Carlos Novaes, 03 de junho de 2017
O sistema político profissional não nos representa faz tempo. A novidade é que ele já não oferece alternativa sequer para si mesmo, pois PSDB e PT, as duas forças que se revezavam no teatro eleitoral trazendo a reboque os partidos da ditadura paisano-militar, já não dispõem de credibilidade para apresentar uma alternativa crível. É por isso que, a cada dia, fica mais largo o abismo entre o palácio e a rua, de que já tratei detidamente aqui, e bem antes desta crise.
Esse abismo está a ficar mais largo porque tanto o palácio quanto a rua se resolvem pondo o PT e PSDB à margem. No palácio, cujo polo dinâmico está, hoje, centrado na Câmara dos Deturpados, a solução vai sendo construída em torno de Rodrigo Maia, do DEM (ex-PFL, ex-ARENA), tendo como coadjuvante o p-MDB – uma dobradinha entre os partidos da ditadura paisano-militar que é mera inversão daquela apresentada no Colégio Eleitoral de 1985: Tancredo (p-MDB), com Sarney (PFL, ex-ARENA). Ou seja, mais uma evidência de que estamos a voltar atrás, mas numa versão piorada. O sistema político do nosso Estado de Direito Autoritário se fecha num nó ainda mais apertado.
Uma situação como essa não tinha como não levar PSDB e PT a agudas divergências internas – quando não a rupturas e, até, um notório sumiço (cadê o Serra, senador por São Paulo?!). Enquanto o PSDB Bovary se debate entre sair e ficar no governo liderado por Temer; o PT se divide em torno de lideranças secundárias conforme as escolhas de Lula. Nos dois casos, trata-se de um abraço de afogados, como se pode verificar no fato de que não há correspondência na rua a estas lutas internas.
As lideranças dos movimentos proto-fascistas, que haviam acolhido e celebrado Aécio, já não têm coragem de dar as caras, mesmo quando as evidências contra Temer se mostram muito mais contundentes do que o que havia contra Dilma – esses “líderes” têm corruptos de estimação e, por isso, sequer conseguem imaginar apoio aos segmentos do PSDB que querem sair do governo. Sem eles, o PSDB não tem como sair à rua. Quanto ao PT, vai às ruas com capacidade de arregimentação cada vez menor, pois tem havido uma diminuição no contingente de trouxas dispostos a assistir suas piruetas “esquerdistas” de ocasião: no governo, se jactavam de ter levado os ricos a ganharem dinheiro como nunca antes; perdidos os cargos, querem nos convencer de que irão combater o modelo de concentração de renda e riqueza a que se acomodaram…
A direita saiu da rua; a autointitulada esquerda independente tem em Boulos seu porta-voz. Ora, Boulos exibe esperanças erradas ao advertir que Lula precisará aprender com os próprios erros, “esquecido” de que o que se cometeu foram crimes e, pior, fingindo acreditar que, a essa altura, Lula precisaria aprender o que desde sempre soube, mas preferiu não enfrentar (precisamente porque moldou sua liderança na perspectiva da acomodação, não da transformação): não iremos adiante sem que os ricos percam, pois a desigualdade brasileira é, sim, um jogo de soma zero.
Não chega a servir de começo a uma transformação o engajamento de artistas e de ativistas culturais e populares à bandeira das diretas-já, de cuja impropriedade já tratei aqui. Eles acertam quando rejeitam a presença em suas manifestações dessas burocracias partidárias e sindicais que temos de deixar para trás, mas erram ao pleitear eleições às quais só poderão concorrer exatamente essas burocracias! Como já disse, precisamos de tempo. Realizar eleições constituintes em 2018 talvez nos dê algum fôlego para criar melhores condições para disputas eleitorais que, no cenário mais provável, terão PFL e p-MDB no governo, com PT e PSDB na “oposição” e trazendo Dória e Ciro Gomes como novidades…