Carlos Novaes, 31 de março de 2018
Se a democracia se consolida em uma forma estatal denominada “Estado democrático de direito”, qual é a forma estatal das democracias não consolidadas?
Sustento que as democracias não consolidadas ganham forma estatal em um Estado de Direito Autoritário. Nele, diferentemente do Estado de Direito Democrático, a forma do direito é instável enquanto norma e arbitrária enquanto prática, sendo que os graus de instabilidade e arbitrariedade variam segundo o atrito entre facções pela primazia no exercício faccioso dos poderes institucionais em busca de poder para fazer dinheiro. Ou seja, o caráter não consolidado da democracia fala mesmo é do Estado, das tensões e fissuras provocadas nele pelo atrito das ambições; não exatamente da sociedade, da vivacidade das suas diferenças de quinhão e opinião.
A um Estado de Direito Autoritário corresponde, necessariamente, algum grau de democracia na vida política. Esse caráter necessário de alguma democracia deriva da preferência da sociedade pela democracia, uma preferência que — embora não tenha se mostrado informada e determinada a ponto de levar a ordem político-institucional a se consolidar numa democracia, ganhando a forma de um Estado de Direito Democrático — subsiste na maioria da sociedade como aspiração negligente. Logo, para ser de direito um Estado tem de agir de modo a levar a sociedade a acreditar que está a viver um processo de consolidação da democracia, não de negação dela. No curso do tempo, essa crença será confirmada ou fraudada, pois se trata de um jogo de forças.
Naturalmente, as forças em presença têm grau variado de percepção acerca da complexidade da situação em que estão metidas e, por isso, o resultado de suas ações por vezes não só não é o que foi buscado por elas no nível das metas miúdas como também ganha no plano mais geral sentido diferente do, e até oposto ao, que elas teriam preferido se pudessem tê-lo previsto (ou teriam escolhido, se estivessem em condições materiais e, sobretudo, subjetivas, de fazê-lo). Como é da própria natureza da situação impedir uma conspiração totalizante, a normalidade das coisas vai depender de que as contradições da ordem social não sejam de monta a impedir uma calibrada arbitragem das ambições por parte dos próprios ambiciosos (justamente o que tem faltado às facções estatais do Brasil pelo menos desde o processo do impeachment de Dilma).
É precisamente porque o Estado de Direito Autoritário vive entre a confirmação e a fraude da democracia que sua legitimidade é precária: ele é legítimo enquanto nutre, na prática, a crença da maioria da sociedade de que se caminha no rumo da democracia; ele passa a ilegítimo quando sua prática é identificada pela maioria da sociedade como oposta à democracia. Na passagem de uma situação à outra se instala a crise de legitimação do Estado de Direito Autoritário (que é o que entendo estar a acontecer no Brasil).
Instalada a crise de legitimação, ela, por longa que se faça, acabará por ter de se resolver por uma de três vias: (a) ou se caminha para a ilegitimidade pura e simples, obtendo à força um novo arranjo entre as facções estatais vitoriosas, agora sem Estado de direito; (b) ou as facções estatais vitoriosas se reacomodam em um relançamento do Estado de Direito Autoritário, necessariamente mais autoritário do que o anterior; (c) ou o que ainda há de democracia se firma como alternativa preferida, com a derrota total ou relativa de cada uma das facções no transcurso do tempo que se fizer necessário para se alcançar um Estado de Direito Democrático.
Tal como em ocasião anterior, me parece instrutivo traçar uma comparação entre a Rússia e o Brasil.
A Rússia é um Estado de Direito Autoritário no qual as contradições da ordem social não estão a ameaçar a normalidade do mando faccioso e, assim, o Estado russo desfruta de toda a legitimidade possível em situações assim. Com mais de 80% de aprovação na opinião pública e com maioria quase pétrea no Legislativo, Putin é, a um só tempo, representante e símbolo: de um lado, ele representa para as facções do Estado de direito da Rússia um ponto sólido de arbitragem calibrada das próprias ambições delas; de outro lado, ele simboliza para a maioria da sociedade russa o que ela entende como o ideal a que poderia realisticamente aspirar transcorridos esses quase trinta anos desde a queda do muro de Berlin: um Estado de direito que provê ordem, não embarga alguma prosperidade e mantém acesa a chama de sonhos de grandeza ancestralmente acalentados.
