Carlos Novaes, 19 de maio de 2015
Empanturrada com a comida tóxica do cardápio midiático que buscou embota-la com a ideia de que o país precisa de uma reforma em seus sistemas eleitoral e partidário, a opinião pública brasileira é convidada a se reconhecer aliviada no vômito triplo em que seus profissionais da política mais uma vez transformaram no que lhes apraz os anseios difusos dela por uma representação autêntica. Primeiro, o “distritão” vai deixar sem representação alguma a maioria do eleitorado, uma vez que, por definição, 513 deputados federais não tem como traduzir, com seus votos exclusivos, mais de 200 milhões de eleitores; segundo, a coincidência de mandatos de cinco anos é o paraíso da malandragem, proposto por Marina Silva e adotado, claro, pelo p-MDB, que já critiquei pormenorizadamente aqui: mais mandato para os políticos profissionais e menos força de mudança nas mãos do eleitor; terceiro, o fim da reeleição para o executivo vai retirar do sistema de gestão da coisa pública (executivos) a possibilidade de reconduzir as boas experiências, que seriam ainda melhores se a “representação” (nos legislativos respectivos) não fosse composta pelos esquemas de rotina saídos do mal uso do nosso sistema eleitoral.
Tal como é hoje, nosso sistema eleitoral é muito bom: de um lado, para o legislativo vota-se em indivíduos ou em lista (o voto na legenda partidária), sendo que o voto individual do eleitor não esgota sua força no indivíduo que recebe o voto, pois ela se propaga mesmo se o candidato escolhido não ganha a eleição: os votos dados a ele são somados aos de outros perdedores e ganhadores do mesmo partido ou coligação, de modo que nada é desperdiçado no cômputo final e, assim, se o sistema produzisse representantes, todos estaríamos, sempre, representados; de outro lado, para o executivo, pode-se reconduzir o gestor que faz uso apropriado dos recursos do orçamento. O defeito, portanto, não está na distribuição da força dos votos, mas naqueles que os recebem, leitor. Temos que trocar de políticos, não de sistema político. A única maneira de trocar, mesmo, de políticos é impedi-los de voltar uma vez cumprido um, e único, período legislativo, ou seja, acabar com a possibilidade de reeleição para representantes (e não para os gestores!), como já tratei aprofundadamente aqui e em outros textos deste blog.
Políticos profissionais tem o mesmo defeito de todo ser humano: querem o paraíso, sem precisar morrer. A diferença é que eles imaginam, mesmo, que é possível chegar lá, e fazem dessa meta a principal ocupação de suas vidas tortas! O paraíso para eles é chegar ao poder depois de uma campanha em que não precisaram pedir nem dinheiro, nem voto. Pois bem, a proposta de coincidência de mandatos de cinco anos os deixa bem próximos dessa meta religiosamente perseguida, especialmente se caída do céu amarrada a uma outra providência, o tal financiamento público de campanhas eleitorais: o conforto de mandatos de cinco anos, sem nenhuma consulta intermediária para qualquer instância, consulta essa que permite ao eleitor ajuizar a situação política e punir ou premiar com seu voto, logo em seguida, este ou aquele partido, grupo ou esquema político. Hoje, bem ou mal, nosso calendário de eleições descasadas a cada dois anos permite, por exemplo, ao eleitor insatisfeito com o governo de Dilma eleito em 2014 punir o PT nas eleições locais de 2016, o que, se não constitui uma ferramenta de transformação, configura, pelo menos, um serviço de crítica indireta que altera a rotina demoníaca do poder.
É difícil para uma pessoa de bem imaginar a alegria coruscante na alma de um político profissional, desses de carreira, diante da possibilidade de somar à reeleição infinita, regalia de que já goza, uma troca compulsória nas cobiçadas cadeiras de gestão orçamentária (prefeitos, governadores e presidentes) junto com o conforto de só ter de lembrar do eleitor a cada cinco longos anos e, ainda por cima, com o chantili do financiamento público de campanha, que não é senão a satisfação safada de poder bater impunemente a carteira do mesmo eleitor a quem não precisou dar conversa para arrancar mais um período de sossegada “representação”. Ou seja, o eleitor vai pagar, via canalização compulsória do seu dinheiro (assim como um “gato” numa rede de água já escassa), a propaganda enganosa de mandatos que não terá sequer como ajuizar, uma vez que o fervor dessa cozinha embaçada da eleição geral não vai aprontar senão uma gororoba de alhos, bugalhos, joio e, vá lá, algum trigo. Em suma, a institucionalização da rotina do vômito, quando o que precisamos é de um laxante!
