Carlos Novaes, 12 de setembro de 2018
[com acréscimos em Fica o Registro às 20:03h e em 14/09]
O tempo talvez seja a variável mais desafiadora para quem pretenda conquistar o voto. Há a conexão do tempo do eleitor com o tempo do país, que a tudo preside, e, depois, o tempo de pré-campanha; o tempo de agenda do candidato; o tempo de campanha; o tempo cronometrado dos debates; o tempo da propaganda na TV; o tempo disponível na TV e, até, o tempo para a transferência de votos. Nada fácil.
Saber ler o tempo do eleitor é o desafio fundamental. Ele exige tanto o diagnóstico do tempo vivido pelo país quanto o conhecimento da posição mais geral da maioria do eleitorado em relação a esse tempo, uma posição que varia segundo dois outros tempos: o tempo da motivação fraca (emocional) e o tempo da motivação forte (racional) para o voto, como detalhei aqui. Na pré-campanha, é preciso ouvir as preliminares do desenvolvimento dessas motivações do eleitor para o voto, pegar no início e dialogar com o modo como ele vai ajustando sua motivação para o voto ao tempo do país e às suas posições diante dele.
PRÉ-CAMPANHAS
O tempo da pré-campanha já inclui o tempo de agenda do candidato: ele busca ouvir se tornando o mais visível possível. Nessa eleição presidencial, duas pré-campanhas se destacaram, e são elas que vou explorar para ilustrar o papel desse tempo na disputa: a de Bolsonaro e a de Ciro. A de Bolsonaro por ter feito tudo certo; a de Ciro por ter feito tudo errado.
No âmbito de suas limitações, Bolsonaro soube ler o tempo do país, um tempo de raiva, sem ser de revolta, porque é uma raiva passiva, e, dada essa passividade, ainda um tempo em que o eleitor espera de alguém uma solução, não está ele próprio engajado na construção de uma alternativa. Uma solução é como café solúvel, já vem pronta; uma alternativa requer que a gente se dê ao trabalho de construir.
Bolsonaro se apresentou como o candidato da raiva, como alguém que resolve na base de uma intolerância dupla: contra o sistema, responsável por “tudo que está aí”, e contra a diferença, fonte de ameaça a um modo de vida sonhado em padrões conservadores. Depois dessa pré-campanha, na qual explorou favoravelmente as motivações emocionais do eleitor, Bolsonaro tem de fazer uma campanha que dê lastro racional às emoções que recebeu em si.
Seria difícil desenhar uma pré-campanha pior do que a de Ciro: numa fase em que a maioria do eleitorado ainda está desligada da eleição, e só sabe dela pelo acúmulo de disparos ocasionais ou por ouvir dizer, ao invés de apresentar uma narrativa consistente sobre o tempo do país, da qual o eleitor fosse absorvendo, por qualquer de seus disparos, o mesmo núcleo duro de mensagem, que seria retomado na campanha numa perspectiva de amarração, Ciro disparou disparates e acumulou incertezas: em meio a atitudes agressivas, impaciência, ameaças e bravatas contra Bolsonaro, dando-se ares de importância (“se não for como quero, desisto”: o eterno garotão precoce não reconhecido, aos 61 anos!) e distribuindo palavrões, ele saiu de uma tentativa de aliança com o PT para o empenho pelo apoio do Centrão, depois de ter declarado uma rejeição vaga pelo p-MDB e enquanto tentava se unir ao PSB.
Ou seja, Ciro tentou arranjos que não dialogavam com o tempo do país, pois não só reabilitavam forças contra as quais o eleitor dirige sua raiva, como não faziam diferença entre facções que o eleitor foi levado a colocar em lados opostos. Ficou sem apoio nenhum e com a merecida imagem de quem gera intranquilidade (que realimenta e parece explicar o fato de ter ficado sozinho). Depois dessa pré-campanha, em que nutriu com emoções contraproducentes as motivações emocionais do eleitor, em que fez promessas de embates com Bolsonaro que não se cumpriram, Ciro tem de fazer uma campanha que não só não herda nada de bom da pré-campanha, como ainda tem que transpor os problemas que ele próprio criou para si.
