Carlos Novaes, 22 de novembro de 2014
Em artigo na Folha de S.Paulo de hoje, André Singer, não sem de cara nos garantir que quer sim apuração e punição rigorosas (puxa, ainda bem!), aborda o caso da Petrobrás para nos advertir sobre os perigos de um escândalo à italiana, e para nos indicar aquela que é a saída das saídas para onze em cada dez críticos camaradas: a reforma política — como já expliquei em uns e outros textos neste blog, essa é uma saída tão estreita que se enveredarmos por ela é certo que nos baterão a carteira.
A operação de Singer é tão emblemática da crítica gasparzinho, e do que nela é preciso combater, que vale fazê-la de mote para a discussão. Segundo ele:
“Não adianta desbaratar esta ou aquela rede de propinas, por mais vasta que seja, e não mexer nos custos de campanha.”
Como se sabe, o PT que está empapado do óleo da Petrobrás é o mesmo que lambuzou-se no mensalão, e não é outro senão aquele que vem defendendo há tempos o tal financiamento público de campanhas eleitorais. Vejam só as sutilezas da crítica purgante: ao mesmo tempo em que nos recomenda como remédio a solução defendida pela burocracia que se compraz nos desmandos a serem remediados (ou seja, trata-se de um tônico para o PT, cujo óleo preferido não é exatamente o de fígado de bacalhau), ela também se faz porta-voz de uma nova aplicação para a lei Thomaz Bastos: se os petroreais são dinheiros para campanhas, cujas belas imagens custam os olhos da cara, então precisamos adotar algo como o financiamento público, não? Apenas para tornar o ponto mais claro: “os políticos estão nos roubando porque precisam do nosso dinheiro para fazer campanha, e a gente não dá” – kekéilson!?!
Os números do mensalão são tão irrisórios quando comparados aos da Petrobrás que os atuais acusados se sentiriam insultados se aqueles valores fossem oferecidos como gorjeta aos seus motoristas (embora Singer, criterioso, diga que o montante “parece” maior). Assim, se o próprio STF, por muito menos, derrogou a lei Thomaz Bastos, por que deveríamos aceitar a jurisprudência pretendida por Singer? Se seguirmos a trilha do volume do dinheiro até seu destino, o “argumento” dos custos de campanha como explicação da corrupção revela todo o seu ridículo: está evidente que só uma parte se destinava a campanhas; o grosso ficava com as próprias empreiteiras, na forma de lucros exorbitantes, com os próprios intermediários, em contas fora do país e… pois é, ainda falta chegar às contas bancárias dos próprios políticos, esses sim os verdadeiros beneficiários particulares de todo o esquema. Em suma, ao invés de acabar com a corrupção, o financiamento público iria permitir aos políticos corruptos aumentarem sua poupança.
Seja como for, por que deveríamos acreditar que:
1. dotar as campanhas de dinheiro público iria, como num passe de mágica, satisfazer os apetites que essa dinâmica onívora (além de dinheiro, ela traga reputações, escrúpulos, etc) levou PT, PSDB, PMDB e demais a desenvolver?
2. se, como os mensalões, metrôs, sivans, refinarias e túneis já deixaram claro, PT e PSDB não respeitam a lei já existente, iriam respeitar uma que proibiria toda e qualquer ajuda privada para campanhas?
A verdade é uma só: em mais uma prova de que PT e PSDB partilham o mesmo projeto, a condução temerária da Petrobrás pelos petistas acabou por fazê-la merecer o X que os tucanos haviam desenhado para a PetrobraX deles: finalmente a petroleira se parece com uma autêntica empresa do império X do aventureiro Eike, o nosso Berlusconi que não chegou a bufão político (cada país tem o fanfarrão multiplicador que merece).
Como sabemos, por experiência própria, que um país precisa bem mais do que a ação devastadora de um judiciário decente para fazer de seu bufão político um Berlusconi (ou de seu Berlusconi um bufão político), tomara sejam fundados os temores de André Singer e esse escândalo arraste com ele toda a nossa ordem política corrupta e corruptora. Parodiando o troco do Ferrez ao choramingo do Luciano Huck em busca do rolex perdido: “se for para salvar a vida, fica barato!”.