A JOGADA FACCIOSA DE FACHIN

Carlos Novaes, 09 de março de 2021

Com acréscimo às 18:15h, em Fica o Registro

ATENÇÃO: O que penso de Lula como político e as relações disso com a LavaJato podem ser conhecidas pelo leitor que escrever “Lula” na janela de pesquisas deste blog: primeiro virão todos os artigos em que “Lula” aparece já no título, depois, virão artigos em que embora “Lula” não esteja no título, ele é mencionado no corpo do texto. Com isso, economizo explicações desnecessárias à contextualização do que digo a seguir.

Quando se compreende a natureza facciosa do Estado de Direito Autoritário não é difícil seguir o jogo das facções e dos facciosos. Na decisão de ontem, Fachin está, mais uma vez, empregando poder jurídico para fazer política facciosa contra Lula, não em favor dele. Pensar o contrário é ingenuidade. Detalhemos isso.

Fachin sempre jogou afinado com a LavaJato. Desde as revelações da Intercept, porém, temos material para, pelo menos, supor que essa afinação não estava limitada à luta contra a corrupção. O material da Intercept mostra uma concatenação entre Moro e Dellagnol contra Lula tão pesada, que dificilmente teria escapado a Fachin. De fato, a decisão de ontem deixa definitivamente claro que Fachin sempre partilhou com Moro e Dellagnol a meta de prejudicar Lula, não de julgar Lula.

É que além de tornar nulas as decisões da LavaJato do Paraná, Fachin também pretendeu tornar desnecessário o julgamento da suspeição de Moro naqueles processos, que está para acontecer no STF e, tudo indica, decidirá por maioria contra Moro. Se a suspeição de Moro não vier a ser julgada, como quer Fachin, todo o conteúdo dos processos fica preservado como bom e pode ser retomado pela nova instância decisória, à qual bastaria proferir uma nova sentença sobre os mesmos materiais…

Vejam bem as sutilezas facciosas do lance desesperado: ao perceber que Moro seria dito suspeito pelo Supremo, e que, com isso, todos os processos em que ele atuou contra Lula seriam anulados, Fachin deu um passo atrás anulando as sentenças de Moro, para dar dois adiante: (i) proteger Moro de um julgamento de suspeição e, ao mesmo tempo, (ii) preservar tudo que Moro e Dellagnol fizeram contra Lula para, agora, obter uma “nova” condenação de Lula, supostamente isenta da parcialidade que evidenciou o facciosismo de Moro. As chances de dar certo são pequenas, mas é o que ele está a tentar.

É um lance faccioso de desespero dos antipetistas, pois perceberam que está em marcha um outro entendimento faccioso, majoritário, contrário às preferências de Fachin: sepultar a LavaJato sem valorizar o que de bom houve nela, devolver os direitos políticos a Lula e voltar à ciranda eleitoral de antes do impeachment de Dilma, o que enterraria de vez as delirantes aspirações ditatoriais desse imbecil que ocupa a presidência da República — essa é a Frente, leitor! Uma Frente cujo programa comum não é a democracia, mas a manutenção do Estado de Direito Autoritário, com a preservação de todos os dispositivos que favorecem a corrupção e a manutenção desse sistema político.

Não foi à toa que o presidente da Câmara, que chegou ao cargo com apoio total e decisivo de Bolsonaro, e que acaba de liderar a manutenção da prisão do deputado otário, declarou ontem, de pronto, que “Lula pode até receber absolvição, Moro jamais”. Para o sistema, Lula e Bolsonaro estão no mesmo campo, e a maioria prefere Lula. O jogo é claro, leitor, e pretendem que você seja o otário da vez!

Fica o Registro:

Por falar em otário, é provável que, com esse lance tão à frente, o Centrão entenda já não ser necessário cassar Silveira. Até pelo contrário: talvez julguem interessante deixa-lo como porta-voz inofensivo, mas útil, do que estão a derrotar: uma quimérica saída ditatorial para a crise de legitimação do Estado de Direito Autoritário.

18:15

Ao pedir vista (sine die) do processo que julga a suspeição de Moro, Nunes Marques ganha, e dá a quem interessa, o tempo necessário para que se observe o tramite dos processos de Lula enviados à justiça do DF pela LavaJato do Paraná. Se Nunes Marques, ligado ao Centrão, mas indicado ao STF por Bolsonaro, votar pela suspeição de Moro, estará ajudando a manter Lula no calendário eleitoral; se votar em favor de Moro, ajudará que se cumpra o objetivo de Fachin: as provas dos processos contra Lula serã mantidas e não haverá necessidade de começar tudo de novo.