Também gostaria de saber se vai reativar o seu canal no youtube? Seria muito bom ver suas analises como fez durante parte da eleição de 2014.
Novaes,
com essas medidas impopulares e essas manobras dos representantes que afastam cada vez mais os representados da classe política brasileira, você acha que poderemos, em algum tempo, ter em nosso país fenômenos políticos como na Espanha e Grécia (Podemos e Siryza) ?
Concordo com o André Teixeira sobre a ascensão da burocracia dos legislativos, caso restrinja-se os representantes a um único mandato. Mas também concordo que representação não é profissão.
Para equilibrar as coisas, creio que o ideal é que os mandatos, todos eles, sejam limitados; Os senadores poderiam ser limitados a talvez dois mandatos consecutivos, como nos cargos executivos, e os deputados, tanto estaduais quanto federais, assim como os vereadores, poderiam exercer talvez até quatro mandatos consecutivos. Caso os candidatos não consigam se reeleger consecutivamente, só poderiam se candidatar de novo após 4 anos.
Assim, creio eu, talvez evitássemos tanto a profissionalização da representação quanto o excesso de poder das burocracias legislativas.
Anderson,
acabo de publicar um texto no blog que, suponho, deixa claro que uma transformação como a que proponho não comporta contemporizações como as suas. Em particular, não entendo como, a essa altura, você ainda julga que mudaria alguma coisa deixar um sujeito por 16 anos no parlamento! E veja bem, quando eu falo em acabar com a reeleição e com a CARREIRA POLÍTICA, estou dizendo que se o sujeito for eleito vereador uma vez, NUNCA MAIS poderá ser candidato a NENHUM cargo legislativo – ele já deu sua contribuição.
Mas, sendo assim, Novaes, quantos serão candidatos a vereador por esse país afora? Quase ninguém. Impedir a reeleição me parece correto.
Não entendi bem o raciocínio, mas, pelo jeito, você acha que só existe gente disposta a ser vereador se puder “seguir carreira” – ora, mas esse é o problema: a profissionalização em carreira atrai mesmo esse tipo de gente. Temos que fazer o inverso: tornar a representação não atraente para os carreiristas e atraente para os profissionais das mais variadas áreas que queiram fazer algo na política por quatro anos e, depois, voltar á sua vida normal. da qual não poderão, portanto, se fastar, mantendo laços com o SEU eleitor, que é o que interessa – leia meu artigo SÓ 4 JÁ, NESTE BLOG. Por isso é que defendo que os representantes sejam muito bem remunerados.
Entendi, Novaes.
Carlos,
Eu apenas chutei o número de mandatos, poderiam ser menos, mas com certeza deveriam ser limitados. Meu senão ao mandato único é, como o André Teixeira explicou, o excesso de poder que as burocracias instaladas nos legislativos terão, que, diferentemente dos representantes, não foram eleitos. Por isso, eu preferiria não impedir alguém que já exerceu algum cargo eletivo de se candidatar de novo no mesmo cargo ou em outro (desde que tenha experimentado um período sabático). Atrapalharíamos os carreiristas e também impediríamos o aumento de poder nas burocracias (não eleitas) nos legislativos.
Pois é, você ainda acha que pode entrar num debate desse nível “chutando” número de mandatos, quando o assunto é exatamente esse, “número de mandatos”. É cada uma…!. É hora de pensar, mesmo. Assim, sobre o “poder” das assessorias, sugiro ler meu texto sobre isso, publicado há poucos dias. Não vejo NENHUMA relação entre repetir representante e menos poder para burocracia do que no caso de renovar sempre. Sugiro que você explique isso direito. Finalmente, eu não quero “atrapalhar” ninguém, nem os carreiristas – eu pensei uma mudança de modelo político de alcance mundial e larga envergadura democrática. Pense.
Chutei da mesma forma que você chutou o valor de 100mil reais na sua postagem mais recente (2º parágrafo d’O ajuste de Dilma): “Algo como no máximo 100 mil reais por empresa e por cidadão, obrigando a pulverização das fontes de financiamento.”
Estávamos apenas exprimindo a ideia de limite. No meu caso, um limite maior ao sugerido por você de 1 mandato apenas.
