Carlos Novaes, 17 de setembro de 2021, 15:43h
Com acréscimo na seção Fica o Registro, em 18/09, às 12:30h e ++ acréscimos às 15:45h e às 17:39h
Embora rejeite Bolsonaro e reprove o governo dele, a maioria da sociedade brasileira não se mobiliza para derrubá-lo, como chegou a fazer contra Collor e, depois, com outra configuração, por outras vias e segundo outras motivações, com o golpe contra Dilma. É que a maioria de nós se encontra num impasse: de um lado, rejeitamos Bolsonaro, mas já não temos as ilusões que tínhamos no Legislativo (representação) e no Judiciário (judicação) para corrigir o que identificamos como nefasto no Executivo (gestão) — ou seja, já não confiamos nas instituições, desconfiança que caracteriza a crise de legitimação do Estado de Direito Autoritário–EDA. Afinal, quem já não se encheu do jogo faccioso dos Gilmares? Quem ainda leva a sério uma CPI manejada pelo jogo faccioso dos Renans? Dois exemplos recentíssimos: o assunto do foro de Flávio Bolsonaro saiu da pauta do STF; a CPI, depois de aprovar a convocação de ex-esposa de Bolsonaro, desistiu do interrogatório de alto potencial explosivo.
Ao entendermos que pedir às facções que derrubem Bolsonaro não é uma solução, somos levados ao outro lado do impasse: se impõe a intuição incômoda de que o desafio é muito maior: temos de construir métodos, ferramentas e programa para fazermos da derrota de Bolsonaro o início da ação política que nos permita transpor o Estado de Direito Autoritário, dando solução à crise de legitimação. Evidentemente, esse estado de coisas ainda não está claro para as consciências, mas esse é o plano profundo em que as escolhas são feitas e em que nadam os oportunistas.
Em suma: derrubar Bolsonaro fortaleceria as facções (que agiriam respaldadas na nossa pressão), e “legitimaria” este Estado (pois respaldaria instituições cujas práticas nos infelicitam); já derrotar Bolsonaro requer se empenhar e programar o início da luta efetiva por um Estado de Direito Democrático. Daí o falso paradoxo que desorienta a autointitulada esquerda e os progressistas, tão cegos em seu empenho para voltar ao velho normal: a maioria rejeita Bolsonaro, mas não vai às ruas implorar que eles o derrubem.
A inércia dessa maioria que rejeita Bolsonaro e, ao mesmo tempo, não confia nas facções que dão corpo à prática nefasta das instituições, resulta também da desorientação em que estas facções, intelectuais, jornalistas e intelectualistas (intelectual com cacoete de jornalista) a mantém quando insistem no alarido midiático de que Bolsonaro é uma ameaça às franquias democráticas, a um suposto Estado democrático de direito. Permitam-me explicar essa ideia paulatinamente, à luz dos fatos havidos desde o 7 de setembro.
A própria base de Bolsonaro o levou à capitulação
Se não houvesse ocorrido o desgarramento da sua base paisana (a “sociedade civil” dele), não teria havido capitulação e provavelmente Bolsonaro poderia fazer da Carta e do telefonema a Moraes mais um lance de mera pantomima entre fanfarronice verbal e rabo-entre-as-pernas. Ao passar das palavras à ação golpista, porém, a base paisana mostrou a Bolsonaro que ele já não controlava os desdobramentos dos próprios blefes nem em suas fileiras , com severas consequências na economia, que ele usara como pretexto para a aposta desumana no trato da pandemia. Afinal, a paralização de estradas pela ação golpista de seguidores que ele próprio incitara a participar de mais um blefe, se tornara, a paralização, um problema econômico que ele não poderia sequer tentar transferir para outros agentes, como vem insistindo em fazer com os danos econômicos provocados pela pandemia.
Embora a mente confusa de Bolsonaro não tenha deixado de usinar os três objetivos que esmiuçamos aqui (ser ditador; vencer a reeleição e/ou salvar da cadeia a si e aos seus), a capitulação e seus desdobramentos escancararam o pragmatismo a que ele foi arrastado em razão dos problemas com a justiça (inquéritos contra si e os seus e a CPI — ao contrário da maioria de nós, Bolsonaro, agente faccioso, teme os estragos relativos dessas movimentações adversárias). Quer dizer: a preferência da maioria da sociedade pela democracia e a ação institucional das facções adversárias obrigaram Bolsonaro a modelar seus sonhos numa banda mais estreita: ficou ainda mais marginal o objetivo delirante de se tornar um ditador, e ganhou força a fantasia de se tornar um candidato eleitoralmente viável (ou seja, em condições de vencer).
