Carlos Novaes, 30 de setembro de 2015
(com atualizações, no título e lá no final, em 01 de outubro)
Quem acompanha este blog não foi surpreendido por nenhum dos lances que receberam destaque da mídia convencional nas últimas duas semanas, hoje em especial:
1 – a “crise” política está ainda mais próxima do fim, tendo, enfim!, ficado claro para todo mundo que a crise econômica não comandou o início, não comanda o transcurso, nem comandará o desfecho dessa “crise” política fajuta;
2 – Dilma já não faz diferença e o p-MDB parece ter encontrado na sarneyzação do governo um novo teatro de operações para suas disputas internas, que só conhecerão um rearranjo em sua rotina de toma-lá-dá-cá depois de os mortos e feridos da Lava Jato serem contados;
3 – Lula apóia esse (e se apóia nesse) rearranjo do p-MDB, pois para ele a campanha de 2018 já começou e só mais lá adiante será possível divisar qual dos p-MDBs vai engendrar uma renovação da aliança com ele (veja bem, com Lula, não necessariamente com o PT);
4 – Lula se “empenha” por Dilma, mas só depois de ter deixado claro que não concorda com o ajuste (com o olho em 2018, joga nas duas pontas, portanto) e, por isso mesmo, faz um movimento duplo: vai para dentro da máquina petista no fito de conduzi-la a aceitar o papel de coadjuvante num governo de ajuste que ela um dia julgou controlar; e deixa correr a gritaria contra esse mesmo ajuste, liderada por intelectuais a ele ligados.
Ao se dizer mero observador da montagem do “novo” ministério (enquanto articula ferozmente para não perder espaço), e ao se reunir com as lideranças pró-impeachment, Temer deu mais dois passinhos para manter sua assunção à presidência da República como uma das variantes de desfecho da “crise”, ao mesmo tempo em que cuida de não sofrer um desgaste irremediável se Dilma ficar, sendo evidente (para nós e para ele) que essa possibilidade vai ganhando terreno a cada dia, terreno este ganho na exata medida em que Dilma se aguenta na condição de “rainha da Inglaterra”, ainda que, talvez, sazonal.
Um dos mais empenhados nesse jogo de conferir, ou não, o cetro a Dilma é Cunha, que vem explorando suas prerrogativas de presidente da Câmara em três sentidos diferentes: contra as pretensões do vice da República (aliás, essa é a razão de Temer ter ido ontem ao aniversário de Cunha para “garantir” que não há nada que afaste os dois…); fustigando Dilma, com manobras em torno dos pedidos de impeachment; e, de modo a alcançar seus interesses mais imediatos, fazendo indicações para o ministério (num governo que já é do p-MDB) e tentando garantir a continuação do financiamento eleitoral por empresas — tudo isso enquanto busca se safar da onda da Lava Jato que contra si se avoluma, agora com a participação direta da justiça suíça.
De modo que a continuação de Dilma no cargo está a ser obtida precisamente pela razão cuja possibilidade vimos explorado aqui: a presença de Dilma impede um p-emedebista na presidência de um governo do p-MDB, permitindo ao partido continuar a ser uma máfia, mas sem um Corleone. Em outras palavras: nesse trecho da “crise” em que o rabo vem abanando o cachorro, as calculadas manobras de Temer para virar presidente da República chegaram a ser plausíveis, mas parecem ter esbarrado na única força institucional realmente capaz de detê-lo: o p-MDB, que não quer a ele, nem a nenhum outro correligionário, como chefe incontrastável.
Assim como desde os tempos da ditadura, o país está a servir de massa para as manobras dos políticos profissionais que abduziram a política, transferindo-a da sociedade para os organismos de estado que controlam, rotinização para a qual a expertise do p-MDB lhe garantiu a titularidade, com Lula correndo por fora, como titular absoluto na prestidigitação em que reúne um simulacro de vitalidade democrática com uma representação fajuta dos interesses populares. Mutatis mutandis, Lula alargou o picadeiro em que exibia seus talentos, com a correspondente ampliação da lona: antes seu carisma manobrava a máquina petista e dela se lançava ao eleitorado; agora ele busca fazer um pas de deux com a máquina partidária e governamental do p-MDB, não sendo de subestimar o que Lula e Cunha poderiam fazer juntos se este último alcançasse o que o primeiro parece ter conseguido: escapar à Lava Jato. Se, como é mais provável, Cunha sucumbir e Lula permanecer criminalmente inatingido, o ex-metalúrgico terá todo o resto do governo do p-MDB para tentar costurar uma frente conservadora contra o bloco reacionário de Alckmin em 2018, bloco no qual a PM com pretensões políticas deverá jogar um papel não desprezível (voltarei a este tema).
Ah! sim, os tucanos… bem, se não aparecer evidência de crime contra Dilma, a eles só restará continuar a fazer o que já vêm fazendo: crocitar, corvos que são, pois a briga é de cachorro grande, e que sabe o que quer. Na hipótese remota de aparecer novidade criminal contra Dilma, o PSDB terá o que comemorar, mas abrindo novas fissuras internas, enquanto o p-MDB não poderá fugir do desafio de ter sua luta interna arbitrada por um dos seus e, então, a instabilidade do braço político do establishment ganhará novo desenho. Ainda assim, Lula não estará por baixo.
01 de outubro, Fica o Registro:
– Eduardo Cunha foi apanhado e as consequências ainda são imprevisíveis. Ele pode querer dar uma de Maluf e, então, provocar tanto dano quanto ainda possa. Nesse caso, tendo que dar por perdida a disputa com Temer, vai fazer tudo o que puder para derrubar Dilma e Temer juntos, e nós, então, teremos a prova definitiva de quem é quem entre os tucanos. Há poucas semanas, depois de dizer que Cunha não poderia ficar na presidência da Câmara uma vez denunciado, Aécio foi levado a recuar por pressão de sua própria bancada, tendo até mesmo telefonado para Cunha para se desculpar! Como ele irá se comportar agora, diante da possibilidade de a raiva de Cunha ser-lhe útil enquanto o ogre do Rio estiver no cargo? E, diante disso, como se conduzirão FHC e Alckmin?
– O relator das contas de Dilma no TCU, Augusto Nardes, informou hoje (01/10) ter encontrado 40 bilhões de reais em “pedaladas fiscais”, e indica que vai propor a rejeição das contas do primeiro governo Dilma. Se no julgamento marcado para a próxima quarta-feira ele for acompanhado pela maioria do plenário do TCU, se terá pretexto jurídico para um pedido de impedimento da presidente. Considerando que a desgraça de Cunha abre caminho para as ambições de Temer, dando alento novo à luta interna do p-MDB, a “crise” poderá recrudescer no exato momento em que havia indicações de que o p-MDB se acomodara à sarneyzação do governo Dilma, cujo “novo” ministério ela anunciará amanhã. Vamos ver.
– o Deputado Molon, do Rio, tido como “progressista” (o que isso virou, afinal!?) deu entrevista hoje (01/10) dizendo que Cunha na presidência “mancha a imagem da Câmara dos Deputados”. Eis a versão mais acabada do “cretinismo parlamentar”, quando a essa altura dos escândalos que nos são oferecidos pelos políticos profissionais um “virtuoso” que esperou até ontem para sair do PT elege como prioridade a imagem dessa Câmara podre! Chega dos mesmos!
Se as contas de Dilma forem realmente reprovadas,existe legitimidade no pedido de impeachment?