CAMPANHAS
O tempo da campanha é também o tempo dos debates e o tempo da propaganda eleitoral na TV. Ao contrário do que se difunde, não é que os debates e a propaganda eleitoral assumam o comando do tempo do eleitor, levando-o a prestar atenção na eleição. Não. Os debates e a propaganda eleitoral começam nessa fase da campanha porque é nela que o eleitor começa a pensar sobre o voto. E pensar, aqui, significa partilhar opinião, conversar. Em suma, é o tempo do eleitor que comanda a campanha, é o momento em que ele aloca atenção à política eleitoral que define a hora e o emprego dos tempos mais importantes: o dos debates e o da TV.
Bolsonaro terá problemas para manter na campanha o apoio obtido na pré-campanha não apenas porque não dispõe de tempo de TV, mas principalmente em razão da sua condição de marionete das emoções alheias. Bolsonaro não dispõe de elementos para dirigir emoções, ele apenas as recebe em si. Seu pelotão de recrutas dispersos em rede age individualmente e apenas segundo a emoção, não distingue fases na disputa eleitoral. Bolsonaro esteve desde sempre prisioneiro da condição passiva da sua “liderança”.
A situação desfavorável se agravou com o atentato por quatro razões: primeiro, o golpe de faca exacerbou os ânimos e levou os recrutas a elevarem contraproducentemente o tom emocional num tempo que é da razão (a nota forte é a insistência para forjar uma suposta conspiração contra seu candidato — uma conspiração na qual eles próprios precisam emocionalmente acreditar); segundo, sem a TV, que permitiria uma reorientação de discurso (se é que pretenderia uma reorientação), Bolsonaro não pode tentar unificar sequer o discurso emocional; terceiro, a ausência dele da cena eleitoral intensifica a disposição para o “deixa que eu resolvo”, própria de seus recrutas, atitude contrária a qualquer ação coordenada; quarto, na mão contrária ao emocionalismo em suas hostes, Bolsonaro vê a alastrar-se o juízo ponderado de que ele “colheu o que plantou”.
Por tudo que conheço de eleição, salvo alguma grande mudança no comportamento do eleitor, ou uma soma de erros nas campanhas adversárias, Bolsonaro terá dificuldades para passar ao segundo turno.
Ciro tenta uma campanha de recuperação, na qual gasta um tempo que se encurta para consertar o mau uso do tempo anterior. No debate mais recente, na Gazeta, ele se saiu bem justamente porque retomou a posição que assumira lá no início da pré-campanha e, no curso dela, estranhamente abandonara: sem deixar de demarcar distância com o lulopetismo, apresentou-se solidário com Lula, dizendo-o vítima de uma condenação sem provas, e serenamente insistiu em suas propostas autônomas para enfrentar a crise, enquanto repudiava tanto o ataque a Bolsonaro quanto o que o ex-capitão representa, ajudando o eleitor nessa hora em que ele é levado a trocar a motivação para o voto — faltou apenas dizer, por outras palavras, claro, que Bolsonaro “colheu o que plantou”.
Ainda que o pouco tempo de TV seja um obstáculo importante, especialmente para quem usou tão mal a pré-campanha, contrariamente ao que recentemente supus, talvez Ciro ainda possa ir ao segundo turno, ainda que isso já não dependa fundamentalmente dele, mas sim do eleitor motivado a votar em Lula.
Haddad é refém de um outro tempo: o tempo da transferência de votos. Ao contrário do que dizem 11 de cada 10 analistas com espaço na mídia convencional — e em situação oposta à de Ciro — o tempo de campanha que Haddad tem pela frente é um problema para ele não por ser curto, mas por ser longo demais. Aliás, não entendo como é que esses analistas classificam como genial a estratégia de Lula (que procurou justamente encurtar ao máximo a exposição de Haddad como candidato) e, ao mesmo tempo, apontam como problema o fato de o lançamento tardio de Haddad deixa-lo com pouco tempo de campanha pela frente (quem tiver a solução desse enigma, por favor, escreva para este blog). Voltemos.