Tenhamos como marco da capitulação de Bolsonaro o dia 9 de setembro, que foi analisada detalhadamente aqui desde a sua preparação, passando pelo dia 7, até os desdobramentos mais sensíveis na própria base do besta. Vista nos termos em que a vimos, essa capitulação exigiria de analistas e políticos uma reorientação na forma de ajuizar os problemas e na ação política para enfrentá-los. Infelizmente, não é isso o que ocorre; pelo contrário, o que marcou o transcurso desta semana que nos separa da capitulação do besta foi a insistência no discurso (e na prática dele decorrente) de que Bolsonaro é uma ameaça à democracia, a um suposto Estado democrático de direito.
Danos de Bolsonaro não são à democracia
A maioria da sociedade rejeita Bolsonaro pelo conjunto da obra, nela incluída a sua sequência de blefes danosos. Mas ela, a maioria, não o leva a sério pelo que diz em ameaça às franquias democráticas — ela já o entendeu como um blefador e que na prática daninha dele na presidência há de tudo, menos ações efetivas para suprimir na marra franquias democráticas. Por exemplo:
– Bolsonaro tentou, pela via legal, tornar inconfiável a franquia democrática ancorada na urna eletrônica; não conseguiu, blefou e teve de engolir a decisão da Câmara contrária ao voto impresso;
– Bolsonaro ataca a franquia democrática da imprensa livre, maneja a distribuição, que lhe é “de direito”, das verbas de comunicação segundo suas preferências, mas não fez nenhuma ação concreta para fechar ou, muito menos, empastelar órgãos de imprensa;
– Bolsonaro faz uso torpe, até obsceno, do direito à livre expressão e manifestação nas redes sociais, mas não tomou medidas para suprimir as vozes contrárias (até pelo contrário, investe no caos da desregulação);
– Bolsonaro promoveu manifestações contra as instituições na linha do golpe de Estado, mas se limitou a blefes, não passou à prática e, como vimos, teve de implorar recuo à base paisana que partiu para a ação depois de incitada por ele.
A rejeição de Bolsonaro está ancorada, portanto, não numa suposta ameaça que esse fanfarrão represente à democracia, mas no uso real que ele vem fazendo das prerrogativas da presidência da República legadas pelo Estado de Direito Autoritário-EDA, construído nos últimos trinta anos. Vejamos alguns exemplos de danosas ações ilegítimas, mas “de direito”.
O problema é o EDA em crise de legitimação
– O EDA permitiu a Bolsonaro se eximir de combater a pior pandemia em décadas. Ele pôde não apenas assistir, sem nada fazer, a morte de centenas de milhares de brasileiros, como ainda sabotou esforços de outros. No entanto, a CPI encarregada de investigar os crimes relacionados a essas escolhas está a descobrir que o EDA não propicia instrumentos/instituições que amparem punições adequadas (isso se as facções o quisessem…);
– O EDA deu oportunidade a que Ricardo Salles desmontasse, dentro do “de direito”, IBAMA e Chico Mendes, passasse a boiada, com incontáveis crimes ambientais diretos, envolvendo madeireiras, mineradoras, atravessadores, grileiros, barcos pesqueiros, incendiários e toda sorte de bandidos da selva;
– O EDA protege em seu marco legal as ações nefandas de Sergio Camargo à frente da Fundação Palmares, não havendo leis ou instituições que possam barrar ações tão claramente agressivas ao bem comum, no que talvez seja a prova mais cabal do racismo estrutural entranhado na própria forma do “de direito” no Brasil;
– O EDA permitiu que a FUNAI, instituição “de direito” destinada a proteger e promover a melhoria da vida dos povos ameríndios, fosse transformada numa agência dos interesses de ruralistas, o grupo mais claramente voltado contra essas populações vulneráveis;
– O EDA deu ocasião, no âmbito do “de direito”, à mais importante operação judicial contra a corrupção, a Lava Jato, no curso da qual foi possível que as facções distribuíssem arbitrariedades a tal ponto que, hoje, é tão impossível defendê-la quanto parabenizar aqueles que se ocuparam de contê-la, pois o resultado final é a impunidade da maioria dos envolvidos graúdos, numa autêntica apoteose facciosa;
– O EDA possui uma Constituição tão precariamente regulamentada que, mais de trinta anos depois de sua promulgação, Bolsonaro ainda pode pretender retirar da população ameríndia o direito à demarcação das suas terras, aspecto “de direito” que há muito deveria estar estabelecido;
– O EDA é tão frouxo na proteção de direitos humanos e individuais básicos que ações policiais arbitrárias, com emboscadas, espancamentos, assassinatos, violações de domicílio e toda sorte de autoritarismos estão plenamente abrigadas no âmbito do “de direito”, a tal ponto rotinizadas como prática institucional que Bolsonaro tem espaço de sobra para se congratular com elas e buscar entre seus praticantes a sua base miliciana, complemento indispensável da sua base paisana, tudo em arremedo aos dispositivos paisano e militar da ditadura;
– O EDA é tão propício à proteção de privilégios, que mais de trinta anos depois do fim da ditadura paisano-militar, tudo continua ilegítimo no que é “de direito” para os hierarcas da burocracia: além de privilégios previdenciários, temos juízes com remunerações finais estratosféricas e militares acumulando salários em estatais que são um escárnio à pobreza vivida pelo nosso povo, ao qual se atiram migalhas como se fossem medidas contra a desigualdade.
