Carlos Novaes, 22 de fevereiro de 2021
Com acréscimo em Fica o Registro, em 23/2, às 09:25h
Nos últimos dias, Bolsonaro editou mais quatro decretos favorecendo a aquisição de armas e munições e declarou que “o povo está vibrando” com essas iniciativas. Dando curso a histerias recentes, Raul Jungmann, ministro de Temer que ficou calado quando o general Villas-Boas ameaçou o STF para que Lula não fosse solto, enviou ao mesmo STF uma carta sobre os riscos de guerra civil que ele supõe o Brasil está a viver com as iniciativas daninhas de Bolsonaro favorecendo o comércio de armamentos. Bolsonaro e Jungmann estão errados no que alegam ou supõem:
- Facilitar o acesso a armas para quem as deseja não irá favorecer a segurança do brasileiro, pelo contrário. A população do Brasil não está habituada ao manejo de armas de fogo, pois seu uso sempre foi muito controlado aqui. Tudo ao contrário dos EUA, onde o manejo e, até, o porte legal de armas de fogo são parte da vida cotidiana desde a fundação do país. Quer dizer: o americano médio tem uma memória sólida de como possuir uma arma, há uma pedagogia familiar, enraizada nos costumes, regulando a prática. Foram necessários mais de dois séculos para que a chamada sociedade norte-americana fizesse o aprendizado necessário a poder permitir que se possa chegar a ir às ruas com armamento pesado sem que haja tragédias cotidianas. Ainda assim, as perdas têm sido frequentes e têm aumentado. Tanto é que estão em curso iniciativas para restringir o acesso a armas nos EUA — mesmo lá, há a percepção de que os danos da liberdade para se armar são maiores do que os ganhos. Facilitar o acesso a armas no Brasil nos levaria ao pior: mais armas nas mãos de gente inexperiente.
- Como mostra a pesquisa CNT/MDA divulgada hoje, ao contrário do delírio do besta, o povo não está vibrando: “entre os entrevistados, 68,2% disseram ser contrários a alterações na legislação facilitando o acesso a munições no Brasil. Ainda, 74,2% não têm interesse em ter armas e somente 19,7% gostaria do acesso. Somente 1,6% tem pedido de posse em análise.”
- Para que uma guerra civil fosse plausível, seria necessária uma tentativa de golpe — ameaça que não está no horizonte para qualquer pessoa que venha acompanhando a evolução da conjuntura política do Brasil descontando os alaridos de campanha, nos quais o besta insiste mesmo depois de ter se rendido ao Centrão. No caso de Bolsonaro, teria de ser um golpe para ficar no poder como ditador, ou seja, um golpe a favor de quem já está no poder, de quem já está sendo avaliado pela sociedade. Esse tipo de golpe é muito mais difícil do que o golpe contra quem está no poder, como foi o caso aqui, em 1964, o caso do Chile de Allende, em 1973, e o caso da Argentina, em 1976. Além do apoio dos EUA, esses três golpes foram precedidos de campanhas de desgaste dos presidentes depostos, contra os quais se colocaram todos os descontentes por essa ou aquela razão, a quem se venderam soluções mágicas para os problemas, entre outras barbaridades. Tudo ao contrário do que seria um golpe a favor de Bolsonaro: sem apoio dos EUA e, na política interna, ele não apenas exibiu, como fortaleceu suas conexões com a velha política; ele já vendeu, e não entregou, soluções mágicas; e ele já se demonstrou incapaz para o cargo. Além disso, há a majoritária preferência da sociedade brasileira pela democracia, como já discuti aqui. Sem golpe não há guerra civil. Ademais, uma guerra civil, especialmente num país continental como o nosso, com mais de 200 milhões de habitantes, não se faz com revolveres, pistolas ou espingardas compradas no varejo. Ela iria requerer fuzis, metralhadoras, bazucas, lança-foguetes e todo tipo de armamento pesado. Por isso mesmo, apenas uma desagregação institucional total (com FFAA amotinadas, escolhendo lado, aceitando o comando de milicianos) nos levaria a esse estado de beligerância. Ora, a julgar pela coesão das facções estatais em torno do Estado de Direito Autoritário, não há, mesmo, motivo para que se tema uma ditadura. Nosso desafio é construir uma alternativa que nos leve para bem longe de PT, PSDB, Bolsonaro, Centrão e adjacências.
Fica o Registro:
Sobre Petrobrás, diesel e caminhoneiros, reitero o que foi dito aqui e AQUI.
Também confio que uma guerra civil seja muito improvável, só não sei se tão improvável quanto ao retorno do PT pelas próximas eleições (RS). Que o Bolsonaro quer alguma coisa com todos esses acenos na direção do armamento civil – alguma coisa além de aumentar os plenos direitos do cidadão -, isso é indiscutível, mas não creio mesmo que seja uma guerra civil, embora às vezes pareça ser esse seu mais profundo desejo. É que Bolsonaro não passa de um blefador, e no papel de presidente ele é, se muito, um verdadeiro canastrão.
O que o sujeito obtuso pretende ao promover a facilidade de acesso às armas é cumprir sua agenda corporativista, como um autêntico representante de sindicato faria. Ele governa em benefício dos seus; seus amigos milicianos; seus filhos corruptos, à imagem e semelhança do pai (nota-se isso com sua interferência no judiciário); e agora seus antigos colegas de congresso. Para agradar a ala ideológica que o ajudou a subir ao picadeiro, no entanto, o palhaço precisa fazer estripulias, senão os que pagaram ingresso para os primeiros acentos no circo terminam exigindo o dinheiro de volta.