Carlos Novaes, 13 de abril de 2016 — (23:00 h)
No artigo imediatamente anterior, vimos que na discussão dos motivos invocados para o impeachment do presidente da República deve-se levar em conta aspectos jurídicos e aspectos políticos, não sendo por outra razão que o Judiciário-judicação (STF) e o Legislativo-representação (Congresso) são parte do rito democrático exigido para a discussão e a decisão acerca do eventual afastamento do titular do poder Executivo-gestão. Não obstante esse almejado equilíbrio institucional entre os três poderes, pelo qual a Constituição obriga à obediência recíproca entre o político e o jurídico, como a tramitação do processo se dá no Congresso, casa da política na qual se tomam as decisões pertinentes finais, toda proposta de impeachment de presidente da República assume um sentido predominantemente político. Em uma democracia consolidada esse rito politizado não traria problemas institucionais, pois seria o próprio exercício da democracia.
Numa democracia não-consolidada como a brasileira, porém, o sentido predominantemente político do impeachment se tornou a senha para um vale-tudo Congressual que atesta de modo cabal que não vivemos sob um Estado de Direito Democrático – tudo se passa como se política fosse sinônimo de vontade arbitrária da maioria (não foi à toa, aliás, que já no clássico O Federalista, em seu capítulo X, Madison se ocupou de conceituar a maioria facciosa, que é a perversão da ideia de maioria democrática — e, em nosso caso, tudo é ainda pior, pois não se trata sequer de uma maioria facciosa orgânica, mas de um verdadeiro ajuntamento faccioso majoritário). O vale-tudo mencionado aparece seja na peça processual propriamente dita — pois, como dito no artigo anterior, nem na inicial de Bicudo e Reale, nem no parecer do relator se nota qualquer fundamentação jurídico-política digna desse nome para sustentar seu desejo de impeachment —, seja nas ações dos políticos que, para cúmulo, nos oferecem uma batalha aberta entre a presidente e seu vice, como se um embate desses não fosse a própria negação da presumida maturidade democrática do país.
Nessa batalha que opõe traidores a fariseus temos o vale-tudo configurado, de um lado, nas negociatas promovidas pela presidente que busca preservar seu mandato com métodos inteiramente coerentes com a forma nociva com que o exerceu até aqui; e, de outro lado, na desenvoltura do vice, duplamente escandalosa, pois ele não apenas se tornou protagonista aguerrido na defesa de seus próprios interesses sucessórios, como o faz promovendo a mesma feira que condenou à corrupção e à ineficácia o governo que compartilhou com sua companheira de chapa – nesse aspecto, quando relembramos a conduta decente do vice Itamar Franco quando do impeachment de Collor, temos que ir além de Marx e concluir que, no Brasil, a história se repete não exatamente como farsa, mas como pornochanchada.
Essa politização deformada como vale-tudo atingiu também o Judiciário, pois agora podemos concluir que, a depender dos juízes (ou seja, se não atuarmos na rua), a unilateralidade da Lava Jato se tornou irreversível. Essa unilateralidade, que já discuti aqui e em outros textos deste blog, chegou a tal ponto que tornou-se ela mesma uma variante política espúria de todo o processo. Aos vazamentos seletivos de Moro, alguns deles em momentos calculadamente cruciais, juntaram-se escolhas do Supremo que permitiram o avanço dos inimigos da Constituição, reforçando os aspectos autoritários do nosso Estado de Direito. Além de não terem prosperado as investigações contra os políticos que vão se fazendo vitoriosos nesse golpe contra a Constituição, a interdição da posse de Lula no ministério, seguida da não-decisão sobre a constitucionalidade de sua nomeação para a Casa Civil, fizeram dos juízes do Supremo cúmplices do ataque contra a Constituição: eles deixaram no limbo matéria constitucional da maior relevância para o momento político do país apenas para manietar o governo na luta contra seus opositores. Ou seja, os juízes do STF privaram a sociedade de uma orientação jurídica crucial porque preferiram os resultados políticos da solerte escolha facciosa que fizeram: que a não-investidura de Lula exercesse todo o seu efeito danoso contra Dilma. Que Estado de Direito é este? Tentarei dar resposta a esta pergunta na série de artigos que se iniciará no próximo post.
Novaes, você fala muito sobre a questão de ter maioria ou não no congresso, e sobre as consequências de cada escolha, inclusive citando o caso do Obama, nos EUA, que governa sem maioria há algum tempo, e mesmo assim governa; mas no nosso caso, com esse congresso e congressistas irresponsáveis que nós temos, seria possível isso aqui ?, vide o caso Dilma: nos poucos casos em que tentou governar, ela foi praticamente sabotada pela oposição e pela própria base ” aliada”, os quais a tiraram, por diversas vezes, os instrumentos para que ela governasse; o que eu quero dizer é o seguinte: um governo autônomo,que não se submetesse ao fisiologismo, não correria o sério risco de ficar muito isolado e, portanto, ingovernável?