Esclareço que não suponho que Fachin, ao querer prejudicar Lula, esteja pretendendo ajudar Bolsonaro. Não. O jogo de Fachin é defender as decisões da LavaJato, mesmo ali onde elas são juridicamente indefensáveis.

A ideia de que Bolsonaro prefere ter Lula como adversário em 2022 é tolice. Se Lula vier, mesmo, a ser candidato, ele o será na onda que favorece o injustiçado com aura de renascido. Mesmo um estúpido como Bolsonaro sabe as dificuldades que uma situação assim cria.

Embora, tecnicamente, Lula ainda possa vir a ser condenado antes de 2022, é praticamente impossível que isso aconteça, pois está criada uma situação praticamente irreversível. Mas vamos acompanhar a justiça do DF, sobre a qual paira o silêncio atual dos militares.

Uma candidatura Lula se mostrará mais e mais irreversível quando passarmos a ver, mais lá adiante, o Centrão se articulando com Lula para 2022; isso depois que tiverem arrancado tudo de Bolsonaro, claro. Nessa altura, o besta já terá sofrido todo o desgaste do seu governo desastroso. Se for assim, restará aos tucanos uma anacrônica vigarice dupla: o antipetismo e a luta contra a corrupção (no que poderão ser ajudados por decisões de soltura que anulem outras condenações e prisões da Lava Jato, aumentando a indignação de parte da opinião pública).

Todos esses realinhamentos se darão, claro, no âmbito da “Frente em defesa do Estado de Direito Autoritário”, realizando os sonhos recém remendados dos teóricos do frentismo (que acabam de descobrir para que serve o segundo turno…): todos juntos contra a fantasiosa ameaça de uma ditadura, ainda que disputando o primeiro turno da eleição presidencial como adversários. Uma Frente dessas é, realmente, inderrotável. Que circo!

2 pensou em “A JOGADA FACCIOSA DE FACHIN

  1. Ricardo

    A mesma perseguição que Moro empreendeu contra Lula, dando de chefe de Ministério Público, é a que o patético Gilmar Mendes empreende a ele agora. Se Moro era suspeito em julgar Lula, a forma que encontrou de fazer cumprir suas ambições pessoais, Mendes é igualmente suspeito em julgar Moro, seu claro desafeto desde que a Lava Jato ganhou os holofotes e deu notoriedade nacional e mundial ao ex-juiz. Moro, a voz de comando por trás do vazamento das gravações de Lula com vistas a queimá-lo na corrida eleitoral, hoje protesta que as gravações divulgadas pela Intercetp, que dão prova de seu caráter bastante questionável, não são provas válidas que embasam sua suspeição porque obtidas ilegalmente. E Gilmar Mendes, como um calouro do Direito, recorre exatamente a esses mesmos áudios para detratar publicamente Moro. Não vejo outra coisa que não uma guerra de egos imbricada num jogo de interesses escusos.
    Quando veremos um juiz do Supremo também julgado por suspeição? Se o STF é um colegiado, por que tolera decisões monocráticas e muitas vezes infelizes, que causam estranheza em todo corpo de juristas do país, de um e outro que veste a beca emplumada da maior instância de justiça do país? Não à toa surgem uns descerebrados propondo pôr abaixo o Supremo pela força. Acho que já passou da hora de pensarmos e debatermos, como sociedade, a continuação do STF tal como ele se estrutura hoje, com todos esses sistemas de indicação, tempo de exercício e mecanismos de revisão dos pareceres que brotam da corte em caráter unilateral. É triste constatar que o país reclama urgente reforma não só no Executivo e Legislativo, mas igualmente no Judiciário, poder que vem faltando muito à República.

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    1. Carlos Novaes Autor do post

      O STF é uma instituição atravessada pela luta de facções que caracteriza a crise de legitimação do Estado de Direito Autoritário. O uso que eles fazem do direito, contra o qual você escreveu o seu comentário, Ricardo, é um uso faccioso, próprio do autoritarismo que marca a prática do Estado de direito no Brasil desde o fim da ditadura paisano-militar. Como já disse em alguma lugar neste blog, as dificuldades na coordenação para o mando levaram a essa “generalização da regra como exceção bem-vinda”, pois escancarou para todos o que sempre fora feito apenas contra os pobres, para quem jamais houve surpresa na condição de vítima da aplicação unilateral e interessada do direito, o velho pé na porta. Agora, não adianta apenas indignação moral. Há que entender o papel da desigualdade nessa autonomia de que gozam os maiorais entre nós, estejam eles no judiciário, no legislativo ou no executivo.

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