Carlos Novaes, 15 de abril de 2015
(atualizado em 16 de abril de 2015)
BESTEIRA 1: O financiamento de campanhas eleitorais por empresas é causa da corrupção; por sua vez, o principal problema do país. Portanto, precisamos de uma reforma política que institua o financiamento público de campanhas eleitorais.
1.1. – A) As empresas financiam campanhas eleitorais não apenas para obterem vantagens compensatórias via corrupção. Elas financiam políticos para garantirem o status quo e, sempre que possível, o alterarem de maneira controlada, segundo seus interesses. É um erro supor que os políticos que fazem o jogo dos grandes empresários são simplesmente venais (embora sejam também venais), e que o façam simplesmente por dinheiro. Não. Eles tem a mesma visão de mundo. Se fosse apenas uma questão de dinheiro, seria possível comprar políticos venais para aprovar políticas igualitárias. Mas isso é impossível porque eles estão lá selecionados pela peneira da ordem como ela é. A eleição deles é parte de uma imensa rotina, rotina essa ancorada na reeleição infinita para o legislativo.
B) Os montantes de dinheiro oriundo de corrupção revelados nos casos mais recentes deveriam ser suficientes para que se percebesse que uma corrupção dessa monta não se destina a campanhas eleitorais, por mais caras que sejam. Veja o dinheiro que as empreiteiras deram para campanhas: são quantias muito menores do que as envolvidas nos desmandos em que elas se enfiaram depois. O dinheiro da corrupção não é retribuição de financiamento de campanha, é dinheiro destinado a enriquecer os envolvidos, ou seja, dinheiro para políticos e lucros para as empresas – de novo: dinheiros esses que vão muito além do que se gasta em campanhas. Nessa engrenagem, o financiamento de campanha é o de menos. Suponhamos que conseguíssemos acabar com o financiamento privado de campanha (com todo mundo respeitando a lei aprovada…e não houvesse caixa dois…), por que razão isso acabaria com a corrupção se a corrupção, nesse caso, resulta da vontade de ser rico às custas do dinheiro público? Eles continuariam a roubar, leitor! Na verdade, o financiamento público seria o povo pagando a campanha de políticos que, uma vez eleitos, vão continuar fazendo o jogo dos grandes empresários, casando poder (política, Estado) com dinheiro (empresas, mercado), como sempre.
1.2 – O principal problema do país é a desigualdade e é ela que articula a máquina política como ela é, tal como discuti em série de quatro artigos recentes, iniciada neste aqui.
1.3 – A única reforma política de que realmente precisamos é o fim da reeleição para o poder legislativo, como já argumentei aqui, aqui, aqui, aqui e, sobretudo, aqui. Se mudar modelo eleitoral fosse solução, não haveria problemas nos países que adotam o que querem introduzir aqui…Ou o leitor acredita que na França, nos EUA, na Alemanha, na Espanha ou na Itália as coisas são muito diferentes? Cada um deles tem seu próprio sistema eleitoral…
1.4. – A) O financiamento das campanhas tem de ser privado. Temos de obrigar os políticos a correrem atrás do dinheiro como correm atrás do voto. Quem não consegue reunir um mínimo de apoio financeiro vindo de forma autônoma e espontânea da parte de cidadãos engajados não tem legitimidade para querer ser representante. Financiamento público só vai facilitar para que as coisas não mudem, pois os políticos vão ter a garantia do dinheiro público (o nosso) para as despesas básicas, e vão continuar com o caixa dois. Afinal, porque o financiamento público levaria ao fim do caixa dois, se hoje, com a legislação proibindo, o caixa dois impera? Se for para mudar alguma coisa, seria para instituir um teto nominal fixo e exclusivo (apenas para um candidato/partido) de contribuição, para pessoas e empresas, mas sem ilusões de que isso acabaria com o caixa dois.
