FACCIOSISMO REPUGNANTE

Carlos Novaes, 22 de setembro de 2016

O Estado brasileiro se acha ocupado por facções entrincheiradas que lutam pelo poder para preservar os próprios interesses, que são, em última instância, subalternos ao interesse maior dos muito ricos: a manutenção da desigualdade. Por razões que já explorei em três das séries mais recentes publicadas neste blog, e em outros artigos conexos, esse blocão convulsionado formado pelos maiores partidos brasileiros assentados no Congresso (representação), por grandes empresas (mercado), por setores fundamentais da burocracia estatal (Judiciário e polícias) e pelo Executivo (gestão), esse blocão, como eu dizia, está de costas para a sociedade e briga entre si pelo proveito a ser tirado da ira popular que este descaso, deles próprios, gera.

Alguns lances recentes permitem ilustrar com clareza esse jogo nefasto:

– A aprovação em comissão do Senado (representação) de restrições à distribuição do Fundo Partidário, à posse em mandatos e do tempo de TV aos pequenos partidos.

A propaganda diz tratar-se de medidas para restringir o incentivo à manutenção e à criação de partidos de aluguel, melhorar a representação e tornar menos custosa a obtenção da governabilidade. Tudo falso, assim como outras feitiçarias, de que já tratei aqui.  No caso do Fundo Partidário, a mudança reforçará com mais dinheiro os partidos que já são grandes, distorcendo ainda mais nossa dinâmica de representação. Como há tempos defendi aqui (artigo onde também adverti sobre o papel futuro de Cunha na articulação da miuçalha da Câmara) e aqui, o Fundo Partidário tem de ser extinto, não concentrado em benefício de poucos. Isso sim acabaria com o incentivo aos partidos de aluguel. Temos de obrigar os partidos a correrem atrás do dinheiro, assim como têm de correr atrás do voto. O fato de que o p-MDB, nosso mais vistoso partido de aluguel, sairia dessa manobra com ainda mais dinheiro público é uma evidência de que essa mudança não nos serve.

No caso da restrição à posse em mandatos, a cláusula de barreira pretendida vai levar à perda de representação, reforçando o poder das rotinas já encasteladas no Congresso contra as forças da mudança atuantes na sociedade. Junto com o reforço da concentração do dinheiro do Fundo Partidário nos que já são grandes, a cláusula de barreira poderá significar o fim dos pequenos partidos autênticos, digam-se eles de esquerda ou de direita. Se somarmos a isso as restrições no acesso à TV, verdadeira mordaça contra quem pensa diferente, teremos o pior dos arranjos possíveis quando se pensa em consolidação da democracia.

O correto seria extinguir o Fundo Partidário (medida que seria mortal para os muitos partidos de aluguel de pequeno porte), se mantendo as normas atuais para a posse nos mandatos e distribuindo-se de maneira mais democrática o tempo de TV. As dificuldades que uma dinâmica de representação (Legislativo) desse tipo imporia para a gestão (Executivo) não seriam maiores do que aquelas que vêm sendo impostas pelos partidos de aluguel, sejam eles grandes ou pequenos. Na verdade, os cardeais do Congresso imaginam que essas mudanças tornariam mais fácil para eles submeter seus ávidos subordinados. Talvez eles tenham razão nisso, mas o custo para nós desse “sucesso” não seria menor do que esse que já vimos pagando pela briga miúda deles, pois a avidez final continuará a mesma.

 – Tentativa de descriminalização, na calada da noite e sem prévio aviso, dos esquemas de caixa2.

Ao lado da lei já aprovada, com o beneplácito do PT e do PSDB, para o repatriamento de dinheiro escondido, essa manobra tentada ontem, também com a participação de PT e PSDB, é das mais emblemáticas no esforço deles para conter o que ainda pode haver de danoso ao sistema político enquanto tal no teatro de operações da Lava Jato — sem prejuízo do que de danoso a facção paranaense ainda possa trazer ao PT, visto que não se trata de uma conspiração, mas de luta política no âmbito de uma abóboda de convergências ditadas pela profissão de político. Em suma, enquanto Temer marcha na direção da reação, o banditismo avança no Congresso Nacional, e a facção paranaense aprofunda seu unilateralismo espetaculoso contra o PT, como nessa prisão do ex-ministro Guido Mantega, revogada por Moro tão logo se deu conta de que havia, mais uma vez, ido longe demais.

Lá onde não chegar nosso cinismo é que será o ponto de partida para uma transformação nesse estado de coisas intolerável.

 

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