Carlos Novaes, 02 de junho de 2017
Começam a surgir especulações e “análises” sobre o futuro político de Aécio Neves. Uns dizem que ele está politicamente morto, outros dizem que não. Mas o que cada um entende por morte política, afinal? Há quem doutamente pondere que apontar alguém como politicamente morto é tão fácil quanto quebrar a cara ao fazê-lo. Sustento que só se engana quem não sabe o que é morte política.
Desde logo façamos uma distinção básica: a morte política não está para a política como a morte está para a vida – afinal, para fazer política basta estar vivo. Não obstante, muita gente douta acha que a vida política não acabou se o camarada ainda faz política, se ele próprio ainda não desistiu. Se fosse assim, a morte política seria ou evento raríssimo, tão raro que não seria o caso de falar sobre ela; ou ela só aconteceria quando o político morresse, mesmo.
Entendo que há morte política quando a trajetória ascensional provável de um político é interrompida por razões que o desqualificam definitivamente para aspirar vitória em disputas eleitorais para cargos de relevância igual ou superior ao pico do(s) que já conquistou, tendo em mente esta hierarquia: vereador, deputado estadual, deputado federal, prefeito, senador, governador e presidente. E por que esta hierarquia, que privilegia os cargos majoritários? Por que a magnitude e a diversidade relativa destes eleitorados, aliada à respectiva relevância orçamentária e/ou política destes cargos, requerem do aspirante à recondução (ou progressão) uma reputação benigna bifronte: junto a um eleitorado tão complexo quanto numeroso e junto aos seus pares de profissão. Para um político, perder essa reputação é o equivalente a estar morto.
Naturalmente, essa definição dispensa saber a opinião do próprio político, seja ela qual for. Afinal, a coisa mais improvável é um cadáver se convencer da sua condição de cadáver… Daí que um morto político possa viver a nos assombrar por muitos anos após sua morte, ainda que jamais consiga o cargo almejado.
Para ilustrar essa conversa, peguemos o caso de Paulo Maluf, há décadas o cadáver político brasileiro mais notório (como fede!). Ex-prefeito indireto e direto da capital paulista, ex-governador indireto de São Paulo, ex-candidato à presidência da República pelo Colégio Eleitoral, ex-candidato a presidente, governador (SP) e prefeito (SP) pelo voto direto – ele só parou quando, parece, se convenceu de que era um cadáver ambulante.
Fui um dos que decretou a morte de Maluf, e minha cara ficou intacta. Eu o disse há uns 20 anos, em algum momento entre 1997 e 1998, quando pesquisas que realizei deixaram ver que, com o governo do prefeito Pitta em SP, Maluf era carta fora do baralho majoritário no estado e, portanto, no Brasil. Com base no diagnóstico que fizera, foi fácil perceber que o morto jamais teria êxito, e o disse a cada vez que Maluf disputou um cargo majoritário depois disso: em 1998, para governador de SP, e em 2000, 2004 e 2008 para prefeito da capital paulista. A cada candidatura, ouvia sempre a ladainha de que “vejam só, Maluf não está morto”, como se a morte de um político requeresse a desistência dele. Não. Um político não morre apenas quando desiste de tentar o voto, ele morre quando o eleitorado desiste dele.
Evidentemente, se você considera que ao ser eleito e reeleito Deputado Federal Paulo Maluf deu mostras de estar vivo politicamente, então sua definição de morte política é outra, e eu não sei para o que ela serve, dado que ela faz de todo político que já tenha sido grande um imortal… É raciocinando assim que lá em Minas tem gente vaticinando que Aécio não morreu, uma vez que ele sempre poderá chegar à Assembléia Legislativa mineira, ou à Câmara de Vereadores de Belo Horizonte, ou, quem sabe, à de São João Del Rey… Francamente.
Afinal, Aécio está politicamente morto? Embora esteja claro que ele jamais chegará à presidência da República pelo voto direto, ainda não disponho de elementos para saber da situação dele em Minas, não obstante seu declínio ali já venha de antes deste escândalo, pois recentemente perdeu eleições majoritárias importantes em que se empenhou por aliados seus, seja para o governo estadual, seja para a prefeitura da capital. Aécio só poderá ser dito um morto político quando se demonstrar que ele não tem condições de disputar com êxito os cargos de governador ou senador em Minas Gerais.
Talvez não venha a ser necessário esperar, uma vez que dadas as flagrantes diferenças de temperamento e fibra, não parece absurdo imaginar que, diferentemente de Maluf (que, no dizer de uma amiga minha, “não tem superego”), Aécio acabe por trilhar mais cedo o caminho da desistência da vida pública, liberando o ambiente político de mais um provável cadáver ambulante. O tempo dirá.
Fica o Registro:
– Não precisamos de pesquisa para saber que Temer está morto. Mas ele, como todo morto-vivo, continua a provocar danos. As últimas movimentações de Temer são tão escandalosamente facciosas, tão repugnantes, tão danosas ao que quer que se entenda como governar para o bem comum que, acredite, leitor, tenho preguiça de fazer qualquer análise mais detida. Refiro-me à Medida Provisória para preservar o Angorá (apelido certeiro, dado pelo Brizola, em 1982); à busca de manter o mandato do Rocha Loures, indo além de lotear o ministério da República, pois o põe a serviço de manter a própria avacalhação da República como tal; à reclamação contra uma suposta “pressa” de Fachin no caso JBS, quando o próprio Temer disse que queria urgência; à celebração da alta do PIB, claramente insustentável; à diminuição de áreas protegidas na Amazônia, em favor de madeireiras e mineradoras, etc. Até quando a maioria da sociedade brasileira vai tolerar isso?!?
– A boca fala do que o coração está cheio: segundo o chanceler de Temer, Aloysio Nunes (aquele para quem o gozo estava em assistir “Dilma sangrar”), segundo ele, “o PSDB tem compromissos com o governo e com o programa do governo. E o PSDB não é Madame Bovary”. Ora, qualquer um que tenha lido o romance de Gustave Flaubert sabe que Madame Bovary é justamente o que o PSDB se tornou: sufocado pela frustração de sonhos pequeno-burgueses de grandeza, o PSDB-Bovary, tal como a madame mencionada, oscila entre agarrar-se ao consumo desenfreado do que está à mão (ficar no governo) e a tortura de ver o beco sem saída em que se meteu (sair do governo). Por isso mesmo, o chanceler Bovary faz acenos de lealdade a Aécio, dizendo a situação dele “defensável”.