B) O fato de os políticos divergirem sobre o fim do financiamento por empresas não deve nos confundir. Políticos de partidos com burocracias consolidadas e hierarquizadas sob seu controle (o PT é, de longe, o melhor exemplo), defendem o financiamento público porque o dinheiro público entraria via partido e, assim, ficaria sob controle dos hierarcas da burocracia. Políticos de partidos com máquina, mas sem cultura burocrática centralizada (o PMDB é, de longe, o melhor exemplo), recusam o fim do financiamento de empresas e a troca pelo financiamento público justamente porque isso diminuiria muito o poder individual que cada um ainda tem dentro da imensa máquina partidária, dando mais poder aos chefes do momento, os quais, por sua vez, sabendo do arranjo precário em que seu mando repousa (veja-se o poder repentino que um Eduardo Cunha ganhou contra mandões antigos, tipo Renan e Temer), preferem manter as válvulas de escape que a relação individual com as empresas garante. Ou seja, os dois lados só se unem se for para adotar o financiamento público complementar: nós, os contribuintes, entramos como trouxas e eles mantém a traficância com as empresas na ordem legal (sem prejuízo de algum caixa dois, claro) e ainda recebem o nosso dinheiro para satisfazer a raia miúda que os importuna pedindo algum para a campanha.
RESUMO 1: A corrupção em grande escala não resulta de um arranjo contábil inspirado na reciprocidade (como no caso do suborno do guarda de trânsito), mas da disposição de ser rico a qualquer preço, e de isso ser possível. A ideia de que todo desvio é a mesma corrupção é falsa e é uma maneira de naturalizar a coisa. Com o financiamento público de campanhas eleitorais vão bater sua carteira, leitor.
BESTEIRA 2: A terceirização de mão-de-obra se destina a aumentar a competitividade dos produtos brasileiros, sendo um modelo novo em que todos ganham.
2.1. – A competitividade dos produtos brasileiros não é baixa porque a mão-de-obra é contratada diretamente pelas empresas. Ela é baixa porque nossos produtos são fabricados de modo atrasado, desnecessariamente oneroso, caráter oneroso esse que não deriva de os salários e/ou os custos de mão-de-obra serem muito altos, mas de os processos de produção serem pouco rentáveis em razão dos baixos investimentos de proprietários que preferem entesourar a investir. A terceirização se destina a compensar as perdas com produção obsoleta via diminuição de custos com mão-de-obra. Ou seja, jogar a carga do atraso do país nas costas dos mais fracos, e continuar atrasado.
2.2. – Duas coisas básicas: primeiro, toda desregulamentação torna mais forte quem já é forte e ainda mais fraco quem já é fraco; segundo, toda mercadoria fica mais cara a cada intermediário pelo qual passa. Assim, primeiro, se a mão-de-obra é o pólo fraco do mercado de trabalho, não há como ela aumentar seu poder de barganha num modelo em que ela não negocia com quem compra sua capacidade de fazer alguma coisa, mas com quem compra a mera possibilidade de alocar essa capacidade; segundo, para que o intermediário da mercadoria “mão-de-obra” ganhe algum será necessário que um dos outros dois (patrão e empregado) perca: ou o patrão paga mais pela mão-de-obra ou a mão-de-obra passa a ganhar menos…
2.3. – O avanço dessa proposta na Câmara dos Deturpados é a primeira demonstração na arena política federal de que o pacto instituído pelo Real acabou: os muito ricos enxergaram na confusão instalada pelos escândalos de corrupção uma oportunidade de darem um passo adiante, saindo do jogo contemporizador do pacto que FHC iniciou e Lula continuou, como tenho discutido em vários posts deste blog, como aqui, aqui e sobretudo aqui. É por isso, porque essa proposta escancara que o pacto acabou (afinal, terceirizar é beneficiar os muito ricos às custas diretamente dos pobres), que Lula veio a público pedir o veto de Dilma. É por isso também que o PSDB se mobiliza contra a terceirização: ambos tem claro que o naufrágio é comum e que Eduardo Cunha está a serviço dos muito ricos, CONTRA os pobres. Agora o leitor tem mais elementos para entender porque defendi aqui que PT e PSDB se unissem contra a pretensão de Cunha de presidir a Câmara dos Deturpados.
RESUMO 2: A proposta de terceirização prospera porque os políticos profissionais entenderam que sua sobrevivência política depende muito dos laços com os grandes empresários e quase nada dos vínculos com o eleitor, uma vez que a rotina da reeleição infinita mantém todos sob inércia: os políticos na inércia de beneficiar a si e aos ricos; os eleitores na inércia de votar por votar, na qual se dá bem quem já é conhecido, sem relação com o que faz ou deixa de fazer. Por isso, duas coisas: primeiro, e mais uma vez, a grande mudança é acabar com a reeleição para o legislativo; segundo, a proposta de coincidência de mandatos de cinco anos é a deformação mais nefasta que poderia acontecer, pois dá mais mandato aos políticos e menos possibilidades de troca ao eleitor, que passaria a votar só de cindo em cinco anos, não de dois em dois, como hoje [e pensar que essa proposta, agora abraçada pelo PMDB (claro), foi lançada por Marina Silva, que dizia defender uma nova política!!].