Nenhuma dessas macabras ações ilegítimas tem a ver com as franquias democráticas. Nenhuma delas ameaça o (suposto) Estado democrático de direito, até porque jamais deixaram de ser compatíveis com essa versão dele!
Portanto, Bolsonaro não é uma ameaça pelo que diz contra a democracia; ele é maléfico pelo que faz contra a maioria da sociedade e contra os segmentos mais vulneráveis dela. Bolsonaro pôde fazer tudo isso sem alterar as franquias democráticas, sem ser barrado pelo “de direito” de um suposto Estado democrático de direito. Mas nossa autointitulada esquerda e nossos progressistas não podem enxergar isso porque estão agarrados feito mariscos a este Estado, que também é obra deles. No tempo em que os progressistas (PSDB) e a autointitulada esquerda (PT) detiveram o privilégio de comandar o exercício faccioso dos poderes institucionais, acomodaram-se ao jogo das facções e não se empenharam em nenhuma reforma estrutural “de direito” que impedisse esse uso ilegítimo das instituições, que já então acontecia, só que em menor intensidade (em algumas áreas) e com menos descaramento.
Aliás, foi precisamente a acomodação deles ao status quo faccioso que nos levou à crise de legitimação e, dela, ao sentimento antissistema na maioria da sociedade e, deste, à vitória de Bolsonaro em 2018, como já expliquei aqui e em muitos outros posts deste blog. Por outro lado, a insistência no “frentismo” pela democracia decorre também das dificuldades desse pessoal para enfrentar um programa alternativo detalhado, que exigiria, no limite, que cada um dissesse, afinal, qual é a democracia que almeja. Para esse pessoal, tudo se passa como se a democracia já não precisasse ser discutida, como se ela já tivesse sido “consolidada” e, ao mesmo tempo, falam de instituições “colapsadas”, de “crise institucional”, de “instituições que funcionam”, de “instituições que resistem”, instituições “conspurcadas“, com toda sorte de inconsistências evidentes. No final, quando Bolsonaro tiver ficado para trás, muitos irão bater no peito e dizer: “nossa sólida democracia venceu!”, quando a vitória terá sido da maioria da sociedade que prefere a democracia, e do Estado de Direito Autoritário, que usa essa energia para derrubar ou derrotar quem o ameaça.
Por tudo isso, não é de surpreender que no curso desta semana que nos separa do dia da capitulação de Bolsonaro, intelectuais, jornalistas e os cada vez mais numerosos intelectualistas tenham insistido em dizer que Bolsonaro logo irá voltar a mobilizar o golpismo contra o suposto Estado democrático de direito. Na mesma toada, políticos adversários do besta vêm insistido em convocar atos esvaziados em “defesa da democracia”. Não entenderam (ou fingem não entender) o que se passou: com seu blefe maior, Bolsonaro abriu no dia 7 a campanha eleitoral de 2022. Essa passagem para uma outra etapa do jogo quase deu errado porque a base paisana radicalizada tentou, mesmo, invadir o STF e barrou estradas, o que levou as facções adversárias a reagirem com dureza e, pior, impôs a iminência de um revés econômico que soterraria de vez as chances eleitorais do besta, justamente o que ele pretende recuperar nessa nova fase. Foi a resposta necessária a esse cenário adverso que levou Bolsonaro à capitulação.
