Carlos Novaes, 02 de agosto de 2018
Ao levar essa ensaboada final no banho de profissionalismo que lhe foi dado por Lula, Ciro vem falar em “desonestidade” e apontar que “eles não querem que eu seja o candidato que vai representar a renovação do campo progressista”. Como assim?! Ao aceitar as negociações com o Centrão, Ciro mergulhou de cabeça na luta bruta das facções, valorizou o que há de pior na política brasileira e escancarou o convencionalismo da sua própria candidatura, tudo isso como arremate de uma trajetória de declarações complexadas e estapafúrdias, nas quais o que não faltou foram palavrões (sobre o uso de palavrões em público e em privado já discorri aqui).
Renovar o campo progressista requer uma ação de fora para dentro, não de dentro para fora, muito menos se misturando ao que há de pior no campo anti-progressista! Quando falo “de fora para dentro” não me refiro apenas a de fora do autointitulado campo progressista, mas especialmente de fora do Estado, de fora da luta de facções, ou seja, uma nova alternativa progressista terá de sair da sociedade contra o Estado, da vida política real contra as facções políticas. O chamado campo progressista que atua na sustentação do Estado de Direito Autoritário é tão faccioso quanto os outros “campos” que ali com ele se digladiam em busca de poder para fazer dinheiro. Uma renovação dele terá de sair da experiência democrática que a maioria da sociedade brasileira tem contraposto a esse Estado, não de um remanejamento das alianças entre as facções estatais que dependem da chancela eleitoral para continuarem o seu joguinho.
De início, Ciro pode ter dado a impressão de que havia compreendido a situação e de que estava a apostar na sociedade. A pouco e pouco foi se enrolando em seus próprios complexos e limitações, passou a desprezar a opinião pública média, exercendo contra ela uma necessidade de autoafirmação que, se mesmo aos 60 anos de idade não conseguiu superar, deveria ter dirigido contra o sistema político. Mas não, ficou a fazer declarações inconvenientes, estapafúrdias e grosseiras, que nada somavam, ao mesmo tempo em que se abismava no jogo político convencional do toma lá da cá, no qual rejeitou de boca os “ladrões do p-MDB”, para buscar de fato o apoio dos “ladrões do Centrão”, a quem ajudou a vender mais caro o apoio a Alckmin.
Se ainda lhe sobrou um mínimo de racionalidade deveria estar claro que, ao optar pela adesão à luta das facções, a saída é ser vice do PT, o que tornaria a chapa apoiada por Lula ainda mais competitiva. Se suas idiossincrasias emocionais lhe turvarem a mente e o levarem a recusar a oferta de Lula, ou se seu alegado pendor progressista finalmente predominar, talvez reste clareza suficiente para entender que se Marina o aceitasse como vice haveria uma chance de se formar uma terceira via, programaticamente frágil, politicamente fraquíssima, mas com apelo eleitoral efetivo e não faccioso para a disputa da presidência da República, solução que poderia levar a crise de legitimação do Estado de Direito Autoritário a um patamar tão periclitante quanto auspicioso.
Fica o Registro:
- Em comentário no UOL, o professor Romano Romano classifica a operação Lula-PSB que isolou Ciro como “desastrada”, pois enfraqueceria o próprio campo da “centro-esquerda”, ou progressista, e reforçaria a estrutura oligárquica dos partidos. Ora, esse raciocínio desconsidera que mais do que oligárquicos, esses partidos estão empenhados em uma luta de facções. Uma luta assim já não leva em conta esquerda, centro ou direita, está muito além disso, como mostra, entre outras evidências, a disposição de Lula de se aliar não só a notórios corruptos como a facções que participaram do golpe.
- A disputa entre partidos é fachada para a luta de facções, pois o que os líderes facciosos almejam é reconfigurar as facções continuamente, sempre na busca de mais poder de Estado para fazer dinheiro — nesse processo, os partidos oligárquicos são arrastados a alterarem suas alianças, que nada têm de programáticas. As minorias do PT pagam mais uma vez ( e merecidamente!!) o preço por se manterem fiéis a essa máquina tão formidável quanto infernal que é o lulopetismo. Bem feito!