BESTEIRA 3: A diminuição da maioridade penal para 16 anos vai contribuir para a diminuição da criminalidade e vai punir bandidos que se beneficiam indevidamente do fato de serem jovens.
3.1. – Encarcerar jovens de 16 anos só vai diminuir a criminalidade se ocorrerem duas coisas: primeiro, se a mudança levar os jovens de 16 anos a mudarem de atitude; segundo, se os jovens de 16 não forem substituídos por jovens de 15 anos. Pois bem, acreditar que a mudança vai levar os jovens de 16 a reavaliarem sua conduta é ignorar que a entrada na vida do crime não é uma decisão racional, tomada num momento de cálculo da relação custo-benefício. Não. Entrar para o crime é uma prática gradual, que se constrói ao longo de anos na vida de crianças a quem faltou família, escola, saúde e trabalho (para os pais). Alguém socializado assim vai encarar a maioridade penal como um transtorno a mais a ser enfrentado. Ponto.
De toda maneira, se a nova maioridade levar a alguma diminuição na oferta de mão-de-obra para o crime, haverá uma valorização dos que tem 15 anos. Considerando que nesse meio juvenil de insegurança e baixa auto-estima a dimensão do “reconhecimento” joga papel fundamental, não será de surpreender se a nova maioridade levar a um aumento da criminalidade, pois aos de 16 que continuarão no crime se juntarão os de 15, de 14… que se verão “promovidos” de uma hora para outra (v. o romance de Paulo Lins, Cidade de Deus – outra coisa: observe o recrutamento do EI junto a adolescentes…).
3.2. – O encarceramento do criminoso não é uma punição. Encarar assim a sentença de prisão é reconhecer que o condenado, uma vez cumprida a pena, tem todo direito de delinquir novamente, pois já pagou pelo que fez. Não. Encarcerar se destina a proteger a sociedade do criminoso e, ao mesmo tempo, conquistá-lo pela oferta de meios para que ele não volte a delinquir. A rigor, a prisão deveria suprir com itens afins toda a lista de itens faltantes que levaram o individuo ao crime, descrita mais acima: família, escola, saúde e trabalho.
RESUMO 3: Se for aprovada, essa mudança na maioridade penal vai levar a um aumento da criminalidade que está ao alcance e/ou depende dos jovens.
BESTEIRA FRESQUINHA: ontem publiquei este Post. Em artigo de hoje na página dois da Folha de S.Paulo há uma barafunda fantástica sobre o tema da maioridade penal, que ilustra o besteirol como nada antes. Depois de mostrar-se adepto do “punir severamente” os criminosos, o autor, sem assumir que o que o levou a escrever o artigo é o fato de ser a favor dessa besteira de redução da maioridade para 16 anos, desdiz seu próprio “argumento” “científico”: depois de dizer arbitrária a definição de 18 anos (como se isso não fosse inevitável, uma vez que em algum parâmetro temos de parar a contagem), ele sugere um escalafobético exame clínico para… maiores de 16 anos!! – dei uma gargalhada quando li isso, especialmente porque depois de grafar “16 anos” ele pôs um ponto de interrogação… Em suma, segundo ele, no melhor estilo Kiko (o do Chaves) “18 anos é arbitrário; que tal 16?”.
BESTEIRA 4: Com a chegada ao poder federal o PT se deixou desvirtuar, se afastando da sociedade, se perdendo em práticas erradas e entrando nessa crise em que se encontra, da qual só sairá se voltar às origens.
4.1. – a burocratização oligárquica do PT é muito anterior à chegada de Lula à presidência e foi consolidada no primeiro Congresso do partido, em 1991, como apontei há mais de 20 anos, aqui. O caso Lubeca, de 1989, foi apenas o primeiro que chegou à luz, embora logo abafado. Depois vieram, só para citar os mais notórios, o caso denunciado corajosamente por Paulo de Tarso Vencesllau (1993), o rompimento de César Benjamin com conhecimento de causa (1995) e a morte do Celso Daniel (2002). O partido que chegou ao poder federal em 2003 já estava organizado e preparado para aderir ao pacto do Real, para o mensalão, para proteger Delúbio, para esquecer a bandeira do fim do imposto sindical, para amparar Palocci, para defender Sarney como um brasileiro acima dos outros, para se vangloriar de que os bancos nunca ganharam tanto dinheiro como sob seu poder, para lotear a Petrobrás, para sustentar Vaccari. Basta?