É hora de fazer a amarração recuperando o que foi dito no início deste artigo.
Campanha para derrotar Bolsonaro, não para derrubá-lo
Como as facções querem tirar proveito do isolamento de Bolsonaro, e como a maioria da sociedade não se mobilizou, não há interesse real em derrubá-lo. Embora rejeite Bolsonaro, a maioria da sociedade não confia nas instituições comandadas pelas facções e, por isso, ela se recusa a empenhar a energia antissistema para que as facções derrubem Bolsonaro. Como detalhadamente explicado aqui, a população só irá às ruas para derrubar Bolsonaro diante de uma catástrofe cujos danos suplantem sua aversão ao sistema. A deterioração da economia, com pandemia, poderia levar a isso, mas ainda não aconteceu.
De modo que à manifestação eleitoral do dia 7 irão se seguir outras manifestações igualmente eleitorais. Assim como Bolsonaro mobilizou a parte mais ativa da sua base para ir às ruas, os adversários dele também terão de levar aos seus comícios os segmentos mais ativos das suas respectivas bases. Mas, assim como já não daria certo Bolsonaro voltar a convocar os seus com base em blefes antissistema (ele só voltará a isso se houver movimentação pelo impeachment; ou no caso de revés eleitoral inapelável, no ano que vem); também não dará certo se a oposição fizer a convocação para as suas manifestações com base no blefe da derrubada de Bolsonaro.
Mas foi o que fizerem, no dia 12, o MBL e o VPR, que convocaram ato pela derrubada de Bolsonaro… (não é de surpreender que tenha dado pouca gente…). Naturalmente, como o MBL e o VPR não dispõem de candidato próprio à presidência, apareceram por lá os candidatos que, na mão inversa, não dispõem de base eleitoral: Ciro, Doria e outros menos cotados. Todos fizeram o discurso inócuo pela derrubada de Bolsonaro, mas estavam em plena campanha eleitoral — (a seguirmos assim, haverá inúmeras oportunidades para que as facções judiciais do EDA façam uso faccioso dos “rígidos” dispositivos legais que permitem punir “campanha eleitoral antecipada” — só rindo).
Lula parece ser o único que entendeu o que se passa
Lula, o mais notório chefe de facção, não entrou nem no “frentismo”, nem no oba-oba pelo impeachment. Mais uma vez, ele tira consequências precisas do que recomenda a sua sagacidade. Primeiro, como ele está empenhado em costurar (nos bastidores) apoios eleitorais de outras facções (inclusive das que derrubaram Dilma, parte das quais está, por enquanto, sugando Bolsonaro), não faria sentido ele passar a defender a derrubada do besta — além do que, essa ação o mostraria para o público apostando nas facções. Segundo, como a permanência de Bolsonaro não o atrapalha eleitoralmente, pelo contrário (pois, como é óbvio, o melhor para Lula é enfrentar um candidato cuja rejeição impeça de fazer maioria no segundo turno), o melhor será derrotar o besta. Terceiro, como não escapa a ninguém minimamente informado que o impeachment de Bolsonaro é improvável, não haveria porque Lula se empenhar num movimento em que seria derrotado pelo adversário que pretende enfrentar na eleição. Mas isso ainda não é tudo, nem o mais importante.
Quarto, Lula não defende a derrubada de Bolsonaro porque já entendeu o sentido profundo da outra metade do dilema em que se encontra a maioria da sociedade que rejeita Bolsonaro e não confia nas facções: em sua vocação natural para a inércia, a maioria tende para uma saída cômoda, não para a trabalheira de uma alternativa ao EDA. Ora, o que pode haver de mais cômodo (no sentido prático e no sentido moral) do que uma volta de Lula, o injustiçado (e o foi!), como se a injustiça que ele deveras sofreu na luta de facções fizesse dele não o faccioso que se deu mal e, depois, deu a volta por cima, mas um presumido líder antissistema que, ainda por cima, sabe lidar com o sistema?