O Brasil é um Estado de Direito Autoritário no qual as contradições da ordem social, vetorizadas na desigualdade, levaram à conflagração das facções estatais e, assim, se explicitou o caráter antidemocrático do seu mando, o que desencadeou uma crise de legitimação do Estado brasileiro. Por isso mesmo, com seus mais de 80% de desaprovação na opinião pública, rendido às chantagens do Legislativo e dependente de parceiros facciosos no STF, Temer é o exato oposto de Putin: de um lado, Temer representa, quando muito, um ponto fugaz de apoio para as ambições de quem logrou se alojar no palácio, sendo visto como inimigo por todas as outras facções, que estão ora mais ora menos insurgidas contra ele; de outro lado, ele simboliza para a maioria da sociedade toda a derrota que lhe foi imposta no curso desses quase trinta anos decorridos desde a promulgação da Constituição de 1988: a Constituição foi rasgada pela luta de facções, a desordem estatal só faz piorar, a desigualdade mostra todo seu potencial regressivo e ninguém crê que a ordem atual aponte para um futuro longínquo compensador dos sacrifícios vividos no passado ou no presente.
Dado o caráter autoritário dos Estados de direito da Rússia e do Brasil — e a despeito da grande diferença apontada acima na situação político-institucional dos dois países na hora presente –, a sociedade russa e a sociedade brasileira vivem a mesma angústia, fazendo a pergunta típica das sociedades que não fizeram das franquias democráticas um meio de consolidar a democracia: o que virá depois? Na Rússia, o ainda organizado caráter subterrâneo da luta de facções mantém incerta a sucessão de Putin, por isso mesmo visto desesperadamente pela maioria como insubstituível; no Brasil, a desordem já aberta trazida pela conflagração das facções em guerra tornou incerta a sucessão de Temer, a quem a maioria quer desesperadamente ver pelas costas.
Portanto, alcançar uma saída para o Brasil na figura de um homem forte seria, quando muito (se tudo corresse muito bem para quem pensa assim), ficar com a mesma angústia e trocar um desespero por outro ou, como é muito mais provável, ter como resultado uma situação que não só nos afastará ainda mais da consolidação democrática como nos levaria ao risco de perder até mesmo o Estado de direito enquanto tal. Dessa perspectiva, nossa tarefa não é, ainda, identificar um nome, mas encontrar um propósito comum pelo qual lutar e o método que lhe corresponda. A precipitação por um nome vai nos levar a más escolhas.
Lula
Lula é um símbolo esgotado, uma liderança exaurida, mas apoiado na falta de lucidez generalizada, que impede a maioria da sociedade de escolher um rumo novo a tomar, ele conseguiu transformar seus problemas com a lei num problema para o país. Lula se tornou definitivamente uma rolha que impede o surgimento do novo.
Tenho claro que os problemas de Lula com a lei decorrem também da aplicação facciosa das leis: no caso do tríplex Lula foi condenado sem provas. Entretanto, não é de hoje que estou convencido de que Lula comandou, participou e foi leniente com a roubalheira que se deu no curso de seus governos. Convicções não são suficientes para que se mande alguém para a cadeia; mas são suficientes para que se dê politicamente as costas a alguém – esta é, em última instância, a diferença entre a decisão judicial (que só pode ser tomada no âmbito do Estado) e a opinião pública (que se exerce no âmbito da sociedade).
Ao se deixar amarrar politicamente à situação legal de Lula, a autointitulada esquerda brasileira que não é petista, e mesmo aquela parte do petismo não comprometida com os malfeitos, perdeu qualquer possibilidade de fazer um diagnóstico independente da crise e, com base nele, apontar um rumo alternativo para o país. Ao dar a si mesma um papel subalterno no curso da crise, essa autointitulada esquerda deixou aberto o campo em que o protofascismo vem se alastrando.
É próprio de uma crise de legitimação do Estado que cada um se sinta fraudado a cada vez que o Estado se inclina numa direção diferente da que o observador preferiria. Para quem foi contrariado, toda decisão pública é recebida como uma ofensa pessoal. Mas se não há nenhuma força política suficientemente independente para esclarecer que a decisão foi tomada não exatamente pelo Estado, mas por uma das suas facções, à desordem no Estado se soma a confusão desorientadora na sociedade, terreno ideal para soluções de força.