Hoje a memória está nas mãos dos representantes profissionais, mas também na burocracia legislativa (funcionários, assessores etc.), o fluxo, que seria os representantes novatos, é suplantado por eles, pela memória. O que impediria que a memória continuasse a predominar nos legislativos, embora apenas nas mãos da burocracia? Veja, não é uma afirmação. É uma dúvida.
Para mim, a resposta é experiência. E um único mandato não me parece suprir a experiência necessária.
Com esse argumento dos 100 mil você dá sinais de que gosta de discutir por discutir – nem vou me dar ao trabalho
De novo:
a experiência de que precisamos não é a da rotinização da condição de representante – argumentar com isso é não ter entendido NADA, pois é justamente dela que quero me livrar! A experiência necessária é a do exercício da representação como fluxo, para eleitores e eleitos. Tudo novo!
Você usa a palavra memória sem discernimento, pois pretende que a memória rotinizada de uma prática que deveria ser fluxo é a mesma coisa que a memória institucional que está ali para isso mesmo, mas submetida à dinâmica da representação, que é quem tem poder. Sua objeção supõe que os eleitos serão bocós, só porque não foram reeleitos.
Carlos,
Não, não estou discutindo por discutir, longe de mim. Apenas pesquei um exemplo de limite sugerido por você para mostrar que meu chute foi apenas para exprimir a ideia de um limite, embora maior do que o sugerido por você quanto aos mandatos.
Quanto ao resto da postagem… Eu concordo com você que devemos desronitizar/desprofissionalizar a representação. Então, sim, eu entendi sim! Só levantei outras possibilidades. E, não, eu não confundi as memórias rotinizada e institucional, mas aventei a possibilidade dos detentores da memória institucional se apropriarem da memória rotinizada ou serem cooptados a praticar a memória rotinizada, Também não supus que eleitos e eleitores sejam bocós, apenas supus que, mais uma vez, da mesma forma que acontece hoje com a memória rotinizada dos representantes profissionais sobrepujando o fluxo dos representantes novatos, poderia acontecer só que com as burocracias legislativas atuando no lugar dos representantes profissionais. São hipóteses, questionamentos, não foram afirmações em absoluto.
Agradeço a paciência (ou não, hehehe…) e as respostas francas e diretas. Cuide-se e continue o bom trabalho.
Sds.
Anderson
Anderson,
a vantagem dessa sua insistência é que eu acabo de me dar conta de que o alcance deste mísero blog é ainda menor do que eu imaginava.
Já que você insiste, sou abrigado a explicar direitinho:
1. O caso dos 100 mil
1.1 para mim, o essencial é permitir o financiamento privado (empresas e indivíduos), desde que com um teto nominal e exclusivo. Ou seja, um valor fixo como teto, independentemente da capacidade financeira de quem contribui. Ou seja, o Itaú e a padaria da esquina obedeceriam ao mesmo teto. Exclusivo porque cada ente só poderia contribuir para um partido e/ou candidato a cada eleição. Isso que acabo de dizer é o essencial. Vamos, agora, ao secundário: ofereci 100 mil como uma ordem de grandeza. Se aprovarem 50 mil, 200mil ou 500 mil não há porque eu ficar contrariado, pois está respeitado o essencial (visto nas linhas mais acima) e a minha ordem de grandeza, baliza de como vejo a coisa, está também respeitada. Naturalmente, se aprovarem 1 milhão, estarão estragando minha proposta, mas, ainda assim, não estarão tocando no essencial.
1.2. Você diz que ao falar em quatro mandatos, chutou como eu. NÃO.
a. aqui, o essencial é acabar com a reeleição. Quer dizer, ZERO (0) de reeleição. Aspectos secundários seriam, por exemplo, definir o salário do parlamentar, se ele vai ter cargo ou não, se ele vai ter o direito de nomear assessores, etc. Se você tivesse proposto algo como 4 mil de salário; ou 4 assessores; ou 4 carros, você estaria procedendo como eu no caso dos 100 mil, isto é, oferecendo uma ordem de grandeza para um aspecto secundário. Mas NÃO. Você veio com 4 mandatos, o que ofende escandalosamente o que é essencial na minha proposta.
Sei que é difícil, mas faça um esforço – leia tudo de novo – e, então, você não poderá deixar de concluir que não entendera PATAVINA do que eu venho dizendo.
