Carlos Novaes, 02 de setembro de 2021
Tempos atrás, por ocasião do caso Silveira, apontei aqui que
“Bolsonaro está, desesperadamente, girando o hagadezinho para encontrar um meio “cortês” de fazer campanha eleitoral fingindo ser antissistema, mas perfeitamente integrado ao jogo de facções. O ensaio “descortês” feito há poucos meses, que analisei aqui e aqui, não deu certo, e a teatralização didática daquele fracasso está sendo justamente esse caso Silveira.”
Bolsonaro é tão tosco, manjado e previsível que, quando ele fala, a realidade torna-se didática! Permitam-me ser minucioso; prometo que vai compensar.
É que o besta fez hoje uma indagação e uma promessa que parecem triviais, mas que, uma vez entendidas, concentram aspectos centrais da situação política:
(i) A indagação: “Alguém já me viu brigando com algum Poder, alguma instituição?”
(ii) A promessa: “Ninguém precisa temer o 7 de setembro”.
Com a indagação cínica (i), ele, com o rabo entre as pernas, busca normalizar seus blefes como coisa de campanha, deixando claro que não quer confusão para além da fanfarronice verbal, que alimenta as mídias, alarma os tolos e é útil aos espertos de um e de outro lado.
Com a promessa (ii), o besta demarca para os seus seguidores que não quer confusão na abertura de sua campanha eleitoral. Ou seja, o verniz cínico faz da promessa um recado.
A reunião dos dois lances deixa claro que Bolsonaro julga ter encontrado a fórmula que procurava: um meio “cortês” de fazer campanha eleitoral fingindo ser antissistema.
Observe bem a diferença, leitor, pois é nela que está evidente que não há, mesmo, o que temer desse jegue manco: embora tanto nas manifestações do ano passado como na de agora o blefe tenha papel central, a diferença entre aquele ensaio “descortês” e o 7 de setembro “cortês” está em que, agora, o próprio blefador desmentiu o blefe antes do fim da jogada. Por que?
Primeiro, porque sabedor de que não tem condições de dar um golpe, ele tem de jogar todas as suas fichas na via eleitoral (insistir em arruaças assusta seus próprios seguidores, gerando medo de ir à manifestação);
Segundo, porque ele está cada vez mais isolado, com o cerco das facções contrárias no exercício faccioso dos poderes institucionais se fechando consideravelmente em torno dele e dos seus;
Terceiro, porque ele precisa aproveitar a abertura da campanha eleitoral, o 7 de setembro, para consolidar entre os seus eleitores mais motivados a maneira “cortês” de fingir ser antissistema. Ou seja, ele precisa que os tolos engulam, sem se dar conta, o estelionato ideológico de que têm sido vítimas, afinal, eles têm sido insistentemente chamados para uma ruptura e tudo sempre acaba em acomodação com o Centrão… (que, por sua vez, já vai dando sinais de dificuldades para se acomodar…)
Quer dizer, é melhor essa minoria desorientada já ir se acostumando, pois vai ter que seguir essa cartilha sabendo que a única maneira (improvável) de passar de minoria à maioria eleitoral é haver algum desastre incontornável (e improvável) do outro lado. Ou seja, por meio de blefes o eleitorado de Bolsonaro foi levado a viver permanentemente sob o estado febril do garimpo: tudo o que há para eles é lama, mas em algum lugar deve haver uma gema em que pôr as mãos. Isso explica porque, contra toda evidência real, os bolsonaristas garganteiam certeza na vitória já no primeiro turno.
O problema é que o dia da eleição está longe e há um mundo de Brasil ruim daqui até lá. Não tem como dar certo.
FICA O REGISTRO:
Por falar em “estelionato”, a Folha de S. Paulo noticiou agora à noite atitude da FEBRABAN que não pode deixar de ser interpretada como um rompimento com o estelionato de representação praticado por Paulo Skaf, presidente da Fiesp em fim de mandato. Resumindo: a FEBRABAN mantém seu manifesto contra o golpismo e diz ao BB e à Caixa que façam como quiserem. Ficou tudo ainda pior para Bolsonaro, ainda que nunca seja demais assinalar que esse empresariado não merece confiança quando se pretende um Estado de Direito Democrático para o Brasil.
Outra coisa:
Aos interessados no realismo literário na Rússia do século XIX, informo que no curso deste mês de julho concluí a versão final do meu livro sobre as relações que julgo ter descoberto entre obras dos escritores russos Ivan Turguêniev e Aleksandr Púchkin. A mera leitura dos índices do meu trabalho mostra que o estudo do material literário me levou a interpretar de maneira nova passagens decisivas de Eugênio Oneguin e de Notas de um caçador.
Eis o link para a versão integral do livro, em formato .pdf:
LITERATURA CONTRA IMOBILISMO NA RÚSSIA DO SÉCULO XIX
Realismo literário como crítica em obras-primas de Aleksandr Púchkin e Ivan Turguêniev
Professor,
Impressionante como sua análise vai de encontro da grande mídia e como é certeira. O sr. deduz que Bolsonaro irá conseguir sustentar essa retórica até meados da eleição? e o senhor acredita que programas como Renda Brasil, além do auxílio Emergencial e eventualmente a diminuição do impacta da pandemia, podem ajudar o Besta em uma virada?
Abraços professor, continue, por favor.
Não vejo como Bolsonaro possa sustentar o estelionato ideológico até a eleição, nem tenho dados que permitam concluir, como muitos fazem, que o besta ainda possa se recuperar. Até onde vejo, ele perdeu. O que não sabemos, mesmo, é quem vai sucedê-lo.