Numa situação assim, reunir espírito aberto com a busca do bem comum requer uma obstinada recusa ao cinismo, combinada com a disposição inquebrantável de buscar formas políticas novas, pois se alinhar com qualquer das forças que nos levaram a essa crise é uma forma de cinismo.
Bolsonaro
Quem repudia a liderança de Lula e escolhe Bolsonaro não está optando por uma liderança contra outra. Quem escolhe Bolsonaro está a repudiar também a ideia de liderança.
Bolsonaro é sintoma de um fenômeno perverso gerado pela crise de legitimação: ao invés de as massas servirem de marionete para um candidato, elas estão a produzir sua própria marionete na forma de um candidato – eis um fenômeno tão novo quanto ameaçador. Não à toa, portanto, Bolsonaro é o campeão das redes sociais: desde a solidão de seus cubículos com câmera e conexão à internet, lá no mais privado dos mundos privados, longe da esfera pública, mas em rede, cada um de seus adeptos sente que tem o boneco nas mãos. Daí se alastra, na forma de fenômeno de massas, a identificação visceral com ele, uma identificação que não vem propriamente do que ele representa ou, muito menos, do que ele propõe: a mediação e a troca são irrelevantes no caso de Bolsonaro.
A identificação individual (massa feita EU) se fundamenta primordialmente na ilusão de cada um acerca do poder que detém por estar a manejar os cordões do boneco – daí ser muito difícil convencer os adeptos de Bolsonaro mediante argumentação. Eles só serão demovidos por uma iluminação imprevista; do contrário, terão de ser derrotados ou por uma das forças oponentes, ou pela realidade adversa desencadeada pela sua própria vitória.
O fato de nessa altura da crise de legitimação a adesão a Bolsonaro estar a crescer não resulta da força dele em se contrapor à crise. Essa adesão resulta da inépcia dele diante da crise, uma inépcia que a massa compartilha, impotente que se sente. Bolsonaro é a marionete estridente dos que se sentem impotentes. Ele não oferece resistência alguma aos sentimentos mais bestiais, que são justamente os mais simples, os mais fáceis de a massa-EU mobilizar em si mesma, sem precisar fazer o engajamento cognitivo que uma escolha pensada para sair da crise requer – toda elaboração, toda mediação, toda ponderação são vividas como adversárias, coisa de “comunista”. Daí a enorme e mentirosa reação deles à execução da Marielle, um crime que abriu uma janela que eles correram para fechar porque a luz iluminou a cena.
É um erro enxergar qualquer familiaridade simbólica entre os tiros que executaram Marielle e os disparos que atingiram a caravana de Lula. Marielle foi vítima de uma guerra entre facções estatais que estão dispostas a impor à sociedade todo sacrifício que se fizer necessário à restauração de um equilíbrio de mando no âmbito do Estado. Morta, Marielle simboliza a potência ainda adormecida da sociedade brasileira diante da crise de legitimação do Estado. Os tiros contra os ônibus da caravana, embora inaceitáveis, não passam de provocações marginais que se esgotam na polarização fajuta que pretendem favorecer. Quando essa polarização se dissolver começará a batalha decisiva.
Fica o Registro:
- Fernando Haddad apontou em entrevista o caráter seletivo da indignação que certos setores da sociedade têm exibido contra a corrupção. Ele tem toda razão e entendo como fundamental apontar que essa hipocrisia é parte do que há de fraudulento no jogo de poder em curso. Entretanto, entendo como igualmente fundamental registrar que a escolha de Haddad não é melhor: ele não mostra nenhuma indignação com a corrupção… A outra face dessa fleuma conveniente é a esperteza contida nessa forma de tergiversar sobre o caso de Lula: “Eu tenho a convicção de quem leu o processo”… – como se convicções políticas se formassem da mesma maneira como se fazem as convicções jurídicas… Por isso mesmo, Haddad abre mão de toda luta política contra Alckmin nesse assunto, como se apontar a convergência entre Paulo Preto e os governos tucanos fosse algo a ser feito apenas no plano jurídico! Não à toa, Haddad declara preferir a palavra de Alckmin à palavra “de quem quer que seja que esteja aí, enrolado com a justiça”, como se enrolados com a justiça não estivessem todos, inclusive Lula. Haddad escolheu esconder-se da crise acocorado sob um telhado de vidro, mas de microfone na mão.