A estratégia de Lula só terá sido genial se a jornada emocional proposta por essa telenovela durar até o dia da eleição. Em outras palavras, ao abrir mão de construir a transferência junto com o eleitor, promovendo o engajamento racional dele na opção por Haddad desde lá de trás, Lula apostou tudo em si mesmo, na sua condição de vítima. É por isso que a campanha é longa demais para Haddad, pois dá tempo para que — numa hora em que tudo o que resta é a imagem de Lula na prisão — se quebre a solda emocional do eleitor com Lula, expondo Haddad aos verdadeiros desafios de uma disputa eleitoral: se desvencilhar das críticas represadas contra Lula, Dilma e o PT e, ao mesmo tempo, se apresentar de maneira crível, vale dizer, racional, como alguém que pode conduzir o país a dias melhores, indo muito além da condição de portador passivo de uma reparação.
O que falta a Haddad não é tempo para ficar conhecido, ou para que o eleitor de Lula descubra que “agora é Haddad”. Isso se resolve rápido, se é que já não foi resolvido. O que sobra como problema é o tempo que Haddad tem pela frente para se esconder do escrutínio do eleitor a respeito do que ele representa, a começar pela sua condição de marionete, que Lula fez questão de enfatizar até na carta que escreveu para fazer a transferência do bastão, falando em “representante” e em “governar junto”. Na verdade, Lula passou o bastão mas continua agarrado na outra ponta, a essa altura mais atrapalhando do que ajudando o subsequente companheiro de corrida (o ex-presidente continua a achar que ele é o máximo a que a autointitulada esquerda pode aspirar, e não está tão senhor assim das suas emoções…).
A condição de marionete com base emocional conecta Haddad a Bolsonaro, e as dificuldades de ambos para passarem ao segundo turno não são menos conexas. Os obstáculos enfrentados por Bolsonaro para reter eleitores são os mesmos que Haddad enfrenta para ganhar eleitores. De modo que o destino eleitoral de Haddad depende, em parte, do destino de Bolsonaro, ambos atolados no pântano das emoções. E Bolsonaro tem um adversário poderoso.
Alckmin definiu um rumo desde o tempo da pré-campanha e, acertadamente, persevera nele nessa nova fase. Para o tucano, o tempo de campanha é suficiente, e o tempo de TV muito favorável. O problema é que o rumo definido não apenas é desprovido de emoção, como contraria frontalmente as emoções afloradas na pré-campanha, nas quais Lula e Bolsonaro surfaram. Alckmin é a cara do sistema e expressa o que há de elitismo anti-social na política, como acabo de explicar detalhadamente aqui.
Mas Alckmin dispõe de muito tempo na TV para dialogar com o tempo do eleitor, que tem raiva, mas também pensa e tem medo. Alckmin é quem mais pode tirar proveito do atentado contra Bolsonaro, e tem buscado isso, mas sem a ênfase e a criatividade que a situação “colheu o que plantou” enseja e, até, exige.
Se, tal como em todas as eleições presidenciais anteriores, os eleitores, nessa reta final, forem trocando a emoção pela razão, além de tirar eleitores de Bolsonaro, o tucano também poderá desviar alguns de outros candidatos, desde que o perfil deles não se choque frontalmente com o seu. Afinal, para uma e outra dessas outras candidaturas nunca houve tempo bom: elas jamais tiveram clareza de propósitos ao pôr a cara no vento que o tempo pode levar na direção do voto — se tudo o que é sólido acaba por se desmanchar ao vento, o que não dizer de tudo o que sempre foi vago?
[às 20:03h] Fica o Registro:
- A situação abominável vivida pela advogada Valéria Lúcia dos Santos, do Rio, precisa ser conhecida por todos. Quem quiser mais informações sobre essa mulher notável, leia aqui. Faço uma sugestão: quem é capaz de tomar as providências técnicas, organize uma vaquinha para que ela possa ir ver os filhos nos EUA, afinal, não seria nenhuma fortuna.
- [14/09] – Ciro não tem conserto: suas declarações sobre a entrevista de Villas Bôas são um desastre, e não porque atrapalhem as relações dele com os militares — é que, embora na direção correta, a manifestação de Ciro veio no linguajar de boteco que repõe os problemas criados na pré-campanha e o descredenciam como candidato para setores com os quais teria de dialogar para tentar ir ao segundo turno cavando um caminho entre Haddad e Bolsonaro. É um imaturo irremediável: ao invés de fazer política, está sempre egocentricamente se medindo com todo mundo.