Carlos Novaes, 29 de agosto de 2015
Se toda crise traz alguma desorientação, a combinação de “crise” política fajuta com crise econômica real desorienta muito mais. A tônica na mídia e no meio político profissional diante dos últimos lances de Dilma pode ser resumida numa palavra, suicídio, termo, aliás, empregado por vários analistas. Penso diferente. Ao pretender a volta da CPMF Dilma demonstra que não abriu mão de exercer as funções de presidenta, por mais que isso contrarie aqueles que almejam remove-la do cargo — o que não quer dizer que o gesto tenha melhorado sua situação, pois ao propor a volta de um dispositivo controverso que, ainda por cima, é um “imposto”, Dilma atiça o alarido contra si. Mas é justamente aí que está o núcleo do que há de desafiador na situação, e que reclama análise. Vou tentar.
Tal como quem corre de uma tempestade, Dilma vem buscando se colocar um passo adiante dos que querem lhe tomar o mandato. Um mandato que ainda não pôde iniciar porque colocaram na conta dela uma “crise” política pela qual a responsabilidade dela é mínima: a “crise” política é o modo de apresentação da desorientação em que se encontra o mundo político profissional que, de tão apartado da sociedade, não tem nela ponto de apoio para arbitrar um novo modo de partilha do butim e, assim, está a depender tão-somente de ganhar tempo para ver como sai da encrenca, se pondo a gerar tanta confusão e alarido midiático quanto seja capaz — e o que não falta é jornalismo néscio, afeito ao papel. De modo que a crise econômica real, que Dilma seguiu chocando no primeiro mandato, veio à luz sem que a presidente reeleita possa enfrentá-la com a força da presidência porque quem quer retirá-la do cargo escolheu como ideal a reunião de dois mundos: culpá-la pela crise (em que ela tem culpa, mas que resulta de lances dados desde o início do Real, que na crise se desfaz) e, cinicamente, impedi-la de enfrentar essa mesma crise, mesmo quando ela propõe medidas que são também as desses seus opositores — e o país que se dane, claro!
Ora, ao propor a volta da CPMF Dilma está tentando governar. Ou seja, ela não está deixando-se intimidar pelo alarido da “crise”, ela mostra que não acovardou-se diante da ameaça real de impeachment, ela deixa claro que tudo fará para não se tornar um Sarney, ela exibe disposição para enfrentar a crise econômica que massacra o país. Não é pouco, especialmente quando sabemos das limitações políticas e do despreparo da presidente (pergunto: quando e onde limitação e despreparo foram razões para impeachment, leitor!?). É nessa moldura que as reações de Renan, de Temer e da miuçalha que o p-MDB sateliza devem ser examinadas. Ao tentar dar um passo adiante da “crise”, ao tentar governar o governo e, então, o país, Dilma ameaça desgarrar-se da “crise” e, assim, o p-MDB puxa a presidente de volta: eles a querem em meio à “crise” em que estão, para que tudo pareça a mesma coisa — e, claro, não se importam que a crise econômica piore, pois estão certos de que o país sobreviverá, não importando os sofrimentos materiais impostos à sociedade que, despreparada e desorientada, se deixa levar.
Renan fala em “tiro no pé”, Temer faz fintas diversionistas em torno de sua lealdade à presidente pretendendo dizê-la desleal, quando ela só está tentando governar (vice é vice, oras!). Tudo isso precisamente porque as possibilidades de impeachment são menores a cada dia — eles precisam da ameaça do impedimento da presidente para tentar arrastá-la, a contragosto dela, àquilo a que Sarney, de bom grado, se abandonou: refém das negociatas no Congresso comandando pelo p-MDB, secundado por forças satélites que, como ele, sobreviveram à ditadura e recuperaram energia justamente porque PT e PSDB as realimentaram na luta inglória (e bota inglória nisso) em que se engalfinharam. A desorientação é de tal ordem que “analistas” e leitores tem se lançado a reclamar de Dilma justamente quando ela tenta se desvencilhar dessa mixórdia, quando ela tenta, ainda que cheia de culpa no cartório, é verdade, fazer uso da procuração que recebeu de um modo que, ao enfrentar a crise econômica que maltrata a sociedade, também tenta evitar que o rearranjo da política profissional se dê segundo o velho modelo que infelicita essa mesma sociedade que, de tão inerme em sua face desorganizada, e de tão oligarquizada em sua face organizada, mesmo diante dessa desordem não exibe nenhuma força de transformação. Dilma ainda é a alternativa menos ruim.
Fica o Registro:
– Ao reclamar da volta da CPMF, a Fiesp exibe dupla falta de idoneidade: primeiro, porque essa Federação, por interesse e dever de ofício, sempre irá reclamar de impostos; segundo, porque ela é presidida por um político do p-MDB no qual o que não falta são ambições políticas desprovidas de escrúpulos.
– Ao se lançar à presidência em 2018 Lula faz um salto triplo: adverte os que ainda tentam aprofundar suas perdas com a Lava Jato. como a dizer que pode incendiar a lona do circo; deixa claro que estará na oposição de um governo que suceda Dilma antes de 2018 e inicia a arregimentação das forças burocráticas e oligarquizadas que colonizam a energia transformadora insciente e insipiente que há no país. Dentro das suas limitações, é uma jogada de quem está lendo com argúcia a situação política.
– Ao ameaçar com o Código Penal os críticos dos políticos profissionais, a Câmara dos Deputados de Eduardo Cunha crava mais um prego no profissionalismo político. Definitivamente, leitor, Chega dos mesmos! Pelo fim da reeleição no legislativo.
– Aécio declarou que nos desdobramentos da Lava Jato Cunha terá de se afastar da presidência da Câmara, no que foi prontamente desmentido pelos parlamentares do próprio PSDB que preside — é “crise” para ninguém botar defeito, não é não?
– A proposta de pacto em torno de sepultar o impeachment e levar até o fim a Lava Jato (mas que grande ideia!!) é chover no molhado, afinal, é justamente isso que vem ocorrendo há semanas, a despeito do alarido da mídia, das jogadas dos políticos profissionais e da sapiência de certos analistas. E as coisas se passam desse jeito porque o velho não morre e o novo não tem forças para nascer, e não porque ainda restam políticos responsáveis e que amam o país… Não há nem força transformadora, nem uma “força política maior” que resolva a situação de uma maneira ainda mais favorável aos muito ricos, como o presidente da Fiesp reclama (deve ter saudades de 1964). No final, não vai faltar pai dessa “ideia” de pacto salvador, que não foi ideia de ninguém, mas mero resultado do empate lamacento em que estamos metidos.