- Na mesma entrevista, Haddad anacronicamente salientou convergências que vê entre PT e PSDB, como se fosse possível saltarmos os últimos trinta anos (no curso dos quais eles montaram uma polarização fajuta) e covardemente esquecermos que as convergências se deram sobretudo na acomodação à desigualdade, na revitalização dos dispositivos paisanos da ditadura (p-MDB e DEM) e na adesão à corrupção como método de reunir poder para fazer dinheiro. Perdidos no tempo, o PT e o PSDB que ele tem na cabeça são personagens de fábula.
- É que, tal como naquele cinema pobrinho dos faroestes fajutos dos anos sessenta, onde as cenas perigosas recusadas pelos dois protagonistas “adversários” eram encenadas pelo mesmo dublê, nessa pantomima anacrônica para reavivar a união FHC+Lula Haddad tem a pretensão de ser “descoberto” como o dublê ideal, o que nos leva ao risco de assisti-lo a pregar a união nacional contra o “patrimonialismo moderno” vestindo um macacão emporcalhado de petróleo e montado num jegue – ficcionista nenhum anteciparia que a realidade pudesse descaracterizar D. Quixote e Hamlet a ponto de ser possível desfigurá-los numa fusão tão impertinente.
- Metido no pântano até a linha dos olhos, o prof. André Singer sucumbiu, em artigo na Folha de S.Paulo de hoje, ao que há de pior: a ideia de que a sociedade brasileira é vítima de uma conspiração, pela qual “tentam nos impingir” alguma coisa (só faltaram as “forças ocultas”). Depois de começar o artigo misturando indevidamente os tiros profissionais que executaram Marielle aos inaceitáveis disparos provocadores feitos contra a caravana de Lula, nosso autor faz um artigo em que tenta apresentar como pardos todos os gatos dessa noite que nos aterra: desconfia de Dodge, indigita Gilmar, ataca Barroso e faz alerde acerca de um suposto “extenso planejamento”.
- Em mais uma tentativa de sustentar o insustentável, ou seja, que vivemos sob um Estado democrático de direito, Oscar Vilhena Vieira ataca mais uma vez e, claro, como nem pode reconhecer a guerra entre as facções estatais, nem pôde deixar de aprender alguma coisa, improvisou o que chamou de “guerra dos estamentos”. Depois de algumas cambalhotas históricas e alguma contradição, conclui com essa pérola: “não seria uma surpresa, no entanto, a concessão do HC de Lula, sem que se alterasse a regra da execução provisória (menos ainda da Lei da Ficha Limpa). Uma contradição jurídica, sem sombra de dúvida. Mas uma tentativa de distensionar o conflito entre direito e política”. Dá até preguiça, mas em nome da clareza, comentemos essa douta “conclusão”: para fantasiar que há um “conflito entre o direito e a política” é necessário cometer dois erros: do lado do direito, considerar que existe hoje no Brasil um, e somente um, lado do direito, ignorando que o Judiciário-judicação está escancarada e grosseiramente dividido em facções, divisão que já os levou a rasgarem a Constituição e ameaça leva-los a rasgar as togas; do lado da política, o erro requerido está em considerar que ela é, literalmente, uma reserva de mercado dos profissionais da política aboletados no Legislativo-representação e no Executivo-gestão, como se a tarefa que nos desafia não fosse, justamente, fazer outra política contra a desses aí que estão em conflito não com um direito imaginário, mas com a própria sociedade. Vilhena Vieira, como de costume, tropeça a cada parágrafo: num adverte Tófolli de que há mais de uma política; no outro funde a política numa coisa só e a opõe a um direito cerúleo – enfim, mais um liberal que está perdidinho. Se eles aceitassem que o Estado democrático de direito, orgulho da sua geração, não existe, doeria mais, mas parariam de dar vexame.
