Carlos Novaes, junho de 2012
Especialmente em política, o moralismo é a perversão da moral, e do discernimento. Ambos ficam comprometidos quando se diz que Luiza Erundina foi incoerente quando deixou a condição de candidata a vice-prefeita na chapa liderada por Fernando Haddad à capital paulista. Vários articulistas, com ares de quem descobriu a pólvora, insistem prolixamente na idéia de que a força de uma “imagem” levou Erundina a abandonar um barco no qual aceitara entrar antes da fotografia em que Lula e Haddad aparecem ao lado de Maluf nos jardins da mansão dele. Esse pessoal não atina para o básico: Erundina reagiu a um fato, não a uma imagem. Ao conseguir impor a Lula um deslocamento até sua casa e uma fotografia incômoda, Maluf evidenciou uma força que não estivera clara, nem seria de supor, enquanto o apoio de seu partido à chapa não passava de formalidade para obter tempo na TV.
Os princípios, em política (atividade coletiva), estão necessariamente atados ao quantum de força disponível para fazê-los valer num jogo de tensões – por isso, o moralismo de fundo dos que condenam Erundina é uma bobagem; em política não se afirmam princípios com o queixo. O deslocamento e a fotografia impostos mostraram para Erundina, e para outros que estavam nesse mesmo barco, que Lula e o PT estão frouxos além do tolerável nesse jogo de forças. A reação dessas pessoas que haviam sido tolerantes com a aliança antes do episódio (repito episódio – a fotografia não é só, e nem principalmente, uma imagem, ela é a representação de um ato, uma ação forçada) nada tem de incoerente: elas fizeram um cálculo novo sobre o que se passava. Erundina aceitara a presença do partido de Maluf na aliança, mas deixou de aceitá-la quando a força da inconveniência dele ficou, no juízo dela e dos que a seguem, desproporcionalmente desfavorável ao que entendem como adequado. Antes tarde do que nunca.