2. O caso da assessoria parlamentar
2.1. para mim, o essencial é acabar com a memória reificada NA REPRESENTAÇÃO. Impor o fluxo.
2.2. para isso, proponho o fim da reeleição.
Essa medida desarranja as rotinas da memória reificada, que estão sustentadas nas mesmas pessoas, esquemas, estruturas. Os próprios partidos serão redefinidos, pois os carreiristas que os controlam, com base nos instrumentos da memória reificada, já não terão como gerar obediência. Um Cunha ou um Renan terão de deixar o parlamento. PONTO.
2.3. as assessorias parlamentares são burocracias em que se sustenta a memória institucional, memória que é tão indispensável à vida pública quanto é indispensável para mim ter a memória do que acabo de escever na linha anterior deste texto. Ocorre que, com a reeleição, essa burocracia da memória institucional, que é necessária, é como que colonizada pela memória reificada dos carreiristas — ela foi sendo ajustada (e se ajustando) ao que eles precisam e requerem na sua prática nefasta. Com o fim da reelição, eu liberto essa burocracia para exercer o seu potencial benigno, pois lá há muita gente boa e ela foi pensada de modo muito acertado.
2.4. o seu medinho é o “poder que essa burocracia vai ganhar” e, em razão desse medinho, você faz uma proposta bem ao estilo dos seus 4 mandatos: trazer de volta a memória reificada que fora eliminada, como essencial, em 2.2 acima. Pior, você diz temer que a assessoria passe a atuar como representante profissional. Ou seja, além de avacalhar a lógica da coisa toda, você ainda não leva em conta que há uma coisa que se chama MANDATO – que quem manda é quem tem mandato. As assessorias, hoje, não servem aos deputados porque eles tem a força da memória reificada – elas os servem porque eles são detentores de mandatos. A força da memória reificada está em colonizar o trabalho das assessorias, não em faze-las trabalhar, pois a norma legal já cuida de faze-las trabalhar. Em suma, os sempre novatos da minha proposta, empurrados pela sociedade e pela própria vontade, vão poder demandar autonomamente das assessorias — sem, é claro, desprezar que assessores poderão ser objeto, e agentes, de interesses. Mas isso é a vida, oras, já é assim hoje e não me parece que ficaria pior em razão do fim da reeleição e da carreira.
Definitivamente, você não entendeu PATAVINA!!
3. Não se trata, ainda, de ser paciente com você. Sou paciente apenas com crianças, mulheres em TPM e adultos analfabetos. Crianças são 30% da população, mulheres sujeitas a TPM são 50% da população adulta e adultos analfabetos são, numa estimativa otimista, 75% da população adulta.
Assim, se o nome Anderson não esconde uma criança precocemente inserida no mundo dos adultos; se o nome Anderson não esconde uma mulher em TPM, só terei de ser paciente com você se você insistir em entrar para o último grupo mencionado mais acima.
Meu caro Carlos:
Suas críticas ao “distritão” e à coincidência dos mandatos, com eleições a cada cinco anos, são, na minha opinião, muito pertinentes. Direto ao ponto: são medidas restritivas. Acho instigante a ideia de que representação não é profissão e, por extensão, a proposta de vedação da reeleição de deputados e vereadores, embora tenha, desde que tomei conhecimento de sua proposta, uma preocupação com o poder que se daria, caso ela viesse a a ser adotada, às burocracias do poder legislativo. Burocracias perenes, representantes transitórios; corporações com a pretensão de “representar”, embora não tenham votos. Essa preocupação cresceu, de fevereiro para cá, depois que passei a assessorar uma deputada na Assembleia mineira. No entanto, o que me estimulou a fazer este comentário foram duas outras questões, sobre as quais gostaria de saber sua opinião: financiamento eleitoral e coligações em eleições proporcionais. O financiamento público já existe e, recentemente, triplicou. Do que se trata, nesse quesito, é da proibição de financiamento empresarial, nos moldes da proposta da Coalizão Democrática. O fim das coligações em eleições proporcionais , na pior das hipóteses, restringiria o mercado partidário que vicejou nos últimos trinta anos, para fortuna de uns poucos.
Forte abraço,
André Teixeira
Caro André, acabo de publicar uma resposta que dialoga com parte dos seus questionamentos. No sequência vou tratar dos outros temas. Abraço.