4.2. – O PT desenvolveu tal expertise em matéria de manipulação de valores morais que inventou essa história de que sua imersão no dinheiro da corrupção foi resultado de ter de entrar no jogo para poder sobreviver. É daí que vem a tese do financiamento público de campanhas. Querem nos fazer acreditar em duas patranhas numa jogada só: que o dinheiro da corrupção foi só para campanhas (o que de todo modo seria inaceitável) , e que o financiamento público se destina a moralizar a política, e não a aumentar o domínio dos hierarcas sobre a máquina, deixando ainda menos espaço aos inocentes úteis que ainda continuam a lutar por um outro PT.
4.3. – Crise comporta alternativa. O caso do PT não é de crise, é de esgotamento. O PT acabou; e acabou porque se mostrou igual aos outros, que tampouco alternativa são. Mesmo que o PT tivesse energia para voltar às origens, o que não tem, a sociedade já não disporia de trouxas em número suficiente para sustentar uma farsa dessas. O que não quer dizer que essa burocracia formidável não possa vegetar por mais algumas eleições.
BESTEIRA 5: O Brasil é uma nação maravilhosa e precisa de um projeto de país que dê ao seu povo uma vida menos infeliz e nos conduza ao lugar que merecemos no concerto das nações.
5.1. Uma nação que comporta essa desigualdade não pode ser maravilhosa. Não carecemos de projeto, já os temos, e tivemos, até demais. Temos até profissionais de projeto, que os fazem a quem pagar, um melhor do que o outro. Mas de que adiantam projetos se não há força política relevante que queira implementá-los?
5.2. O conserto das nações é uma desafinação só, pois cada uma é horrível à sua própria maneira. Não há exemplo a seguir, modelo a imitar, parâmetro a alcançar. Tampouco há saída para um só país num mundo em que está a faltar água.
RESUMO 5: Antes de buscar o conteúdo (projeto), temos de alterar profundamente a forma (instituições). O caminho da mudança está bloqueado pela couraça da rotina. Para sair dessa, é básico acabar com a política como profissão, tirar todo mundo da inércia e só então nos lançarmos a uma verdadeira controvérsia sobre o caminho a seguir, como defendi aqui, aqui e aqui.
Perseveremos Novaes ! Perseveremos.
Alvaro,
quando escrevi eles estavam contra. Parece que, agora, o Aécio (que não entende patavina do que está em jogo) se afasta ainda mais do FHC (que entende e faz o jogo) porque imagina que seu futuro depende de o quão anti-Dilma se mostrar (cada um escolhe o espelho em que consegue se enxergar…).
Novaes
Novaes, o PSDB não está a favor da terceirização? O Aécio declarou que fará de tudo para aprovar o PL 4330.
Carlos Novaes está, como diz um conhecido, “metendo a real”. O Novaes merece espaço na grande imprensa.
Carlos Novaes, agradeço por estar de volta e por perseverar, pois assim nos ajuda a perseverar também!
Só vejo críticas à corrupção, pedidos pela cabeça de uns, mas quase nada é sugerido para por realmente um freio à essa mazela.
Seria uma solução, ou um mitigador, para a corrupção que os que vierem à exercer cargos políticos – e seus congêneres – tivessem automaticamente seus sigilos fiscais e bancários passíveis de acompanhamento público?
Outra questão: os contratos firmados pelos governos (federal, estadual, municipal) não poderiam ser sujeitos à avaliação por auditorias? As auditoras sendo apontadas por diferentes interessados: governo, movimentos sociais, jornalistas, ou a quem mais possa interessar? Tornaria-se um caos a aprovação de qualquer projeto ou haveria algum ganho? Qual o problema dessa proposta?
Concordo com você quanto ao financiamento das campanhas. Sou contra o financiamento público. Se esses partidos são realmente representativos, que levantem dinheiro para suas campanhas junto aos simpatizantes. Acho até desse modo a mentalidade política dos brasileiros poderia ser beneficiada.
Obrigado e desculpe me estender.