Como não poderia deixar de ser, ao se conduzir dessa maneira, Lula, que é infernal!, terá o cuidado de se apresentar como um defensor da democracia (sugerindo-a ameaçada pela reeleição de Bolsonaro, ao qual derrotar caberia a ele …), e não como uma alternativa, que Lula não pode ser, ao Estado de Direito Autoritário que ajudou a construir e, depois, a arruinar, com suas práticas facciosas… Entretanto, como já entendeu que a maioria não embarcou no “frentismo”, Lula critica o frentismo por sua indefinição programática, com o que faz outra laçada eleitoreira, dessa vez com as expectativas programáticas da maioria insatisfeita… E la nave vá…
Fica o Registro:
Em 18/9
[12:30h] – Resultado da pesquisa DataFolha mais recente, publicado depois das linhas acima, traz números que ajudam a entender que a maioria da sociedade tem bem clara a diferença entre os blefes de Bolsonaro e a ação efetiva, que poderia levá-lo a ser derrubado: Bolsonaro blefou no dia 7 que não mais cumpriria decisões judiciais de Alexandre de Moraes. Se, de fato, ele passasse do blefe à ação, 76% entendem que ele deveria sofrer impeachment.
57% dizem nunca confiar no que Bolsonaro diz (percentual que, por certo, inclui os que o sabem um blefador), sendo nada menos do que 85% (57+28) o percentual dos entrevistados a declarar alguma desconfiança sobre o que Bolsonaro diz (outra vez: aqui há muita gente que não confia porque o sabe um blefador).
[15:45h] – Novos resultados da pesquisa DataFolha mostram que 70% preferem a democracia a qualquer outra forma de governo. Mais interessante, porém, são os dados sobre o golpismo de Bolsonaro e as chances de o Brasil voltar a viver sob ditadura.
Mesmo sob o alarido da mídia e bombardeados pela pregação unânime de intelectuais e intelectualistas: 45% veem nenhuma chance de o golpista passar do blefe à ação; 30% dizem haver muita chance de Bolsonaro dar um golpe; e outros 20% dizem ver um pouco de chance. A matéria da Folha soma os 20% aos 30% e encontra 50% de alguma chance de golpe… Deixo ao leitor julgar o quanto essa soma é adequada, considerando que dar golpe não significa o sucesso do golpe.
Quando se trata das chances de o Brasil voltar a viver sob ditadura, os números são: 45% descartam a possibilidade de uma ditadura, 31% dizem haver um pouco de chance de uma ditadura, e 20% muita chance. Esses números permitem calibrar melhor as respostas sobre a chance de Bolsonaro dar um golpe: é que como as intensidades não batem, é de supor que mesmo os que acham que há alguma chance de Bolsonaro dar um golpe entendem que não tem como a ação ser bem sucedida.
Finalmente, é notável como, na opinião da maioria dos entrevistados, todos os três poderes ameaçam a democracia: Legislativo (69%); Executivo (71%) e Judiciário (63%). Esses números ilustram a aversão às práticas institucionais facciosas, bem como ajudam a quantificar a crise de legitimação do Estado de Direito Autoritário-EDA.
[17:39h] – Em artigo de Antonio Prata, na Folha de S. Paulo de hoje, lê-se que:
“Não à toa, semana passada, a esquerda decidiu não ir às tristes manifestações do MBL e do Vem Pra Rua. Eu fui. Numa ditadura bolsonarista, minha vida corre risco, sob um governo do Temer & MBL & Vem Pra Rua, não. Mas pro pessoal do movimento negro, pros pobres, indígenas e todas as minorias Brasil adentro, tanto sob Bolsonaro quanto sob qualquer um daqueles delinquentes que riem de forma obscena no jantar, o pau de arara & a bala “perdida” & a vala comum são a regra. Há 521 anos.”
Nessas poucas linhas vê-se alguns dos equívocos que venho procurando desfazer sobre o que se passa na política brasileira:
(i) Prata não entendeu que já estamos em campanha eleitoral, assim, estranha que a “esquerda” não tenha ido ao comício eleitoral da “direita”…;
(ii) Prata acredita, mesmo, que há o risco de uma ditadura bolsonarista, e teme pela própria vida no caso do fim das franquias democráticas, mas…
(iii) Prata não pode deixar de reconhecer que um Estado ditatorial, sem franquias democráticas, fará pouca diferença para a maioria vulnerável que já vive o cotidiano sob um Estado de direito com franquias democráticas… Para que todos possam levar a vida que Prata leva sob franquias democráticas, teríamos de passar do Estado de Direito Autoritário para o Estado de Direito Democrático. Mas Prata, como todos os progressistas e a autointitulada esquerda, se preocupa é com a preservação do primeiro, embora cheio de compaixão e consciência hipócritas ante o sofrimento de quem é vítima cotidiana do exercício faccioso dos poderes institucionais. Nessas pouca linhas, Prata resumiu o cômodo programa conservador do “frentismo”.