- Faz tempo que apontei aqui que a dobradinha Lula-Temer, mais o que eles representam, iniciada desde antes que o golpista fosse vice de Dilma, não se esgotara (embora tenha sofrido o soluço do impeachment). É que a crise de legitimação do Estado que sobreveio ao impeachment (sem ter nele propriamente uma causa) alterou completamente o jogo, que teve três fases: na primeira, antes da crise, os dois eram adversários “históricos” momentaneamente aliados; na segunda, em meio ao golpe, eles trouxeram de volta a fajuta desavença “histórica”; na terceira, consumado e golpe e aberta a crise de legitimação, eles começaram o tango da proteção mútua, cujos lances mais notórios vêm sendo: Dilma teve os direitos políticos preservados; o PT votou em Maia para a presidência da Câmara; Temer visitou Lula quando da internação de dona Marisa; Lula elogiou Temer por superar uma “tentativa de golpe”; Temer fala em “barragem de candidaturas” e, agora, o PT está pronto a ver problemas graves numa queda de Temer. Nessa guerra entre facções que se fazem e refazem, Lula, Temer e o que eles representam podem estar tão separados quanto unidos, ao sabor da luta pela sobrevivência. Essa união facciosa entre Lula e Temer tem sua correspondência fidelíssima no Supremo, numa já antiga concatenação facciosa entre Gilmar, que é Temer, e Tóffoli, que é Lula. A explicação para tudo isso me parece simples: dado que a crise desaguou numa crise de legitimação do Estado de Direito Autoritário construído pela política profissional deles, a fragilidade de ambos, de Lula e de Temer, não permite que a derrota de um seja a vitória do outro – estão num abraço de afogados.
Sobre as decisões do Supremo que afetarão Lula
A mim parece evidente que qualquer decisão será facciosa, tal como têm sido todas as decisões tomadas pelo Supremo em relação aos políticos profissionais e seus aliados pelo menos desde a prisão de Delcídio e a posterior proteção a Aécio, passando pela prisão de Cunha, as devoluções de Maluf e Picciani aos respectivos domicílios, os habeas corpus ao Barata e a suspensão da inelegibilidade de Demóstenes Torres – chegou a vez do Lula, bem na hora de mais uma rodada de apertos contra Temer.
No momento, sou levado a imaginar os seguintes desdobramentos:
A facção mais pró-establishment, que foi levada a concluir como transtorno indesejado tudo o que acabou por ser desencadeado pela Lava Jato, reúne os dois aparentes extremos da crise, Lula e Temer, representados no Supremo respectivamente por Tófolli e Gilmar, ao lado dos quais, em alinhamento fluído, figuram Lewandowski e Marco Aurélio. Logo, estão reunidos na mesma facção parte do governo e parte da oposição (daí o PT renovar seu desinteresse em derrubar Temer), assim como pedaços do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. Nessa ordem de ideias, Gilmar e Tófolli vão votar pela proibição da prisão com condenação em segunda instância, pois estão empenhados em livrar da prisão outros além de Lula. Se perderem essa votação, vão votar, coerentemente, pela concessão de habeas corpus ao Lula. Lewandowski deverá acompanha-los, enquanto Marco Aurélio deve negar o HC ao Lula se perder a primeira votação.
Entre os transformadores há, nessa matéria, facciosos de tipo variado: há um tipo como Barroso, de longe o mais voluntarista de todos; secundado por Fachin, o relator da Lava Jato no STF, que vem jogando com orientação facciosa republicana deste a parceria com Janot, na qual contornaram a Constituição algumas vezes . Ambos devem votar pela manutenção da prisão em segunda instância, mas devem se dividir na decisão sobre Lula: Barroso deve votar pelo HC e Fachin, contra. Cármen Lúcia já deu seguidas declarações contra a revisão da matéria principal, mas deve votar pelo HC a Lula, no que será seguida pela ministra Rosa Weber. Em conexão frouxa com esses quatro ministros transformadores vem Fux, que tem servido como ninguém aos interesses facciosos do próprio Judiciário na crise atual, sendo dele as seguidas decisões em prol desse escandalosamente injusto “auxílio-moradia”. Esse alinhamento propriamente corporativo deve jogar seu papel no voto do ministro, pois há forte movimento intra muros em prol da possibilidade de prisão em segunda instância – mantida a prisão, ele deve votar em prol do HC a Lula.
Em sintonia propriamente facciosa com esses cinco ministros vem Alexandre de Moraes que, ligado a Alckmin, tem uma adesão ao establishment especialmente interessada e, assim, está determinado a tirar Lula do páreo de vez. Tenho como certo que ele votará contra Lula nas duas matérias.
O ministro Celso de Mello deve fechar o placar perdedor contra a prisão em segunda instância e, nesse caso, deverá ser um voto a mais para a vitória de Lula na obtenção do HC.
Claro está que não verei contradição alguma se o STF fizer o combinado faccioso que estou a supor que fará: manterá a possibilidade da prisão após condenação em segunda instância e dará um HC ao Lula.