem, e dá repertório para que autoridades que não foram nominadas se pavoneiem numa gravidade institucional duvidosa no intuito, parece, de deitar mais combustível na lona rival. Em contrapartida, porém, esse circo também deixa clara a fragilidade jurídica do que dispõem contra o rival investigado, até o momento.

Se o jornalismo da Globo usasse contra o lulopetismo o que realmente interessa nesse escândalo, então já não poderia atingir apenas Lula, o PT e Dilma; teria de incluir o p-MDB, o PSDB e o DEM, nos quais, aliás, há inúmeros políticos que, além de suspeitos de corrupção, estão ligados a conglomerados estaduais de comunicação afiliados seus. A vileza do unilateralismo da Globo no que chama de cobertura desse momento da vida brasileira está além da repugnância e, por isso mesmo, passou, nas últimas horas, a nutrir um esclarecimento que não pretendeu.

É que, mesmo avessas ao lulopetismo, pessoas medianamente instruídas e afeiçoadas a algum senso de justiça repelem tentativas tão escancaradas de manipulação da sua opinião; e pessoas de extração popular estão mais e mais alertas contra a  desqualificação preconceituosa do seu modo de ser (do que, aliás, a virada popularesca das telenovelas da Globo dá testemunho). Por mais críticos que sejamos das escolhas políticas de Lula (e este blog não arreda pé dessa perspectiva crítica), não se pode negar sua ligação com a cultura popular brasileira, de que é o filho mais notável precisamente porque soube articular suas origens com o chamado mundo culto-endinheirado (para bem, e para mal) sem deixá-las para trás.

Ao publicar com tanto estardalhaço as conversas pessoais de Lula, a Globo mostra, sem o querer, a maestria com que ele se move entre as culturas que se contrastam na desigualdade da vida brasileira. Assim como qualquer pessoa minimamente educada, Lula emprega em conversas privadas um linguajar que sabe evitar nas suas manifestações públicas — e é só nesse âmbito público que sua maneira de falar nos diz respeito. Ao tentar desqualificar Lula pelo uso privado intenso de palavrões a Globo aviva em seu circo o alarido dos puritanos e dos hipócritas que sempre foram avessos ao que Lula simbolizava, mas também motiva a solidariedade ativa ao circo rival incendiado, pois não deixa indiferente todo aquele que partilha com ele a cultura popular e, por isso, não pode deixar de sentir como agressão contra si um estardalhaço tão anacrônico.

Fica o Registro:

1- A Polícia Federal e o Ministério Público do Paraná estão fora de controle, ou não têm o menor controle sobre o material legal que manipulam, pois a maioria (não todas) dessas gravações que estão alimentando o espalhafato da mídia jamais poderia ter vindo a público, seja porque inservível ao devido processo legal, seja porque inútil para o esclarecimento político do que se passa. O silêncio tumular de Moro sobre esses vazamentos torna cada dia menos crível sua justificativa de que conduzira Lula coercitivamente para evitar tumultos.

2- Tanto essa balbúrdia institucional, como o atropelo do devido processo legal que dela se favorece, mostram toda a impertinência de defender, numa hora dessas, que o fortalecimento institucional se faça pela transferência do poder das ruas para a dinâmica de palácio, como se a mobilização popular fosse indesejável e a rotina institucional atual não fosse anti-povo (mais detalhes aqui e aqui). Há que transformar as instituições, e uma transformação só se faz com pressão popular ativa. O problema é que embora as pessoas estejam nas ruas pelas razões certas, o fazem segundo as paixões de uma polarização contraproducente, como tenho tentado discutir em vários artigos deste blog.

3- A Globo está em busca de tornar o impeachment de Dilma irreversível, mas não há nenhum fato novo a informar legalmente o processo. O que há, mesmo, são evidências de crime eleitoral contra a chapa Dilma-Temer, o que levaria à cassação de ambos, não apenas ao impeachment de Dilma. Querem dar posse a Temer e, então, melar a Lava Jato, destino que Sergio Moro dá sinais crescentes de estar pronto a docemente aceitar. As ruas não podem arrefecer precisamente porque as instituições não merecem confiança e precisamos, unidos, arrancar delas não qualquer decisão, mas antes uma determinada saída institucional, a saber: eleições para presidente ainda este ano, junto com a eleição para prefeitos e vereadores, o que daria alguma solda ao sistema político enquanto o empurra à mudança — e isso o establishment (nele incluído o lulopetismo) quer evitar.

4- Embora a decisão de Gilmar Mendes de suspender a posse de Lula na Casa Civil se inscreva no quadro da disputa entre os que querem sufocar a Lava jato e os que querem valer-se dela para apenas tirar do poder o lulopetismo, o fato é que diante da conversa telefônica entre Lula e Dilma faz todo sentido exigir que o plenário do Supremo arbitre a questão constitucional que está em discussão.

2 pensou em “VILEZA DA GLOBO INCENDEIA CIRCO RIVAL E O VITIMIZA

  1. Ulysses Ferreira Verza

    Caro Novaes, suas colocações não poderiam ser mais acertadas! Uma pena que tenha ficado desde dezembro passado sem publicar nada, tendo retornado somente agora. Enfim, gostaria de saber do senhor, já que sugere eleições ainda neste ano, o nome de algum candidato à presidência que seja realmente viável e passe longe de figuras como Lula, Dilma, Aécio, Temer, Alckmin, Serra, Bolsonaro e afins.
    Abraço.

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  2. thiago

    Novaes, reparou o comportamento sui generes de certos setores da sociedade, como por exemplo a Fiesp: ela beneficiou-se de desonerações constantes, cortes nas tarifas de energia, além disso, o Paulo Skaf fez um tremendo lobby com o Cunha e os seus para a aprovação da Lei que regulamenta e amplia o trabalho terceirizado, e agora apoia o impeachment de maneira cínica, jogando até “patos” na paulista.

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